Anúncio de emprego: salário de até R$ 16,8 mil. Cargo: médico. Local: municípios do interior de Minas Gerais. Muito atraente para a turma de branco, não? Mas as prefeituras vêm encontrando dificuldades para manter o quadro de profissionais da área mesmo garantindo vencimentos tão elevados. O problema não é encontrar quem queira ocupar o cargo, mas manter os médicos na cidade.
Um dos prefeitos obrigados a conviver com o dilema é Domingos Rivelli Teixeira Nogueira (PTB), da cidade de Brás Pires, município de aproximadamente 5 mil habitantes, na Zona da Mata, a 332 quilômetros de Belo Horizonte. A cidade paga R$ 16.800 mensais para cada um dos dois médicos que a prefeitura tenta manter. “Hoje o quadro está completo. Mas a última contratação foi feita na semana passada. Além disso, o outro profissional que já estava no cargo avisou que sai em junho”, lamenta o prefeito.
Conforme Rivelli, o médico que deixou a cidade na semana passada ficou apenas cinco meses no emprego. “Pode ligar para todos os municípios vizinhos: Catas Altas da Noruega, Lamim, Senador Firmino, Itaverava. Todas têm o mesmo problema”, garante o prefeito. Rivelli afirma que, geralmente, os médicos vão para cidades maiores. “Esse rodízio provoca transtornos. Quando o médico começa a se acostumar com o prontuário do paciente, decide ir embora”.
O prefeito, que pode tentar a reeleição, garante que a luta que trava para manter os médicos é para fornecer tratamento de saúde com mais qualidade e sem deslocamentos para outros municípios. Ele admite, porém, que a falta dos profissionais pode prejudicar nova disputa pelo cargo, em outubro: “Se faltar médico é certo que teremos problemas na campanha”.
A vizinha Piranga, a 169 quilômetros de Belo Horizonte, mantém sete cargos de médico. Os salários são menores: R$ 8.900. Segundo a secretária municipal de Saúde, Ariadne de Fátima Cardoso, o quadro, assim como em Brás Pires, também está completo. “Mas um já avisou que sai nos próximos dias porque passou em um concurso em cidade maior e dois deixaram claro que só ficam até o final do ano”. O médico com menos tempo de casa em Piranga está há apenas dois meses na cidade, que tem aproximadamente 18 mil habitantes. “Muitos alegam, ao ir embora, que a cidade é muito pequena”, conta Ariadne.
A consequência do vaivém de médicos, segundo Ariadne, é o aumento da dependência do município de participar dos consórcios de saúde, sistemas formados por cidades, entres as quais uma de maior porte, que concentra a realização de exames de complexidade mais elevada. Os custos são rateados entre as prefeituras.
Zona Rural Se os pequenos municípios têm dificuldades para contratar médicos para trabalhar em suas sedes, o desafio de encontrar profissionais dispostos a atender na zona rural é maior ainda. Quem paga o pato são os moradores dessas localidades, onde a assistência à saúde é precária. O problema é enfrentado em Bonito de Minas, de 8,8 mil habitantes – distante 603 quilômetros de Belo Horizonte, na Região Norte. Um dos municípios mais pobres do estado, Bonito de Minas tem uma grande extensão territorial: 3,9 mil km quadrados. “Existe localidade distante 150 quilômetros da sede. Para atender num lugar desse, o médico sai da cidade às 8 horas da manhã e só chega ao destino por volta do meio-dia”, relata o prefeito José Raimundo Viana (PR).
Ele conta que, diante dessa situação, tem que se esforçar muito para encontrar médicos dispostos a trabalhar no município. “Pagamos R$ 14 mil para um médico. Por menos disso, nem recém-formado quer vir para a cidade”, diz Viana. “Eles alegam que nos municípios pequenos não podem atender em mais de um local, como acontece nas cidades maiores”, diz o prefeito.
Bonito de Minas tem apenas um centro de saúde e, atualmente, conta com cinco médicos. “Contratamos os médicos por licitação por pregão. O contrato tem validade de um ano”, explica o prefeito. De acordo com Raimundo Viana, os profissionais atendem na sede do município de segunda a sexta-feira e também dão plantão em localidades da zona rural. Dos cinco médicos, dois estão morando no município e três em Januária, a 40 quilômetros de distância.
O prefeito Raimundo Viana disse que os atuais médicos foram contratados na própria região. “Mas tivemos que procurar em Belo Horizonte e Brasília”, relata. Situação semelhante é verificada em Ninheira, de 9,75 mil habitantes, a 780 quilômetros de Belo Horizonte, no extremo norte de Minas. “Por causa da distância dos grandes centros temos que pagar um salário muito alto para contratar médicos. O valor que pagamos é o dobro do salário pago a eles em cidades de porte médio”, diz o secretário municipal de Saúde de Ninheira, Laerte Mateus. Atualmente, a cidade conta com cinco médicos, que recebem R$ 13,5 mil por seis plantões mensais e pelo atendimento no Programa de Saúde da Família (PSF).
O secretário de Saúde de Ninheira diz que para contratar os profissionais, além de anúncio na internet, tem que procurar faculdades e manter contato com o Conselho Regional de Medicina (CRM). Mesmo assim, enfrenta barreiras para a admissão imediata. “Quando sai um médico do município, demoramos de 30 a 60 dias para conseguir contratar outro. A dificuldade é maior no final de ano, quando vencem os contratos”, diz Laerte.
Formação também sai cara
Na análise do presidente da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), Lincoln Lopes Ferreira, o médico deve ser valorizado. Ele destaca que a formação é longa, sendo necessários seis anos para concluir a graduação e outros quatro para o profissional se tornar especialista. Ferreira argumenta que os salários devem ser elevados na medida em que o investimento na formação do médico é alto. Ele calcula que o valor para formar um médico, durante seis anos de faculdade, é de R$ 600 mil. Se forem considerados os quatro anos de especialização a quantia sobe para R$ 1 milhão. “O nível do salário é compatível com o nível de formação profissional”, compara.
Porém, Ferreira entende que se faltam médicos em algumas cidades o problema não é de dinheiro, mas carência de estrutura. “Para mudar de cidade o médico precisa de um contrato de trabalho adequado, com previsão de multa por rompimento ou atrasos de salário”, entende Ferreira. O representante dos médicos exemplifica dizendo que é comum tudo seguir bem no início, mas em poucos meses a situação muda. “Cai um secretário de Saúde e o médico é demitido ou até muda o prefeito e o novo não renova o contrato”, detalha. De acordo com Ferreira, em algumas cidades são oferecidos salários altos, até três vezes mais do que recebe o prefeito, mas nenhum médico quer trabalhar, pois não sente segurança.
Outro ponto destacado por Ferreira é a escassez de equipamentos. “A medicina é uma profissão que evoluiu muito. A figura do médico com um estetoscópio e o aparelho de pressão resolvendo os problemas deixou de ser ideal há 40 anos”, ressalta. Em Minas Gerais, estado com centenas de cidades pequenas, com menos de 10 mil habitantes, é complicado, na análise de Ferreira, equipar todos os municípios com a tecnologia necessária. “O médico sem infraestrutura de trabalho é um espectador privilegiado do sofrimento humano”, diagnostica Ferreira.
Carreira estadual
Para o presidente da AMMG, muitas cidades têm porte de bairro de cidade grande e fica muito caro montar uma estrutura adequada em todas. A solução, na visão da AMMG, é a regionalização da saúde e a criação de uma carreira estadual para os médicos. “Muitas vezes, os prefeitos tentam transferir para a classe médica uma responsabilidade que não é dela”, defende Ferreira. O último levantamento da Aliança Global para a Força de Trabalho em Saúde, organismo das Nações Unidas, apontou que 455 das 5.560 cidades do Brasil não tem médico .
Fonte: O Estado de Minas
Um dos prefeitos obrigados a conviver com o dilema é Domingos Rivelli Teixeira Nogueira (PTB), da cidade de Brás Pires, município de aproximadamente 5 mil habitantes, na Zona da Mata, a 332 quilômetros de Belo Horizonte. A cidade paga R$ 16.800 mensais para cada um dos dois médicos que a prefeitura tenta manter. “Hoje o quadro está completo. Mas a última contratação foi feita na semana passada. Além disso, o outro profissional que já estava no cargo avisou que sai em junho”, lamenta o prefeito.
Conforme Rivelli, o médico que deixou a cidade na semana passada ficou apenas cinco meses no emprego. “Pode ligar para todos os municípios vizinhos: Catas Altas da Noruega, Lamim, Senador Firmino, Itaverava. Todas têm o mesmo problema”, garante o prefeito. Rivelli afirma que, geralmente, os médicos vão para cidades maiores. “Esse rodízio provoca transtornos. Quando o médico começa a se acostumar com o prontuário do paciente, decide ir embora”.
O prefeito, que pode tentar a reeleição, garante que a luta que trava para manter os médicos é para fornecer tratamento de saúde com mais qualidade e sem deslocamentos para outros municípios. Ele admite, porém, que a falta dos profissionais pode prejudicar nova disputa pelo cargo, em outubro: “Se faltar médico é certo que teremos problemas na campanha”.
A vizinha Piranga, a 169 quilômetros de Belo Horizonte, mantém sete cargos de médico. Os salários são menores: R$ 8.900. Segundo a secretária municipal de Saúde, Ariadne de Fátima Cardoso, o quadro, assim como em Brás Pires, também está completo. “Mas um já avisou que sai nos próximos dias porque passou em um concurso em cidade maior e dois deixaram claro que só ficam até o final do ano”. O médico com menos tempo de casa em Piranga está há apenas dois meses na cidade, que tem aproximadamente 18 mil habitantes. “Muitos alegam, ao ir embora, que a cidade é muito pequena”, conta Ariadne.
A consequência do vaivém de médicos, segundo Ariadne, é o aumento da dependência do município de participar dos consórcios de saúde, sistemas formados por cidades, entres as quais uma de maior porte, que concentra a realização de exames de complexidade mais elevada. Os custos são rateados entre as prefeituras.
Zona Rural Se os pequenos municípios têm dificuldades para contratar médicos para trabalhar em suas sedes, o desafio de encontrar profissionais dispostos a atender na zona rural é maior ainda. Quem paga o pato são os moradores dessas localidades, onde a assistência à saúde é precária. O problema é enfrentado em Bonito de Minas, de 8,8 mil habitantes – distante 603 quilômetros de Belo Horizonte, na Região Norte. Um dos municípios mais pobres do estado, Bonito de Minas tem uma grande extensão territorial: 3,9 mil km quadrados. “Existe localidade distante 150 quilômetros da sede. Para atender num lugar desse, o médico sai da cidade às 8 horas da manhã e só chega ao destino por volta do meio-dia”, relata o prefeito José Raimundo Viana (PR).
Ele conta que, diante dessa situação, tem que se esforçar muito para encontrar médicos dispostos a trabalhar no município. “Pagamos R$ 14 mil para um médico. Por menos disso, nem recém-formado quer vir para a cidade”, diz Viana. “Eles alegam que nos municípios pequenos não podem atender em mais de um local, como acontece nas cidades maiores”, diz o prefeito.
Bonito de Minas tem apenas um centro de saúde e, atualmente, conta com cinco médicos. “Contratamos os médicos por licitação por pregão. O contrato tem validade de um ano”, explica o prefeito. De acordo com Raimundo Viana, os profissionais atendem na sede do município de segunda a sexta-feira e também dão plantão em localidades da zona rural. Dos cinco médicos, dois estão morando no município e três em Januária, a 40 quilômetros de distância.
O prefeito Raimundo Viana disse que os atuais médicos foram contratados na própria região. “Mas tivemos que procurar em Belo Horizonte e Brasília”, relata. Situação semelhante é verificada em Ninheira, de 9,75 mil habitantes, a 780 quilômetros de Belo Horizonte, no extremo norte de Minas. “Por causa da distância dos grandes centros temos que pagar um salário muito alto para contratar médicos. O valor que pagamos é o dobro do salário pago a eles em cidades de porte médio”, diz o secretário municipal de Saúde de Ninheira, Laerte Mateus. Atualmente, a cidade conta com cinco médicos, que recebem R$ 13,5 mil por seis plantões mensais e pelo atendimento no Programa de Saúde da Família (PSF).
O secretário de Saúde de Ninheira diz que para contratar os profissionais, além de anúncio na internet, tem que procurar faculdades e manter contato com o Conselho Regional de Medicina (CRM). Mesmo assim, enfrenta barreiras para a admissão imediata. “Quando sai um médico do município, demoramos de 30 a 60 dias para conseguir contratar outro. A dificuldade é maior no final de ano, quando vencem os contratos”, diz Laerte.
Formação também sai cara
Na análise do presidente da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), Lincoln Lopes Ferreira, o médico deve ser valorizado. Ele destaca que a formação é longa, sendo necessários seis anos para concluir a graduação e outros quatro para o profissional se tornar especialista. Ferreira argumenta que os salários devem ser elevados na medida em que o investimento na formação do médico é alto. Ele calcula que o valor para formar um médico, durante seis anos de faculdade, é de R$ 600 mil. Se forem considerados os quatro anos de especialização a quantia sobe para R$ 1 milhão. “O nível do salário é compatível com o nível de formação profissional”, compara.
Porém, Ferreira entende que se faltam médicos em algumas cidades o problema não é de dinheiro, mas carência de estrutura. “Para mudar de cidade o médico precisa de um contrato de trabalho adequado, com previsão de multa por rompimento ou atrasos de salário”, entende Ferreira. O representante dos médicos exemplifica dizendo que é comum tudo seguir bem no início, mas em poucos meses a situação muda. “Cai um secretário de Saúde e o médico é demitido ou até muda o prefeito e o novo não renova o contrato”, detalha. De acordo com Ferreira, em algumas cidades são oferecidos salários altos, até três vezes mais do que recebe o prefeito, mas nenhum médico quer trabalhar, pois não sente segurança.
Outro ponto destacado por Ferreira é a escassez de equipamentos. “A medicina é uma profissão que evoluiu muito. A figura do médico com um estetoscópio e o aparelho de pressão resolvendo os problemas deixou de ser ideal há 40 anos”, ressalta. Em Minas Gerais, estado com centenas de cidades pequenas, com menos de 10 mil habitantes, é complicado, na análise de Ferreira, equipar todos os municípios com a tecnologia necessária. “O médico sem infraestrutura de trabalho é um espectador privilegiado do sofrimento humano”, diagnostica Ferreira.
Carreira estadual
Para o presidente da AMMG, muitas cidades têm porte de bairro de cidade grande e fica muito caro montar uma estrutura adequada em todas. A solução, na visão da AMMG, é a regionalização da saúde e a criação de uma carreira estadual para os médicos. “Muitas vezes, os prefeitos tentam transferir para a classe médica uma responsabilidade que não é dela”, defende Ferreira. O último levantamento da Aliança Global para a Força de Trabalho em Saúde, organismo das Nações Unidas, apontou que 455 das 5.560 cidades do Brasil não tem médico .
Fonte: O Estado de Minas
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