José Serra, pré-candidato à Presidência da República por uma frente de partidos que reúne, até agora, PSDB, DEM e PPS, fez um discurso sereno, mas vigoroso; duro, mas não hostil; severo ao marcar diferenças, mas inclusivo ao pregar a união de todos. Ao lema já conhecido — “O Brasil pode mais” —, o pré-candidato tucano juntou um outro, e, tudo indica, ambos serão os pilares de sua candidatura: “O Brasil é um só”.
Os motes
Nem uma coisa nem outra são gratuitas ou fortuitas. Ao afirmar que “o Brasil pode mais”, o tucano reconhece e incorpora os avanços havidos no governo Lula — que ele inclui numa trajetória de conquistas dos últimos 25 anos — e diz ser preciso ir além. Em vez do discurso muito característico do petismo — o da negação —, Serra opta pelo discurso da afirmação. Se os petistas querem o confronto plebiscitário entre duas supostas eras, a de FHC e a de Lula, os tucanos propõem a linha do avanço contínuo, rejeitando a cilada armada pelos adversários. E, evidentemente, fazem muito bem.
Os petistas estão no poder, dominam uma máquina de propaganda como jamais houve no país e têm grande poder para pautar a imprensa e para distorcer passado e presente. Aceitar o “confronto” proposto pelo petismo corresponderia a render-se à mistificação. Um grande jornal noticiava ontem, por exemplo, que Serra, se eleito, não pretende mudar as bases da política econômica: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário… Santo Deus!!! Não são essas as bases que Lula herdou do governo FHC e que ele, Lula, decidiu manter? Notem que, na formulação, o petismo incorpora como conquistas suas o que herdou dos adversários. É contra essa máquina de produzir mentiras que Serra se lança candidato. Não é fácil.
A outro lema, o da união — “O Brasil e um só!” —, também propõe um caminho oposto àquele que Lula e Dilma escolheram nos palanques a que têm subido, contra a lei, é bom deixar claro. Querem jogar os pobres contra os ricos; o Sul-Sudeste contra o Nordeste; o capital contra o trabalho; os de pele branca contra os de pele negra e os mestiços; a “elite” contra o povo; os que estudam contra os que não estudam; ”nós” (que são eles) contra “eles” (que somos nós). Até na metáfora escolhida, em sua bíblia lida de ponta-cabeça, a pré-candidata petista demonstra a disposição de dividir o Brasil: lobos X cordeiros. A propósito: nessa zoologia, Delúbio Soares ou os aloprados são que bicho?
Serra também rejeitou essa armadilha tão simplória quanto perigosa. Vale a pena ler este trecho:
“Ninguém deve esperar que joguemos estados do Norte contra estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural, a indústria contra os serviços, o comércio contra a agricultura, azuis contra vermelhos, amarelos contra verdes. Pode ser engraçado no futebol. Mas não é quando se fala de um País. E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil. Não aceito o raciocínio do ‘nós’ contra ‘eles’. Não cabe na vida de uma Nação. Somos todos irmãos na pátria. Lutamos pela união dos brasileiros e não pela sua divisão. Pode haver uma desavença aqui outra acolá, como em qualquer família. Mas vamos trabalhar somando, agregando. Nunca dividindo. Nunca excluindo. O Brasil tem grandes carências. Não pode perder energia com disputas entre brasileiros.”
Emoção e técnica
O discurso do tucano não deixou de lado a emoção, traduzida na alusão a aspectos de sua vida pessoal, porém sem exageros, como é de seu feitio. A imagem do pai que “carregava caixa de frutas” para que ele pudesse “carregar caixa de livros” remete, sim, a um dado da sua biografia, homenageando, assim, o conjunto dos trabalhadores e lembrando que o Brasil pode ser também uma terra de oportunidades, em que é possível sonhar, crescer e se realizar. Uma mensagem, enfim, de esperança.
Mas, se o Brasil pode mais e se é preciso unir o país para enfrentar dificuldades, elas têm de ser explicitadas, e Serra não se furtou a fazê-lo: os problemas estão dados na saúde; nas carências de infra-estrutura, que são um entrave ao desenvolvimento e a um crescimento maior; na segurança pública; na presença ainda modesta do Brasil no comércio mundial caso se considerem as suas potencialidades; numa política externa que hoje despreza valores fundamentais da dignidade humana; na educação e no saneamento básico.
E o agora pré-candidato lembrou que tem experiência para responder a esses desafios. E esse enfrentamento há de se dar, alertou já nas primeiras linhas do discurso, com o “apreço à democracia representativa, que foi fundamental para chegarmos aonde chegamos. Devemos respeitá-la, defendê-la, fortalecê-la. Jamais afrontá-la.”
Discurso presidencial
No dia 31 de março, quando se despediu do governo de São Paulo, afirmei que Serra havia se mostrado “bastante presidencial”. Tive a mesma impressão neste sábado: parecia muito à vontade, também nos improvisos, para ir à luta. A serenidade do discurso reforça esse aspecto. Se as lideranças que o antecederam puderam — e agiram certo ao fazê-lo — ser mais incisivas no discurso, confrontando diretamente o PT, Lula e sua candidata, cabia a Serra fazer rigorosamente o que fez: demonstrar uma firmeza mais fria, que certamente o expõe menos aos contra-ataques e à impressionante e reconhecida capacidade de Lula de vilipendiar biografias, passado, história, presente, tudo o mais…
Sérgio Guerra, Rodrigo Maia, Roberto Freire, Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves não pouparam críticas diretas ao petismo — em alguns casos, a Lula também. Falavam todos eles, afinal, em nome da militância, dos que precisam ir para a disputa aguerrida. A Serra cumpria ter, como teve, mais frieza, já antevendo um possível momento de “re-união”. Afinal, se eleito, será o presidente de todos os brasileiros, dos petistas também
Todas essas lideranças, incluindo o pré-candidato, defenderam um país em que todos sejam obrigados a cumprir a lei, incluindo o presidente da República. Lula foi multado duas vezes pelo TSE por fazer propaganda eleitoral antecipada. Anteontem, num evento patrocinado pelo PC do B, o petista demonstrou seu inconformismo por ter de se sujeitar a decisões de juízes. Guerra, Maia e Freire, presidentes, respectivamente, do PSDB, do DEM e do PPS, lembraram a constância com que o governo transgride as regras do estado de direito. Não custa observar que, neste sábado, os petistas armaram no ABC um evento com as centrais sindicais, num ato descarado — e ilegal — de apoio à candidatura de Dilma Rousseff.
Foi contra esse Brasil que discursaram os políticos reunidos em Brasília. Os aliados de Serra o fizeram numa temperatura mais elevada; ele obrigou-se, como lhe cabia, a ser mais técnico, porém não menos claro: “No país com que sonho para os meus netos, o melhor caminho para o sucesso e a prosperidade será a matrícula numa boa escola, não a carteirinha de um partido político.”
E há receita para enfrentar os adversários? Esta:
“Às provocações, vamos responder com serenidade; às falanges do ódio que insistem em dividir a nação, vamos responder com nosso trabalho presente e nossa crença no futuro. Vamos responder sempre dizendo a verdade. Aliás, quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário