Está aumentando o volume do debate nacional em torno do controle dos recursos públicos direcionados aos gastos bilionários para erguer a infraestrutura necessária à Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Os investimentos estimados giram em torno de R$ 142 bilhões, a preços de hoje.
Na internet já corre piada do tipo "o Brasil não faturou a Copa na África, mas vai superfaturar a de 2014". É uma afirmação maldosa, mas reflete um sentimento que já se generaliza. Há um trauma a respeito. Várias obras para os recentes Jogos Pan-Americanos, no Rio, fizeram o poder público despender volumes de recursos muito mais vultosos do que eram previstos. E até hoje não foram dadas explicações convincentes à sociedade. É lamentável.
Com quase dois anos de atraso (o caso das reformas do Maracanã e de outros estádios), algumas obras da Copa terão agora rito sumário. Isso é que preocupa, em vários sentidos. Em reconhecimento a esse atraso, o presidente Lula assinou, na última segunda-feira, a Medida Provisória nº 495 - e é este texto legal que tem intensificado especulações sobre possibilidades de desvio de dinheiro público.
Por meio dessa medida provisória, o governo alterou vários pontos da Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, que é o principal marco legal das concorrências públicas. Tornaram-se mais brandas as condições para contratação de obras e de serviços, supostamente para dar celeridade aos projetos. No entanto, criou-se a sensação de atos temerários sob o ótica do zelo aos recursos da população.
A mudança na legislação que rege as licitações fora incluída no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2011, aprovado em 15 de julho pelo Congresso, uma semana antes da edição da Medida Provisória 495. Trata-se da concretização do que estava sendo anunciado há algum tempo por meio de balões de ensaio preparados pelo Palácio do Planalto.
O Tribunal de Contas da União passou a causar insatisfação no âmbito governista por apontar irregularidades nas finanças de mais de três dezenas de obras integrantes do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Obras suspeitas foram inauguradas com a presença do presidente da República, principalmente às vésperas de a então ministra Dilma Rousseff se desincompatibilizar do cargo para concorrer às eleições.
As modificações na MP 495 dão ampla margem ao subjetivismo - e, portanto, à arbitrariedade -, nas licitações do poder público. Já no artigo 3º que altera a Lei 8.666, foi criada a cláusula "promoção do desenvolvimento nacional", o que é absolutamente generalista. Tem mil e uma aplicações, a gosto do contratante. Ou nenhuma, em caso de implicância.
Também foi instituída uma condição de preferência para "produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras" - avaliação que levará em conta, entre vários itens, a geração de emprego e renda. Esse, aliás, tem sido o argumento usado pelo para tocar obras do PAC com suspeita de irregularidades. É uma arriscada mistura de valores.
Há um ponto louvável nas mudanças da lei de licitações. É a preferência por empresas que investem em pesquisa e tecnologia no país. Mas isso poderia ser feito sem o ônus da vulnerabilidade do processo licitatório. O preço do bom não deve ser o ruim.
Felizmente, as instituições públicas funcionam no Brasil - umas melhores que outras, é verdade. Tem-se a certeza de que as alterações da Lei 8.666 não enfraquecerão a ação do Tribunal de Contas da União. Ao contrário, deverão intensificá-la.
A Gazeta.
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