Que a presidente Dilma Rousseff foi pega de surpresa com a destituição de Fernando Lugo da presidência paraguaia, em 22 de junho, todos já sabiam. Afinal, só isso explica, por exemplo, a açodada decisão de enviar uma comitiva diplomática ao Paraguai para, noves fora a retórica legalista, intimidar os parlamentares daquele país e questionar suas decisões soberanas. Mas agora, como mostra reportagem do Estado (30/7), o País começa a inteirar-se dos motivos do vexame: o serviço de inteligência e diplomatas brasileiros até produziram relatórios sobre o recrudescimento da crise e da crescente possibilidade de impeachment de Lugo, mas, segundo assessores de Dilma, esses documentos não foram encaminhados à presidente.
O roteiro desse desastre de comunicação pode ser traçado a partir de 15 de junho, quando um confronto por desocupação de terras na cidade paraguaia de Curuguaty resultou na morte de 11 sem-terra e 6 policiais. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu nesse mesmo dia um relatório sobre o caso, mostrando que a crise poderia resultar até no impeachment de Lugo - o presidente do Paraguai, um país em que a questão agrária é especialmente delicada, foi acusado pela oposição de ter sido responsável pelo conflito. Esse documento não foi adicionado às sínteses que são entregues diariamente a Dilma. Ela viajou ao México dois dias depois, para a reunião do G-20, e nenhum de seus auxiliares a procurou para falar sobre a crise paraguaia.
No dia 20 de junho, antevéspera do impeachment, a Abin produziu outro relatório, mostrando que o processo para o afastamento de Lugo seria mesmo aberto e que ele havia perdido todo o apoio que tinha no Congresso. Também esse documento não foi encaminhado a Dilma. O texto, assim como os demais, pousara na mesa do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, responsável por repassá-lo à presidente. Elito costuma resumir ou mesmo nem sequer passar adiante os relatórios que considera irrelevantes, e parece que foi isso o que ele fez com os documentos que teriam alertado Dilma para a escalada violenta e irresistível da crise no Paraguai.
O Itamaraty e o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, também não fizeram muito melhor. O embaixador do Brasil em Assunção, Eduardo dos Santos, relatou por telefone a Garcia, em várias oportunidades, o que estava presenciando. O assessor recebeu ainda diversos relatórios do Itamaraty apontando para o agravamento do quadro, mas Garcia, aparentemente, não conversou com Dilma sobre o assunto, embora estivesse com ela no México.
Os assessores do Planalto acreditam que tanto Elito quanto Garcia subestimaram as informações sobre o Paraguai porque o pedido de impeachment contra Lugo seria o 24.º de uma longa lista de tentativas da oposição de destituir o presidente; logo, segundo esse raciocínio, não daria em nada. Mas a situação de Lugo havia mudado drasticamente, sem que os auxiliares de Dilma responsáveis por informá-la a respeito tivessem se dado conta. O apoio político ao presidente paraguaio, que já era mínimo, foi pulverizado da noite para o dia quando ele trocou o comando do Ministério do Interior, como reação ao conflito de Curuguaty, e desagradou a única legenda que ainda o sustentava, o Partido Liberal Radical Autêntico. Tudo isso foi documentado pelo Itamaraty e pela Abin, mas Dilma não soube.
Esse exemplo de inépcia escancara ao menos dois problemas. O primeiro é que o estilo centralizador de Dilma parece constranger alguns de seus auxiliares a não "incomodá-la" com assuntos que ela possa vir a considerar irrelevantes, causando uma de suas já famosas reações intempestivas.
O segundo problema, muito mais grave, é que a presidente pode estar no escuro não só em relação ao Paraguai, mas a muitos outros temas cruciais, graças a erros internos de comunicação. Assim, ela estaria exposta à possibilidade de ter de tomar decisões importantes sem ter todas as informações necessárias para isso - quer porque elas estão mal-ajambradas, quer porque elas simplesmente foram engavetadas por algum funcionário receoso do temperamento da presidente
O Estado de São Paulo
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