terça-feira, 5 de outubro de 2010

UM NÃO AO PERSONALISMO.

O Globo – 05/10/2010


Colocar a candidata para surfar na sua alta popularidade e forçar uma eleição plebiscitária entre nós e eles, os tucanos. A estratégia de Lula, executada com frieza vide o atropelamento do aliado Ciro Gomes , se mostrou correta, enquanto ele conseguia tirar a desconhecida Dilma Rousseff de cinco pontos nas pesquisas para colocá-la como grande favorita a ganhar no primeiro turno. Mas Lula e os petistas menosprezaram a força de Marina Silva, dissidente do PT e do governo, onde não conseguira avançar com uma agenda verde diante do ímpeto do desenvolvimentismo à moda antiga da ministra Dilma Rousseff, também candidata a tocadora de obras. Responsável por ter viabilizado o segundo turno, Marina será cortejada por lulopetistas e tucanos, em busca de um precioso patrimônio de cerca de 20 milhões de votos.

Mas as urnas de domingo não serviram apenas para ungir a nova liderança política nacional, uma terceira via diante da disputa binária entre tucanos e petistas, a marca de quase todo este quarto de século pós-redemocratização.

A realização do segundo turno, contra a previsão dos institutos de pesquisa, pune gestos de arrogância e de autossuficiência de quem se considerou hegemônico e impune, devido aos níveis recordes de aprovação do governo e de popularidade do presidente.

A sociedade pode aprovar um governo com méritos na estabilidade da economia, na inclusão social apesar das controvérsias , mas demonstra maturidade ao não se deixar encantar pela ideia perniciosa, subjacente ao segundo mandato de Lula, do homem providencial, do pai dos pobres, velha patologia latinoamericana.

O Brasil não é mesmo Venezuela, nem o país da República Velha e do Estado Novo.

O segundo turno sinaliza o desejo de pluralidade. Dilma, por óbvio, sai na frente, com as maiores chances de vitória. Mas precisará ser expor, provar que não se trata de simples peça fabricada nas linhas de montagem do marketing político, uma atividade cada vez mais questionada na política brasileira. Já o tucano José Serra tem afinal de se definir entre ser apenas um gerente com folha corrida conhecida de competência administrativa, que se apresenta ao eleitorado para administrar a herança lulopetista sem maiores reformas, ou, bem mais do que isso, ir fundo no ataque aos pontos frágeis do país passados oito anos de Era Lula: máquina inchada, gastança, dirigismo, inapetência para reformas, entre outras distorções.

O segundo turno concede, também, chance de os candidatos aceitarem a reformulação do rígido, burocrático e engessado método de debates na TV. A relação de questões a abordar é ampla e rica o bastante para justificar regras que permitam o confronto direto de ideias, com réplicas e tréplicas.

Lula se frustra ao não fazer sua candidata vitoriosa no primeiro turno, objetivo pelo qual se bateu sem preocupação com as leis eleitorais e os limites que precisam ser respeitados entre o chefe de governo e o líder partidário.

E foi ao se jogar intempestivamente na campanha que, em alguns momentos, engavetou a persona Lulinha paz e amor, criada pela marquetagem na campanha de 2002, e com isso talvez tenha assustado parte dos eleitores de Dilma, aqueles que nos últimos dias migraram, principalmente para Marina. Assim como a descoberta do ninho de lobby na Casa Civil de Erenice Guerra, auxiliar direta de Dilma desde os tempos do Ministério das Minas e Energia, deve ter reavivado na memória do eleitorado casos passados rumorosos em que a regra dos fins justificam os meios patrocinou o desvio de dinheiro público para desvãos da corrupção. Junto com doses avantajadas de arrogância a primeira resposta de Erenice às denúncias foi atacar Serra, tachandoo de derrotado , a malfeitoria há de ter exercido influência no resultado de domingo.

Mesmo que Dilma tenha tentado se desvincular da ex-auxiliar, tão próxima que se tornara sucessora da chefe na Casa Civil.

As vitórias tucanas em São Paulo (Alckmin) e Minas (Aécio/Anastasia) não apenas reforçam o recado a favor do pluralismo como servem de contrapeso à margem de manobra conquistada pelo lulopetismo e aliados no Congresso. No Senado, foi alcançada a maioria qualificada de 60% dos votos, capaz de viabilizar mudanças na Carta. Mas, antes que PT e coligados enveredem por este terreno, devem considerar que a vitória da aliança petista no Congresso foi importante, mas não concede licença ao lulopetismo para tentar investir contra direitos consagrados pela sociedade.

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