Ola muchachos,
Esta es una historia real.
Não se passou comigo, mas com um casal conhecido que ma narrou. Gostei tanto que pedi permissão para recontá-la a meu modo.
Os nomes não são verdadeiros, é óbvio, mas os fatos sim. Talvez não exatamente como descrito por necessidade de encurtar para caber num texto que já é longo o suficiente para lançar o leitor para escanteio.
Espero que os protagonistas concordem...
[]s
Moacir
Desde que o bloqueio econômico foi decretado a Cuba pela OEA (leia-se EEUU), que o país tem enfrentado dificuldades. As coisas se complicaram ainda mais com a queda do muro de Berlim e o desfazimento da União Soviética, seu principal parceiro comercial. A ilha, sem indústria e sem capitais, passou a viver um pesadelo econômico. Sem divisas para importar o que necessitava abriu suas fronteiras ao turismo e, nesta onda de curiosos oportunistas em busca de diversão barata, um casal de amigos argentinos foi conhecer Havana e Varadero.
Era um pacote de duas semanas a preços muito interessantes, incluindo traslado e hospedagem em hotéis de boa qualidade. Imperdível.
- “Vieja, con eses precios me quedo joven de nuevo.”
- “No te creo. Ya no eres lo mismo. Ni borracho. Ni con Viagra.”
Tomaram um Tupolev (não é droga, é avião) em Ezeiza para um voo sem escalas, mas souberam, assustados, que haveria um pouso por motivo técnico em Panamá. O que seria duas semanas no paraíso parecia que estava se tornando uma expedição com atalho a caminho do inferno. Chovia intensamente e o velho avião russo tocou pista atravessado com muito vento de través. Arremeteu com um bando de argentinos cagados de medo a bordo.
Nada assusta mais passageiros do que uma arremetida num pouso forçado por problemas técnicos, depois de tocar pista. Ao lado dos nossos personagens, um casal em lua de mel tinha sua primeira briga conjugal.
- “Te dijo, Néstor, ese viaje a Cuba es un despelote. Tu me obligaste, hijo de puta!”
- “No seas pelotuda, Cristina, no pasa nada, llegaremos a La Habana tranquilos como los Kirchner a la Casa Rosada.”
Mas o piloto era habilidoso e na segunda tentativa pousou corretamente. Ato contínuo desembarcaram todos, com os membros da tripulação apressados, liderando estranhamente a turba. Corriam.
Hernandes concluiu rapidamente que o motivo da escala não era técnico, mas comercial. Os tripulantes estavam indo às compras, talvez para abastecer lojas especiais para turistas e membros do Partido. Ou, o mais provável, fazer contrabando mesmo. A cidade de Panamá é famosa por ter excelentes preços de venda de roupas, bebidas e sapatos. Não demorou meia hora e os passageiros eram exortados com gritos a voltarem para bordo. Que diabo de reparo importante era feito em tão pouco tempo? Pneu furado?
Chegaram ao destino. Hernandes percebeu que vários aviões no aeroporto de Havana estavam parcialmente desmontados, evidência de que canibalizavam peças para manter o que restava da frota no ar. De ateu, tornou-se crédulo:
- “Señor, perdóname por mi vida sin fe, ahora lo sé que operasteis un milagro haciendo que este avión de mierda llegase a su destino. Gracias a vos, Jesús. Amén.”
Uma vez que ocuparam o apartamento no hotel, decidiram caminhar pela orla, curtindo a paisagem. Um bando de escolares se aproximou e bombardeou os portenhos com pedidos de balas, chicletes e canetas. A gurizada era até agressiva nas demandas. Foram socorridos por um casal que passava, ela era uma mulata grande e bonita, ele um tipo afetado, visivelmente uma bicha.
- “No los den nada. Si los dan, les van a molestar por todo el dia.”
A maneira de falar de um cubano é bastante distinta da de um portenho, mas as palavras são quase as mesmas. Entendiam-se perfeitamente e os turistas viram-se livres da horda de estudantes de mendicância. E entabularam conversa. Descobriram que Maria, a mulata, se dizia modelo e que o rapaz era enfermeiro e a ajudava nas apresentações. Até combinaram de ir a um desfile e convidaram o casal em lua de mel para o evento. Lembro-me perfeitamente da frase de Hernandes quando me narrava:
- “Ché, esa eh sido una mala decisión. No te imagináis la desgracia que hemos visto.”
Entrementes Marta, a esposa, me fez uma cara de espanto, tentando demostrar o quanto ficara decepcionada. Olho feminino.
- “Fuimos después de la cena, era un ambiente oscuro, pero yo pudo percibir que los zapatos de María, Vicente y de otras personas sentadas en el suelo tenían sus suelas rotas. Sentí pena de ella.”
Mas eles percebiam o quanto a moça e o rapaz tentavam ser agradáveis, dando-lhes o melhor de que dispunham. Tanto, que no dia seguinte os convidaram para jantar no hotel.
De forma geral o regime cubano tem a virtude de tratar as pessoas de forma igual, mas tem o defeito de transformar todos em miseráveis para obter este intento, que não é efetivo: há alguns mais iguais do que outros, dependendo da hierarquia partidária. Sob esta ótica os dois residentes chegaram ao restaurante do hotel Habana Libre, ex Hilton, com suas melhores roupas visivelmente surradas. Os pratos foram eleitos por Marta e suscitaram um olhar de espanto misturado com prazer.
- “Batatas fritas! Cuantos años hace que no las como!”
Marta quedou-se curiosa. Por que razão uma pessoa passaria anos sem comer batatas fritas?”
- “No teneis papas en Cuba?”
- “Si, tenemos, lo que pasa es que no hay aceite para cocinar.”
Quando chegaram as sobremesas decidiram tirar algumas fotografias e Marta se levantou para buscar a câmera no apartamento. Com visível expressão de curiosidade Maria disse:
- "Podria subir contigo ? Nunca entré en un hotel como este."
Isso seria o mínimo, mostrar como era o interior de um hotel de luxo construído pelos gringos.
- “Si, acompañame.”
Caminharam conversando pelo saguão em direção ao elevador que estava parado no andar com as portas abertas. Lá dentro havia uma operadora de cabine, morena e gorda. Ambas entraram e Marta pediu seu pavimento. A ascensorista olhou para a convidada fixamente e disse:
- “Tu no puedes subir.”
Marta protestou indignada, aquilo não era normal para ela.
- “Como no se puede subir? Es mi invitada y yo la autorizo.”
Friamente, sem erguer a voz, veio a resposta.
- “Ella sabe que no puede.”
A moça forçou um sorriso, abaixou a cabeça submissa e voltou para a mesa.
Uma das características dos argentinos é soltar o verbo quando são incomodados. Manifestações populares em Buenos Aires são muito mais apelativas do que no Brasil onde, que eu me lembre, a classe média tupiniquim só se manifestou maciçamente na marcha da família com Deus pela liberdade em 1964 e anualmente na Banda de Ipanema. Quando Marta reapareceu no saguão estava transtornada e levantou a voz bradando para quem quisesse (mesmo quem não quisesse) escutar:
- “Eso es un atropello, yo como turista, y habiendo pagado mi estadía, puedo invitar a mi habitación a quien yo quisiera, dentro de las normas de convivencia normales.”
A parelha cubana demonstrou claro desconforto com a situação. Dizem que em Cuba quem tem fiofó, tem muito medo. Pediram a Marta que se acalmasse, pois para eles era assim mesmo e essa atitude poderia lhes prejudicar muito. Fiofó muito sensível esse cubano, acho que daí vem do nome do país, ou vice-versa. Feita a catarse o ambiente se serenou e o restante da noite transcorreu de forma agradável com muita conversa e bom humor. Vicente comentou que os cubanos estavam restritos a comprar onde era permitido, que para os turistas havia uma zona especial. Além disso, todos os produtos eram regulados pelo governo.
- “Estamos acostumbrados a comer pollo Alicia Alonso.”
Era uma alusão à notável bailarina cubana, que então já era bem velha e extremamente delgada, quase só pele e ossos.
Havia muitos argentinos no hotel e os protagonistas conversavam com um casal de Ciudad da La Plata, quando conheceram um ator de televisão que também era submarinista da marinha fiel, ou Fidel, que dizia que não comungava com a política do regime. Contou que era espanhol de nascimento e que emigrou para Cuba com seus pais no começo dos anos cinquenta. Fugiu de Franco e caiu no colo de Castro. Após alguns goles de guísque (pronúncia local) sobre las rocas (nem pensar em falar on the rocks) confessou que escaparia na primeira oportunidade que tivesse e pediria asilo político em algum país que não mantivesse relações com o regime cubano. Certamente isso teria que ser ao norte do Rio Grande, pois toda a América Latina atual mantém laços de amizade e admiração a Fidel.
Sua crença era de que poderia aproveitar uma viagem desportiva, porque competia em provas subaquáticas de campeonatos promovidos pelo governo. Era apenas esperar uma prova fora da ilha. Não se sabe se conseguiu fugir, apesar de terem mantido alguma correspondência com o cuidado de só discutirem amenidades, pois as cartas provavelmente seriam abertas por censores do regime. Decorridos alguns meses as respostas desapareceram. Vicente também manteve contato com pedidos veementes de artigos de vaidade: tênis, desodorante, meias. Cartas patéticas que também cessaram de chegar.
Numa caminhada informal pelo centro de Havana, junto com o casal de Ciudad de la Plata, mesclaram-se com o povo. Pretendiam passar despercebidos, mas suas roupas e calçados de qualidade muito superior à dos nativos denotavam serem turistas. Haviam cambiado uns poucos dólares na razão de um dólar por oito pesos, que era muito dinheiro se os preços locais dos produtos fossem tomados por referência. Um hambúrguer, ou algo semelhante, custava quatro pesos, um sorvete um peso, café era grátis. Fantástico, mas havia que descobrir onde comprar, já que poucas coisas podiam ser vendidas, exceto rum e tabaco que não tinham limites. Creio que seja porque fazem bem à saúde. Ou o contrário, já que a expectativa de vida em Cuba é enorme (não é sacanagem) e os velhos custam muito caro ao estado. Você decide.
Os armazéns (eles chamam bodegas) tinham suas prateleiras quase vazias com algumas poucas latas espalhadas por todo o local. Contudo havia muitos atendentes debruçados no balcão sem fazer coisa alguma. Nem vendiam o pouco que estava nos mostradores, pois lá só se pode comprar com cartilha de racionamento. Numa loja de ferragens, que entraram apenas para conhecer, havia alguns martelos aqui e mais alguns pregos ali. Nada mais. Mas Marta me mostrou um sorriso comentando seu êxito feminino, não voltara de mão vazias.
- “Pero, Eureka! Compramos dos maracas que aún conservamos!”
Passando por um bar lotado pensaram em trocar pesos por algum sanduíche dos anunciados. Um balcão circular era rodeado de assentos, todos ocupados, com muita gente de pé aguardando sua vez de sentar. Como não pretendiam descansar foram direto ao caixa fazer o pedido. Hernandes mostrou o dinheiro e solicitou quatro hambúrgueres. Uma senhora de uniforme branco apontou o banco:
- “Mira cariño, siéntate y entonces te doy lo que pides.”
- “Pero es imposible ya que hay mucha gente esperando y no nos interesa sentarnos”
- “Pues entonces no te puedo atender, mi vida. Solo se venden a los que están sentados.”
- “Pero con la gente que está esperando nos vamos pasado mañana.”
- “Bueno, shico, tu decides, pero eso es lo que tenemos que hacer. Lo siento, cariño.”
Tudo isso com sorriso e boas maneiras. Também o público não se envolveu no diálogo, mantendo suas expressões imutáveis. É como se dissessem: “es lo que hay”.
Hernandes comentou que podiam gastar seus dólares em restaurantes exclusivos para estrangeiros ou figurões da política, cuja moeda era somente a do império do capital. Foi enfático:
- “Lógicamente vedados a los cubanos comunes. Por dos razones: por que si y por que donde, carajo, sacaban un dólar para pagar? Y si lo sacaban, los detendrían.”
Numa excursão, pouco antes de chegarem ao hotel, pediram para descer do ônibus, no que foram refutados com cortesia, mas decisão, pelo motorista e pela guia. Contudo se impuseram e desembarcaram. Dirigiram-se a uma fortaleza onde havia um bar com quatro mesas ocupadas por casais jovens bastante bem vestidos. Comiam salgadinhos e bebiam da Coca-Cola cubana. Imaginaram que ali seriam atendidos e se dirigiram ao balcão. Fizeram seus pedidos.
- “Cabaiero, disculpe, pero no ha quedado mas.”
De experiências semelhantes e discretos comentários dos locais deduziram que aquele local seria para alguns agraciados com prêmios que o estado outorga a quem se comporta bem. A especulação não é minha, mas do protagonista. Yo no creo en brujas pero que las hay...
De lá se dirigiram a um grande palácio colonial segregado para atender turistas, onde foram servidos com cerveja, mojitos e tudo quanto desejaram, como me disse Hernandes com muito humor:
- “Teníamos lo que quisiéramos pagando en la vil moneda del Imperio. No se si empleaban este término o si se me pego del mono Chavez.”
Como o título sugere, para os que pensam que Cuba é ruim, é melhor mudar de opinião.
Esta es una historia real.
Não se passou comigo, mas com um casal conhecido que ma narrou. Gostei tanto que pedi permissão para recontá-la a meu modo.
Os nomes não são verdadeiros, é óbvio, mas os fatos sim. Talvez não exatamente como descrito por necessidade de encurtar para caber num texto que já é longo o suficiente para lançar o leitor para escanteio.
Espero que os protagonistas concordem...
[]s
Moacir
Desde que o bloqueio econômico foi decretado a Cuba pela OEA (leia-se EEUU), que o país tem enfrentado dificuldades. As coisas se complicaram ainda mais com a queda do muro de Berlim e o desfazimento da União Soviética, seu principal parceiro comercial. A ilha, sem indústria e sem capitais, passou a viver um pesadelo econômico. Sem divisas para importar o que necessitava abriu suas fronteiras ao turismo e, nesta onda de curiosos oportunistas em busca de diversão barata, um casal de amigos argentinos foi conhecer Havana e Varadero.
Era um pacote de duas semanas a preços muito interessantes, incluindo traslado e hospedagem em hotéis de boa qualidade. Imperdível.
- “Vieja, con eses precios me quedo joven de nuevo.”
- “No te creo. Ya no eres lo mismo. Ni borracho. Ni con Viagra.”
Tomaram um Tupolev (não é droga, é avião) em Ezeiza para um voo sem escalas, mas souberam, assustados, que haveria um pouso por motivo técnico em Panamá. O que seria duas semanas no paraíso parecia que estava se tornando uma expedição com atalho a caminho do inferno. Chovia intensamente e o velho avião russo tocou pista atravessado com muito vento de través. Arremeteu com um bando de argentinos cagados de medo a bordo.
Nada assusta mais passageiros do que uma arremetida num pouso forçado por problemas técnicos, depois de tocar pista. Ao lado dos nossos personagens, um casal em lua de mel tinha sua primeira briga conjugal.
- “Te dijo, Néstor, ese viaje a Cuba es un despelote. Tu me obligaste, hijo de puta!”
- “No seas pelotuda, Cristina, no pasa nada, llegaremos a La Habana tranquilos como los Kirchner a la Casa Rosada.”
Mas o piloto era habilidoso e na segunda tentativa pousou corretamente. Ato contínuo desembarcaram todos, com os membros da tripulação apressados, liderando estranhamente a turba. Corriam.
Hernandes concluiu rapidamente que o motivo da escala não era técnico, mas comercial. Os tripulantes estavam indo às compras, talvez para abastecer lojas especiais para turistas e membros do Partido. Ou, o mais provável, fazer contrabando mesmo. A cidade de Panamá é famosa por ter excelentes preços de venda de roupas, bebidas e sapatos. Não demorou meia hora e os passageiros eram exortados com gritos a voltarem para bordo. Que diabo de reparo importante era feito em tão pouco tempo? Pneu furado?
Chegaram ao destino. Hernandes percebeu que vários aviões no aeroporto de Havana estavam parcialmente desmontados, evidência de que canibalizavam peças para manter o que restava da frota no ar. De ateu, tornou-se crédulo:
- “Señor, perdóname por mi vida sin fe, ahora lo sé que operasteis un milagro haciendo que este avión de mierda llegase a su destino. Gracias a vos, Jesús. Amén.”
Uma vez que ocuparam o apartamento no hotel, decidiram caminhar pela orla, curtindo a paisagem. Um bando de escolares se aproximou e bombardeou os portenhos com pedidos de balas, chicletes e canetas. A gurizada era até agressiva nas demandas. Foram socorridos por um casal que passava, ela era uma mulata grande e bonita, ele um tipo afetado, visivelmente uma bicha.
- “No los den nada. Si los dan, les van a molestar por todo el dia.”
A maneira de falar de um cubano é bastante distinta da de um portenho, mas as palavras são quase as mesmas. Entendiam-se perfeitamente e os turistas viram-se livres da horda de estudantes de mendicância. E entabularam conversa. Descobriram que Maria, a mulata, se dizia modelo e que o rapaz era enfermeiro e a ajudava nas apresentações. Até combinaram de ir a um desfile e convidaram o casal em lua de mel para o evento. Lembro-me perfeitamente da frase de Hernandes quando me narrava:
- “Ché, esa eh sido una mala decisión. No te imagináis la desgracia que hemos visto.”
Entrementes Marta, a esposa, me fez uma cara de espanto, tentando demostrar o quanto ficara decepcionada. Olho feminino.
- “Fuimos después de la cena, era un ambiente oscuro, pero yo pudo percibir que los zapatos de María, Vicente y de otras personas sentadas en el suelo tenían sus suelas rotas. Sentí pena de ella.”
Mas eles percebiam o quanto a moça e o rapaz tentavam ser agradáveis, dando-lhes o melhor de que dispunham. Tanto, que no dia seguinte os convidaram para jantar no hotel.
De forma geral o regime cubano tem a virtude de tratar as pessoas de forma igual, mas tem o defeito de transformar todos em miseráveis para obter este intento, que não é efetivo: há alguns mais iguais do que outros, dependendo da hierarquia partidária. Sob esta ótica os dois residentes chegaram ao restaurante do hotel Habana Libre, ex Hilton, com suas melhores roupas visivelmente surradas. Os pratos foram eleitos por Marta e suscitaram um olhar de espanto misturado com prazer.
- “Batatas fritas! Cuantos años hace que no las como!”
Marta quedou-se curiosa. Por que razão uma pessoa passaria anos sem comer batatas fritas?”
- “No teneis papas en Cuba?”
- “Si, tenemos, lo que pasa es que no hay aceite para cocinar.”
Quando chegaram as sobremesas decidiram tirar algumas fotografias e Marta se levantou para buscar a câmera no apartamento. Com visível expressão de curiosidade Maria disse:
- "Podria subir contigo ? Nunca entré en un hotel como este."
Isso seria o mínimo, mostrar como era o interior de um hotel de luxo construído pelos gringos.
- “Si, acompañame.”
Caminharam conversando pelo saguão em direção ao elevador que estava parado no andar com as portas abertas. Lá dentro havia uma operadora de cabine, morena e gorda. Ambas entraram e Marta pediu seu pavimento. A ascensorista olhou para a convidada fixamente e disse:
- “Tu no puedes subir.”
Marta protestou indignada, aquilo não era normal para ela.
- “Como no se puede subir? Es mi invitada y yo la autorizo.”
Friamente, sem erguer a voz, veio a resposta.
- “Ella sabe que no puede.”
A moça forçou um sorriso, abaixou a cabeça submissa e voltou para a mesa.
Uma das características dos argentinos é soltar o verbo quando são incomodados. Manifestações populares em Buenos Aires são muito mais apelativas do que no Brasil onde, que eu me lembre, a classe média tupiniquim só se manifestou maciçamente na marcha da família com Deus pela liberdade em 1964 e anualmente na Banda de Ipanema. Quando Marta reapareceu no saguão estava transtornada e levantou a voz bradando para quem quisesse (mesmo quem não quisesse) escutar:
- “Eso es un atropello, yo como turista, y habiendo pagado mi estadía, puedo invitar a mi habitación a quien yo quisiera, dentro de las normas de convivencia normales.”
A parelha cubana demonstrou claro desconforto com a situação. Dizem que em Cuba quem tem fiofó, tem muito medo. Pediram a Marta que se acalmasse, pois para eles era assim mesmo e essa atitude poderia lhes prejudicar muito. Fiofó muito sensível esse cubano, acho que daí vem do nome do país, ou vice-versa. Feita a catarse o ambiente se serenou e o restante da noite transcorreu de forma agradável com muita conversa e bom humor. Vicente comentou que os cubanos estavam restritos a comprar onde era permitido, que para os turistas havia uma zona especial. Além disso, todos os produtos eram regulados pelo governo.
- “Estamos acostumbrados a comer pollo Alicia Alonso.”
Era uma alusão à notável bailarina cubana, que então já era bem velha e extremamente delgada, quase só pele e ossos.
Havia muitos argentinos no hotel e os protagonistas conversavam com um casal de Ciudad da La Plata, quando conheceram um ator de televisão que também era submarinista da marinha fiel, ou Fidel, que dizia que não comungava com a política do regime. Contou que era espanhol de nascimento e que emigrou para Cuba com seus pais no começo dos anos cinquenta. Fugiu de Franco e caiu no colo de Castro. Após alguns goles de guísque (pronúncia local) sobre las rocas (nem pensar em falar on the rocks) confessou que escaparia na primeira oportunidade que tivesse e pediria asilo político em algum país que não mantivesse relações com o regime cubano. Certamente isso teria que ser ao norte do Rio Grande, pois toda a América Latina atual mantém laços de amizade e admiração a Fidel.
Sua crença era de que poderia aproveitar uma viagem desportiva, porque competia em provas subaquáticas de campeonatos promovidos pelo governo. Era apenas esperar uma prova fora da ilha. Não se sabe se conseguiu fugir, apesar de terem mantido alguma correspondência com o cuidado de só discutirem amenidades, pois as cartas provavelmente seriam abertas por censores do regime. Decorridos alguns meses as respostas desapareceram. Vicente também manteve contato com pedidos veementes de artigos de vaidade: tênis, desodorante, meias. Cartas patéticas que também cessaram de chegar.
Numa caminhada informal pelo centro de Havana, junto com o casal de Ciudad de la Plata, mesclaram-se com o povo. Pretendiam passar despercebidos, mas suas roupas e calçados de qualidade muito superior à dos nativos denotavam serem turistas. Haviam cambiado uns poucos dólares na razão de um dólar por oito pesos, que era muito dinheiro se os preços locais dos produtos fossem tomados por referência. Um hambúrguer, ou algo semelhante, custava quatro pesos, um sorvete um peso, café era grátis. Fantástico, mas havia que descobrir onde comprar, já que poucas coisas podiam ser vendidas, exceto rum e tabaco que não tinham limites. Creio que seja porque fazem bem à saúde. Ou o contrário, já que a expectativa de vida em Cuba é enorme (não é sacanagem) e os velhos custam muito caro ao estado. Você decide.
Os armazéns (eles chamam bodegas) tinham suas prateleiras quase vazias com algumas poucas latas espalhadas por todo o local. Contudo havia muitos atendentes debruçados no balcão sem fazer coisa alguma. Nem vendiam o pouco que estava nos mostradores, pois lá só se pode comprar com cartilha de racionamento. Numa loja de ferragens, que entraram apenas para conhecer, havia alguns martelos aqui e mais alguns pregos ali. Nada mais. Mas Marta me mostrou um sorriso comentando seu êxito feminino, não voltara de mão vazias.
- “Pero, Eureka! Compramos dos maracas que aún conservamos!”
Passando por um bar lotado pensaram em trocar pesos por algum sanduíche dos anunciados. Um balcão circular era rodeado de assentos, todos ocupados, com muita gente de pé aguardando sua vez de sentar. Como não pretendiam descansar foram direto ao caixa fazer o pedido. Hernandes mostrou o dinheiro e solicitou quatro hambúrgueres. Uma senhora de uniforme branco apontou o banco:
- “Mira cariño, siéntate y entonces te doy lo que pides.”
- “Pero es imposible ya que hay mucha gente esperando y no nos interesa sentarnos”
- “Pues entonces no te puedo atender, mi vida. Solo se venden a los que están sentados.”
- “Pero con la gente que está esperando nos vamos pasado mañana.”
- “Bueno, shico, tu decides, pero eso es lo que tenemos que hacer. Lo siento, cariño.”
Tudo isso com sorriso e boas maneiras. Também o público não se envolveu no diálogo, mantendo suas expressões imutáveis. É como se dissessem: “es lo que hay”.
Hernandes comentou que podiam gastar seus dólares em restaurantes exclusivos para estrangeiros ou figurões da política, cuja moeda era somente a do império do capital. Foi enfático:
- “Lógicamente vedados a los cubanos comunes. Por dos razones: por que si y por que donde, carajo, sacaban un dólar para pagar? Y si lo sacaban, los detendrían.”
Numa excursão, pouco antes de chegarem ao hotel, pediram para descer do ônibus, no que foram refutados com cortesia, mas decisão, pelo motorista e pela guia. Contudo se impuseram e desembarcaram. Dirigiram-se a uma fortaleza onde havia um bar com quatro mesas ocupadas por casais jovens bastante bem vestidos. Comiam salgadinhos e bebiam da Coca-Cola cubana. Imaginaram que ali seriam atendidos e se dirigiram ao balcão. Fizeram seus pedidos.
- “Cabaiero, disculpe, pero no ha quedado mas.”
De experiências semelhantes e discretos comentários dos locais deduziram que aquele local seria para alguns agraciados com prêmios que o estado outorga a quem se comporta bem. A especulação não é minha, mas do protagonista. Yo no creo en brujas pero que las hay...
De lá se dirigiram a um grande palácio colonial segregado para atender turistas, onde foram servidos com cerveja, mojitos e tudo quanto desejaram, como me disse Hernandes com muito humor:
- “Teníamos lo que quisiéramos pagando en la vil moneda del Imperio. No se si empleaban este término o si se me pego del mono Chavez.”
Como o título sugere, para os que pensam que Cuba é ruim, é melhor mudar de opinião.
É muito pior.
Moacir Carqueja
Ohhhhhh se é pior, uma amiga há alguns foi lá fazer um tratamento pra vitiligo, voltou assustadíssima e triste. Na casa que ficou hospedada, tinha até vergonha de comer, por pena. A dona da casa deixou de adquirir alguns ítens pra poder fazer um bolo pra filha. Imagina o que os turistas não presenciam? e viva a democracia (???) brasileira! Affffff e pelo jeito a luta será árdua em 2014....
ResponderExcluir