sábado, 25 de setembro de 2010

VALE TUDO PELO MALOTE DOS CORREIOS.

Em junho, em uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministros e o então presidente dos Correios, Carlos Henrique Custódio, a então chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, afirmou que os Correios enfrentavam uma crise operacional. Para exemplificar o quadro e constranger Custódio, Erenice contou a história de um envelope enviado por Sedex a ela a partir de Santo Antônio de Posse, no interior de São Paulo, para Brasília. Segundo ela, o pacote teria demorado entre quatro e cinco dias para chegar. Lula ficou mais impressionado com a origem do documento do que com a informação da demora do Sedex.

“Santo Antônio de Posse é a terra do Neto (ex-jogador do Corinthians e comentarista de futebol)”, disse Lula. “Mas o que é que você tem lá?” Erenice afirmou: “Meu marido é de lá”. Há pouco tempo, soube-se que o marido de Erenice, o empresário José Roberto Camargo Campos, foi beneficiado por decisões da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e tem cinco empresas de consultoria de telecomunicações e energia em Santo Antônio de Posse, a “cidade do Neto”.

A provocação de Erenice foi considerada parte de uma estratégia para afastar a diretoria dos Correios. No loteamento da administração pública, o setor estava nas mãos do PMDB. Custódio havia sido indicado pelo ex-ministro das Comunicações Hélio Costa e por políticos do partido. Erenice queria derrubar a turma do PMDB e distribuir os cargos para o PT. Pouco tempo após a reunião, o primeiro passo foi dado. Um dos protegidos de Hélio Costa, Marco Antônio Oliveira, foi exonerado da diretoria de Operações, área que mantém contratos bilionários. Três meses depois, surgiram as denúncias de que o filho de Erenice, Israel Guerra, atuou como lobista entre o governo e a MTA, empresa aérea que presta serviços de transporte de carga dos Correios. Era a deflagração da guerra entre PT e PMDB. A mesma que ensaia contaminar a montagem de um eventual governo Dilma Rousseff.

Marco Antônio Oliveira não foi o primeiro diretor dos Correios a perder o emprego por acaso. Sob sua responsabilidade estava um negócio promissor. Tratava-se de substituir as empresas aéreas que prestam serviço para os Correios pela criação de uma nova estatal. A empresa se dedicaria a transportar cargas dos Correios. A justificativa, no argumento de Hélio Costa, é que essa seria a solução para contornar as persistentes falhas nas aeronaves das prestadoras de serviços e, portanto, os atrasos na entrega de correspondências. Nos últimos dez anos, algumas empresas contratadas pelos Correios têm sido investigadas pelo Ministério Público e Polícia Federal por envolvimento em possíveis irregularidades. As empresas são acusadas de conluio para fraudar concorrências e suspeitas de pagar propina para obter contratos com a empresa estatal.

No final de julho, Erenice conseguiu o que queria. Afastou o presidente dos Correios, Carlos Henrique Custódio, e o diretor de Recursos Humanos, Pedro Magalhães, ambos ligados ao PMDB, e nomeou para a diretoria operacional Eduardo Artur Rodrigues. Coronel da reserva da Aeronáutica, Rodrigues foi indicado a Erenice pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula. As demissões e as nomeações feitas por Erenice não passaram pelo crivo do ministro das Comunicações, José Artur Filardi, ex-chefe de Gabinete de Hélio Costa e, em última instância, o chefe dos Correios.

O escanteamento de Filardi reforça a ideia de que a Casa Civil estava disposta a não dividir as decisões relativas aos Correios com o PMDB. Mas Erenice enfrentou resistências. O senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), que havia apadrinhado Marco Antônio Oliveira para o cargo, esteve com Filardi e pediu a nomeação do ex-senador pelo Amapá Jonas Pinheiro Borges. Quintanilha também falou sobre o assunto com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Quintanilha afirma que não indicou ninguém para os Correios. Mas foi um dos quatro senadores a ter audiência com Erenice Guerra durante os cinco meses em que ela esteve à frente da Casa Civil. A insistência do PMDB em permanecer nos Correios chegou ao conhecimento de Lula. “Mas já não tirou o PMDB de lá?”, perguntou o presidente, dando a entender que o PMDB não tinha mais a diretoria de Operações dos Correios.

Antes de ser detonado pela Casa Civil, Marco Antônio levantou para a direção dos Correios a suspeita de que os carros que atendem o colegiado estariam grampeados. O assunto foi discutido numa reunião entre os diretores. No começo de maio, a estatal enviou ofícios à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e à Polícia Federal solicitando os préstimos das duas instituições para apurar “eventual prática de crime contra a administração pública, decorrente de instalação, sem anuência ou s conhecimento prévio da ECT, de dispositivos de rastreamento em veículos usados por dirigentes da ECT”. No final de junho, a Polícia Federal respondeu aos Correios dizendo não haver justa causa para instaurar inquérito policial. A Abin nem respondeu à estatal porque o trabalho não faria parte de suas atribuições.

A confusão causada pelas desconfianças de Marco Antônio tem outra razão. De acordo com Renato Fonseca, responsável pela prestadora de serviço, o que houve foi a instalação de rastreadores nos veículos dos diretores para aferir a quilometragem e a localização dos carros. O contrato entre a locadora e os Correios previa um limite de 2.000 quilômetros por mês somente no Distrito Federal. “O Marco Antônio ia com o carro dos Correios e o motorista até para Juiz Fora”, diz Fonseca. “O carro que ficava à disposição dele excedia em até 5.000 quilômetros a franquia prevista no contrato.”

O substituto de Marco Antônio, coronel Eduardo Artur, apadrinhado de Roberto Teixeira, assumiu o cargo alardeando que compraria 13 aviões por US$ 30 milhões cada um. A criação de uma subsidiária dos Correios de capital misto já havia despertado o interesse de gigantes do setor aéreo. Consórcios estavam sendo organizados por empresas aéreas como a TAM e a Azul, a fabricante Embraer e até multinacionais como a francesa Peugeot, que tem um braço com atuação na área de logística, interessadas em participar da parceria. “Os Correios não têm experiência para cuidar desse negócio”, afirma Respício Espírito Santo, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo (Cepta). “É um equívoco. Certamente vai sair mais caro e pior do que se houvesse uma licitação realizada com correção.” Respício diz que haveria implicações de difícil solução, entre elas a necessidade em manter pilotos e tripulantes de avião, um tipo de mão de obra especializada estranho à estatal. Na semana passada, o coronel Eduardo Artur Rodrigues pediu demissão.

A ânsia de Erenice em controlar os Correios provocou efeitos colaterais há três semanas. Ela perdeu o emprego por causa do envolvimento do filho Israel Guerra nos negócios com a MTA. Entre março e julho, a MTA venceu quatro contratos e hoje é a segunda empresa que mais fatura em transporte de cargas dentro da estatal. Um dos parceiros de Israel Guerra nos negócios seria Vinícius Castro, funcionário da Casa Civil até o escândalo estourar. Castro participou de ao menos duas reuniões relacionadas aos Correios, onde seu tio, Marco Antônio Oliveira, foi diretor de Operações. Vinícius também caiu.

A família de Marco Antônio Oliveira e de Vinícius Castro é de Bicas, cidade mineira próxima a Juiz de Fora. Em abril, quando Hélio Costa já havia deixado o Ministério das Comunicações e fazia pré-campanha para ser governador pelo interior do Estado, visitou Bicas e participou da inauguração de uma agência dos Correios no município. Marco Antônio acompanhou Costa. Os dois chegaram de helicóptero à cidade. Marco Antônio reuniu as principais lideranças da comunidade num almoço oferecido ao aliado. Durante o evento, o ex-ministro considerou como certa a transferência do Centro de Distribuição dos Correios que funciona no Aeroporto Internacional Franco Montoro, em Guarulhos, São Paulo, para o Aeroporto Regional da Zona da Mata. A ideia é atribuída a Marco Antônio e serviria para Costa angariar votos no sul de Minas. Grande parte da coleta e entrega de correspondências está em São Paulo, onde funciona o atual Centro de Distribuição dos Correios.

Em meio às mudanças na direção dos Correios, a área financeira, comandada por Décio Oliveira, apresentou números do desempenho da estatal. O lucro da empresa triplicou nos sete primeiros meses de 2010 na comparação com o mesmo período do ano passado. “Diante desses números, não entendia as mudanças ocorridas na direção dos Correios”, afirma o ex-presidente da estatal Carlos Henrique Custódio. “Somente agora tenho uma compreensão melhor.” As mudanças promovidas por Erenice deveriam fazer com que os Correios voltassem à normalidade. Isso, ao menos por enquanto, está distante. A crise desencadeada pela disputa entre PT e PMDB ainda não acabou. Se está assim no final de um governo, a concorrência entre os dois partidos unidos na corrida eleitoral promete muito mais quando eles tiverem de dividir os milhares de cargos em um eventual governo Dilma Rousseff.

Revista Veja - http://bit.ly/bTBBWC

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