sábado, 11 de setembro de 2010

O CHEFE. 8º CAPÍTULO.




57 – 9/7/2005 Caem José Genoino, o presidente nacional do PT, e Marcelo


Sereno, o secretário de Comunicação do partido. Sereno é próximo a José Dirceu.

Genoino, homem de Lula, manteve o PT sempre muito próximo do Palácio do Planalto.

Outro petista afastado: José Adalberto Vieira da Silva, o assessor do deputado José

Nobre Guimarães (PT-CE), irmão de Genoino, que ficou famoso pelos dólares

escondidos na cueca.

Lula põe gente do seu primeiro time no PT. O ministro da Educação, Tarso

Genro (PT-RS), desliga-se do governo e assume a presidência do PT. O ministro do

Trabalho, Ricardo Berzoini (PT-SP), vai para a secretaria-geral. O da Saúde, Humberto

Costa (PT-PE), para a secretaria de Comunicação.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Tarso Genro fala de uma “crise de

coerência moral do partido”, com conseqüência “devastadora” para a militância:

– O PT vive a pior crise da sua história.

A revista Veja traça um perfil de Fábio Luiz Lula da Silva, o filho do presidente

Lula. Era um rapaz que dava aulas de informática para ganhar a vida. Sem esforço,

numa ascensão fulminante de pouco mais de um ano, virou dono de uma empresa de R$

5 milhões. A Telemar, a sócia de Lulinha, patrocinou viagens do filho do presidente

para os Estados Unidos, Coréia e Japão.

Veja aponta que Fábio Luiz Lula da Silva se instalou num prédio de escritórios

em São Paulo, no mesmo andar que a agência de publicidade Matisse. A agência era

uma empresa relativamente pequena até conquistar a conta milionária da Secom, do

ministro Luiz Gushiken. Em 2004, segundo ano do governo Lula, a Matisse faturou R$

10,3 milhões, por serviços prestados à administração federal. Explicação do diretor de

Produção da Matisse, Luiz Flávio Guimarães, nervoso por ser questionado sobre o filho

do presidente:

– Foi uma vizinhança meramente casual.

Outra notícia: a Telemar mantém contratos com 40 empresas que produzem

programas de conteúdo para telefones celulares. Uma só é sócia da Telemar: a

Gamecorp, de Lulinha.

Um faturamento de R$ 1,7 bilhão em dois anos e meio de governo Lula. E a

Geap (Fundação de Seguridade Social, de caráter privado) obtém autorização para

prorrogar convênios de assistência e prestação de serviços de saúde, destinados ao

funcionalismo público federal. A entidade funcionaria como um monopólio. A notícia é

do jornal O Estado de S. Paulo. O faturamento bilionário, conseqüência de contratos

sem licitação. A Geap mantém convênios com 28 órgãos federais. Desconta 6% do

salário de 300 mil servidores, em troca de serviços de saúde. A diretora-executiva da

entidade, Regina Ribeiro Parizi, militante do PT, foi nomeada para o cargo por

indicação do ex-ministro José Dirceu (PT-SP).

58 – 10/7/2005 A Folha de S.Paulo publica entrevista com Robert Lobato, extesoureiro

do PT do Maranhão. Ele acusa Delúbio Soares de ter mandado dinheiro

diretamente para contas bancárias de militantes do partido, em vez de depositar em

contas oficiais dos diretórios do PT. Dessa forma, Delúbio evitava prestações de contas

sobre valores movimentados pelo PT. Diz Robert Lobato:

– São comuns depósitos em conta particular de companheiros. Na verdade, trata-

se de um artifício do Campo Majoritário, para ajudar apenas os seus candidatos. Esses

recursos, dessa forma, não passam pelo partido e não constam da prestação de contas

oficial.

O tesoureiro do Maranhão ficou apenas um ano no cargo:

– Saí porque cansei de tanta desfaçatez, dos discursos hipócritas de um partido

que faz pior do que o governo anterior e, mesmo assim, ainda tem o cinismo de afirmar

que está mudando o país. Mudando para quem? Para os Delúbios da vida?

59 – 11/7/2005 O Jornal Nacional, da TV Globo, leva ao ar uma conversa

telefônica gravada pela Polícia Federal. Foi feita em agosto de 2004, quase dez meses

antes de estourar o escândalo do mensalão. A fala é de Maria Auxiliadora de

Vasconcellos, uma auditora fiscal do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Ela

foi presa sob a acusação de integrar uma quadrilha de fraudadores.

Na conversa com outra auditora, Maria Auxiliadora insinua que o então ministro

José Dirceu (PT-SP) e o ex-tesoureiro Delúbio Soares recebiam uma “mensalidade” da

Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). Em troca da propina, haveria um

relaxamento na fiscalização de empresas fluminenses. No diálogo gravado, Maria

Auxiliadora cita o ex-ministro da Previdência do governo Lula, Amir Lando (PMDBRO):

– Chegou às mãos do Almir Lando. Aí foi que ele disse: “Olha, na realidade, o

que acontece é o seguinte: eu, no Rio de Janeiro, não vou mexer, porque eu me

comprometi a não mexer. O Rio tem um contrato com a Firjan.” Ele mesmo abriu o

jogo. “A Firjan dá uma mensalidade, dá não sei o quê, e quem vai buscar é o Delúbio de

Souza, sei lá, Soares, para as empresas não serem fiscalizadas”.

– O Amir Lando é uma pessoa maravilhosa, é uma pessoa acessível, e ele foi

muito claro ao dizer: “No Rio de Janeiro, eu realmente não vou mexer porque eu tenho

compromisso com o José Dirceu”.

O Ministério Público tem três testemunhas do suposto esquema de pagamento de

propina para autoridades do governo federal, por parte da Firjan. Os auditores

receberiam ordens para não multar determinadas empresas. Em um caso investigado,

houve pressão para anular uma multa. Posteriormente, o empresário que tinha sido

autuado obteve o cancelamento da multa, por interferência política.

60 – 12/7/2005 Caem os ministros Luiz Gushiken e Romero Jucá (PMDB-RR),

acusado de desviar dinheiro de um abatedouro de frangos. Gushiken, integrante do

chamado “núcleo duro” de Lula, assegura um cargo na assessoria do presidente. Vai

cuidar de um núcleo de assuntos estratégicos. A Secretaria de Comunicação e a

propaganda do Palácio do Planalto ficam subordinadas, a princípio, à nova ministra da

Casa Civil, Dima Rousseff.

Antes de embarcar para uma viagem à França, Lula aproveita reunião ministerial

para repelir denúncias de favorecimento político à Gamecorp, de Fábio Luiz Lula da

Silva. O presidente está nervoso:

– Estão querendo mexer na minha vida privada. Isso é uma baixaria, um golpe

baixo, um desrespeito. Isso é irracional.

O publicitário André Gustavo Vieira da Silva admite: Delúbio Soares foi

padrinho do casamento dele, em agosto de 2003. Silva é um dos donos da agência

Arcos, contratada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social). Os gastos de publicidade do banco estatal subiram, de 2003 para 2004, de R$

8,2 milhões para R$ 30 milhões.

Silva salienta, porém, que Delúbio não é um amigo. O convite para ser padrinho

de casamento fez parte de uma estratégia para dar visibilidade à Arcos. Deu certo.

Declaração à Folha de S.Paulo:

– Amigo, amigo, ele não é. Ele é uma pessoa conhecida. Amigo é aquele que

freqüenta a sua casa.

Em depoimento à CPI dos Correios, Eduardo Medeiros, o diretor de Tecnologia

dos Correios, nomeado por influência de Silvio Pereira, garante: não sabe nada sobre

cobrança de propina por parte de funcionários da estatal, cuja presidência e seis

diretorias, reconhece, estavam loteadas entre PMDB, PTB e PT.

Medeiros admite, no entanto, ter tomado conhecimento em duas ou três ocasiões

do vazamento de informações acerca de especificações técnicas de licitações dos

Correios. Era “comum”, segundo ele, a visita de deputados aos Correios, acompanhados

de empresários interessados em negócios com a estatal:

– A maioria era do PMDB, naturalmente, porque o ministro, o presidente e três

diretorias eram do PMDB.

Durante o depoimento, surge o caso do empresário Vilmar Martins, da

Metalúrgica Gadotti Martins Carrinhos Industriais. Ele denunciou uma licitação dirigida

e a cobrança de propina no valor de 20% do valor da nota fiscal, que deveria ser paga

em dólares, sendo a metade nas mãos do próprio Medeiros. A chantagem: se o dinheiro

não fosse pago, os Correios não receberiam a mercadoria. Se não recebesse, não haveria

pagamento. Depois de negar conhecer o empresário, Medeiros, pressionado, confessa

ter conversado com Martins, “dois ou três dias” atrás.

Em outro depoimento à CPI dos Correios, Antônio Osório, o ex-diretor de

Administração dos Correios, acusa o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ele teria

pedido dinheiro a diretores da estatal indicados pelo PTB. Queria recursos para o caixa

de campanha do partido, que deveria ser fornecido por empresários que mantinham

contratos com os Correios. Osório se reuniu com Jefferson em mais de 50 ocasiões.

A CGU (Controladoria-Geral da União) divulga relatório preliminar. Apurou 18

irregularidades, em 69 contratos e licitações dos Correios. Um total de R$ 37,5 milhões

em sobrepreços. Prejuízo potencial: R$ 79 milhões.

O jornal O Globo revela: Michelle Janene, filha do deputado José Janene (PPPR),

foi estagiária da corretora Bônus-Banval, autora de saque de R$ 255 mil em conta

bancária da DNA Propaganda, de Marcos Valério. A corretora nega qualquer ligação

com Janene. Ele, por sua vez, nega vínculo com a Bônus-Benval.

A Polícia Federal faz operações sigilosas de busca e apreensão de documentos

nas instalações do Banco Rural em Lagoa Santa (MG) e no Brasília Shopping. Quer

comprovar o que disse José Francisco de Almeida Rego, ex-tesoureiro do banco. Ele

contou como a SMPB remetia dinheiro de Minas Gerais para Brasília.

Segundo ele, os saques se tornaram freqüentes desde o início de 2003, e as

retiradas chegaram a ultrapassar R$ 200 mil por operação realizada. O ex-tesoureiro

recebia ligações da tesouraria da agência Assembléia do Banco Rural, em Belo

Horizonte, onde a SMPB mantinha conta. Eram solicitações para pagamentos em

Brasília. Um fax mencionava os valores e os nomes dos sacadores.

Era responsabilidade do ex-tesoureiro cuidar da liberação de recursos junto ao

Banco Central, e dos detalhes para a entrega. O dinheiro, para não fazer volume, só

vinha em notas de R$ 50 e R$ 100. Era levado para uma sala especial da agência. Lá, as

cédulas eram colocadas em bolsas que os próprios sacadores traziam. Era gente

apressada que ia embora, em geral, sem conferir os valores.

O ex-tesoureiro do Banco Rural relata que Simone Vasconcelos, representante

da SMPB em Belo Horizonte, fazia retiradas na agência do Brasília Shopping. Mas não

levava o dinheiro com ela. Assinava recibos e listava os nomes daqueles que passariam

depois para receber. Na maioria das vezes, eram pacotes de R$ 50 mil ou R$ 100 mil.

As pessoas, por determinação dela, não precisavam se identificar. A Polícia Federal

confirma que localizou documentos comprovando saques em nome da SMPB na

agência em Brasília, mas estranhou a falta de identificação dos sacadores.

61 – 13/7/2005 Mais uma versão para o caso do petista preso com R$ 200 mil

numa maleta e US$ 100 mil na cueca. No início, José Adalberto Vieira da Silva alegou

que era agricultor e o dinheiro, resultado da venda de verduras. Agora, o deputado José

Nobre Guimarães (PT-CE), o chefe de Vieira da Silva, envolve um outro assessor de

seu gabinete, José Vicente Ferreira. Os dois iriam usar o dinheiro para abrir uma

locadora de veículos em Aracati (CE), em sociedade com um terceiro petista, Kennedy

Moura Ramos. Diz o deputado:

– Isso comprova que eu não tenho nada a ver com esse caso, nem o PT e muito

menos o ex-presidente nacional do partido.

Guimarães afirma que tudo foi uma “armação” contra o PT. Manifesta-se

“decepcionado” e “traído” pelo assessor preso. A primeira pessoa que Vieira da Silva

avisou ao ser detido foi Kennedy Moura. Ele é assessor especial da presidência do BNB

(Banco do Nordeste do Brasil). O presidente, Roberto Smith, também pertence às

fileiras do PT. Da mesma forma que Kennedy Moura, assumiu o cargo por suas ligações

com Guimarães.

Amigo de Guimarães, Moura foi seu assessor jurídico. A presidente do PT do

Ceará, Sônia Braga, é ex-mulher dele. Moura é responsável pelas finanças do PT no

Ceará. Foi ele quem avisou Guimarães da prisão do assessor. Moura pede exoneração

dos quadros do BNB.

Em depoimento à CPI dos Bingos, o empresário de jogos Carlos Augusto

Cachoeira, o Carlinhos Cachoeira, ataca Waldomiro Diniz. Segundo ele, o ex-subchefe

da Casa Civil e assessor direto do ex-ministro José Dirceu (PT-SP) pediu propina de R$

100 mil a R$ 300 mil, em troca de favorecimento em licitação. Na época, Waldomiro

presidia a Loterj, a estatal que administra loterias no Rio. Waldomiro teria dito que o

dinheiro era para financiar campanhas eleitorais. Para Carlinhos Cachoeira, Waldomiro

agia sozinho:

– Em todas as conversas, no final, era pedida propina. O Waldomiro dizia:

“Quero 1% do contrato bruto”. Ele sempre pedia dinheiro para campanha. Hoje, tenho

certeza de que esse dinheiro ficava com ele.

Valdirene Dardin, ex-secretária de Finanças do prefeito de Mauá (SP), Oswaldo

Dias (PT), acusa o PT. Segundo ela, houve saque irregular de R$ 230 mil em conta

bancária da Prefeitura. Valdirene alega “práticas abomináveis” e “enjoantes”, com a

finalidade de incriminá-la pelo desaparecimento do dinheiro público.

Ela concede entrevista à Folha de S.Paulo. Segundo Valdirene, não havia em

Mauá a prática de se exigir duas assinaturas para liberar recursos municipais. Só a

assinatura dela já era suficiente. A ex-secretária diz que desconhece o destino do

dinheiro da Prefeitura, sacado por ordem do PT. Eis a definição dela sobre a gestão de

Oswaldo Dias, de 2001 a 2004:

– O escândalo do mensalão e o da cueca milionária parecerão mero conto de

fadas aos olhos da opinião pública.

62 – 14/7/2005 O Jornal Nacional, da TV Globo, noticia que assessores e até

familiares de deputados do PT estiveram no Banco Rural, na agência do Brasília

Shopping, local de pagamento do mensalão. Anita Leocádia Pereira Costa, assessora do

líder do PT na Câmara, deputado Paulo Rocha (PA), foi à agência duas vezes. Reação

do deputado Rocha: a funcionária foi fazer consulta médica em uma clínica neurológica,

que também funciona no prédio.

Márcia Milanésio Cunha, casada com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP),

esteve no Banco Rural três vezes. Reação de Cunha, divulgada em nota: a mulher esteve

na agência para resolver um problema relativo ao pagamento de uma conta de televisão

a cabo.

O presidente do PT na Bahia, deputado Josias Gomes, foi pessoalmente ao

Banco Rural. Explicação dele:

– Como havia almoçado no shopping, fui ao banco pedir uma informação. Não

fiz saques.

Os três mentiram.

Azeda de vez o caso do assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), o

irmão de José Genoino, preso com R$ 200 mil numa maleta e US$ 100 mil na cueca. A

matéria vai ao ar pelo Jornal Nacional, da TV Globo. Kennedy Moura, o petista

afastado do BNB (Banco do Nordeste do Brasil) em razão do escândalo, não gostou de

ser envolvido na história por Guimarães. Não engoliu a versão do dinheiro para a

locadora de carros no interior do Ceará. A entrevista ao JN:

– Não sei que rancores fizeram com que o deputado me fizesse uma vinculação a

uma empresa que nunca ouvi falar.

Moura vai além. Relata a conversa com Guimarães, padrinho de seu casamento,

quando ele lhe pediu para assumir que era o dono do dinheiro, uma “proposta

indecente”:

– Ele falou que o Adalberto tinha que ser protegido por questões de Estado.

Moura também descreve o diálogo com Guimarães, quando contou a prisão de

José Adalberto Vieira da Silva:

– Perguntou se ele tinha falado alguma coisa. Disse que não sabia. Ele disse:

“Graças a Deus”.

Outra contradição: José Vicente Ferreira, o outro assessor de Guimarães também

apontado como participante do negócio da locadora, havia dado entrevista ao jornal O

Povo, do Ceará. Disse que emprestou um cheque a Vieira da Silva, seu amigo, para que

pudesse comprar uma passagem aérea ao Recife. Ferreira não sabia da viagem a São

Paulo. Muito menos de locadora.

O Ministério Público investiga a hipótese de Vieira da Silva ter sido um

emissário de Moura em São Paulo. A finalidade da viagem, buscar dinheiro de propina

repassado por empresários que mantêm negócios com o BNB. No dia anterior à prisão,

Vieira da Silva teria se deslocado até o escritório de José de Freitas, empresário do setor

de construção civil e diretor do Grupo Cavan.

A outra linha de investigação do Ministério Público, mais apimentada: Vieira da

Silva seria uma das “mulas” usadas para transportar R$ 20 milhões guardados no cofre

do PT em São Paulo. Com o escândalo do mensalão, o dinheiro estaria sendo desovado

para gente de confiança, numa operação coordenada pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares.

A polícia de Minas Gerais apreende 2 mil notas fiscais da DNA Propaganda. Os

documentos estavam em 12 caixas de papelão, na casa do ex-policial Marco Túlio Prata,

em Contagem (MG). Ele é irmão do contador da agência, Marco Aurélio Prata. Na casa

são localizados dois tambores de lata, com notas carbonizadas.

Entre as notas fiscais queimadas, provavelmente documentos frios, a polícia

encontra recibos da DNA, atestando supostos serviços de empresas terceirizadas,

prestados ao Banco do Brasil, Eletrobrás e Ministérios do Trabalho e do Esporte.

Policiais também encontram documentos carbonizados, onde ainda se consegue

ler o nome da DNA. Estavam numa rua de terra, sem movimento, bem perto da casa do

irmão do contador de Marcos Valério. A papelada queimada encheu cinco sacos.

Cai o diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, Henrique

Pizzolato. Ligado ao ex-ministro Luiz Gushiken, morou com ele num mesmo

apartamento em Brasília. Na campanha de Lula, Pizzolato, militante do PT há 20 anos,

trabalhou com Delúbio Soares para captar recursos.

Ele mantinha relações próximas com o ministro do Planejamento, Paulo

Bernardo (PT-PR), e é amigo de Ricardo Berzoini (PT-SP), o ex-ministro do Trabalho

que virou secretário-geral do PT. Pizzolato é desligado da presidência do conselho

deliberativo da Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil.

No governo Lula, ocupou o posto estratégico de responsável pelos gastos de

propaganda do Banco do Brasil. Foram R$ 153 milhões em 2003, R$ 262 milhões em

2004. Afastado Pizzolato, o Banco do Brasil rescinde a conta de publicidade com a

DNA de Marcos Valério. Pizzolato também era amigo de Valério.

O ex-diretor de marketing ficou conhecido pelo envolvimento no episódio dos

R$ 70 mil que o Banco do Brasil deu a um show de arrecadação de fundos, com

objetivo de comprar uma sede nova para o PT. Com a divulgação da história, o dinheiro

teve de ser devolvido. Ele também foi responsável por um evento artístico suspeito do

governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, que consumiu R$ 2,5 milhões.

Em entrevista à Rádio Bandeirantes, em Porto Alegre, o presidente do PT do Rio

Grande do Sul, David Stival, admite: o PT gaúcho tem recorrido ao uso de caixa 2 nas

disputas eleitorais, e a arrecadação de recursos para as campanhas não vem sendo

declarada à Justiça Eleitoral. As contribuições chegam em dinheiro, mas não há uma

emissão de recibos correspondente. Diz Stival:

– Se for para provar qualquer coisa, não provo nem sob tortura. Não há prova,

isso é feito ‘pf’ (por fora) mesmo.

A base governista impede que a CPI dos Correios quebre os sigilos bancário,

fiscal e telefônico de José Dirceu (PT-SP), José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira

e Mauro Dutra, o empresário amigo de Lula. O Palácio do Planalto também consegue

bloquear a convocação de Luiz Gushiken para depor na comissão.

63 – 15/7/2005 Uma operação orquestrada. Marcos Valério vem a público e, por

meio de nota, nega mais uma vez a existência do mensalão e explica que, “em atenção a

pedidos de Delúbio Soares”, “contraiu vários empréstimos bancários em nome das

agências de publicidade SMPB e DNA, no período de 2003 a 2005”.

A nota, uma estratégia de defesa, diz que o dinheiro, “a título de empréstimos”,

foi depositado “na rede bancária para pessoas indicadas pelo então secretário de

Finanças do PT, senhor Delúbio Soares”. Em seguida, o empresário menciona que o

dinheiro, segundo Delúbio, servia para “saldar dívidas relacionadas a campanhas

eleitorais”.

O reconhecimento de que Valério participou de um esquema para financiar o PT

é manchete dos principais jornais do país. Poucos se dão conta da manobra: desviar as

investigações do pagamento de propina. Em vez do mensalão, ou seja, do dinheiro

entregue a parlamentares da base aliada do governo, um crime grave de corrupção, a

estratégia é fazer crer que o dinheiro foi repassado para pagar dívidas de campanha. Um

simples crime eleitoral.

Em entrevista ao Jornal Nacional, Valério não fornece nomes, valores, número

de operações bancárias, nem formas de ressarcimento do que teria sido emprestado ao

PT. Nega a existência de malas para pagamento de grandes somas e de favorecimentos

às suas empresas por parte de funcionários do governo.

A Folha de S.Paulo publica detalhes de alguns depoimentos secretos prestados à

Corregedoria da Câmara dos Deputados. A reportagem conseguiu ler transcrições em

notas taquigráficas. Num deles, José Genoino admite que Silvio Pereira usava mesmo

uma sala do Ministério da Casa Civil, no Palácio do Planalto, para discutir a divisão de

cargos federais entre os partidos da base aliada. Declaração de Genoino:

 – Ele conversava com os demais partidos e era o encarregado quando tinha

conflitos. E tinha muitos conflitos com os partidos da base aliada. Ele fazia isso ou na

sede do PT ou na liderança. Ou então na sala de reuniões ordinárias da Casa Civil.

Outro depoimento, de Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, afirma

que Marcos Valério foi designado pelo PT para obter de empresários R$ 20 milhões que

seriam repassados ao PTB, nas eleições de 2004. O acerto foi feito em reuniões das

quais participaram Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Marcelo Sereno, Roberto

Jefferson (PTB-RJ) e ele próprio, Palmieri.

O tesoureiro também contou detalhes dos R$ 4 milhões entregues por Valério.

Foram dois pagamentos. O dinheiro chegou em duas malas “de rodinhas”, em notas de

R$ 50, na maioria, e umas “poucas notas de R$ 100”.

O jornal Correio Braziliense traz a história do apartamento de Henrique

Pizzolato. O diretor de marketing, afastado do Banco do Brasil, comprou um imóvel de

160 metros quadrados, por R$ 400 mil, num dos endereços mais valorizados do Rio de

Janeiro, a uma quadra da praia de Copacabana.

Detalhe: na manhã desse mesmo dia, um grupo de auditores da Previ, o fundo de

pensão do Banco do Brasil, tomou o depoimento do mensageiro Luiz Eduardo Ferreira

da Silva. Ele conta que em 15 de janeiro de 2004, cerca de um mês antes da compra do

apartamento em Copacabana, sacou R$ 326 mil de uma conta da DNA Propaganda,

numa agência do Banco Rural localizada no centro do Rio. Ele levou o pacote de

dinheiro para Pizzolato.

O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), desabafa

durante uma entrevista em Curitiba:

– Nunca imaginei que houvesse algo nesse sentido no país, independentemente

de governo. Não significa que não possa ter existido em outros governos, mas na minha

ótica pensei que, apesar de tudo o que se diz, nosso país não tivesse tantos tropeços no

entrelaçamento entre a administração, políticos e empresas.

64 – 16/7/2005 Depois de Marcos Valério, a vez de Delúbio Soares apresentar a

versão de que nunca houve o esquema do mensalão, ou seja, os pagamentos de propina

a parlamentares, em troca de apoio ao governo no Congresso Nacional. O que houve,

simples assim, foram repasses para a quitação de dívidas de campanha, por meio de

caixa 2. Para apresentar a versão, Delúbio foi de forma espontânea ao novo procurador-

geral da República, Antonio Fernando de Souza.

O depoimento vaza em seguida para a imprensa. Faz parte da estratégia. Os

jornais dão destaque. Delúbio procurou usar o procurador-geral para dar um recado: o

PT recebeu cerca de R$ 40 milhões em empréstimos. De maneira nenhuma, assegura o

tesoureiro, o dinheiro é fruto do desvio de verbas públicas, ou teve origem no

superfaturamento de contratos com empresas estatais. E mais, importante: os milhões,

conforme frisara Valério, foram usados para acertar despesas de campanhas eleitorais,

tão-somente.

A revista Veja não deixa por menos. A reportagem de capa, “Mensalão – quando

e como Lula foi alertado”, descreve cinco situações nas quais informações sobre o

esquema de pagamento de propina chegaram aos ouvidos do presidente. A primeira vez,

em 25 de fevereiro de 2004, por meio do deputado Miro Teixeira (PT-RJ). O episódio

ocorreu duas semanas após a queda de Wadomiro Diniz.

Escreve o repórter Otávio Cabral: “Waldomiro Diniz, na condição de braço-

direito de José Dirceu, era quem cuidava da relação do governo com o Congresso e,

com sua demissão, os credores do mensalão entraram em polvorosa. Miro Teixeira, que

havia apenas três semanas assumira a liderança do governo na Câmara, começou a ser

procurado pela tropa interessada em saber como seria paga a mesada dali em diante. O

deputado ficou estupefato. Não sabia o que era mensalão. Entre os dias 17 e 19 de

fevereiro, Miro Teixeira recebeu várias sondagens. Numa delas, na manhã do dia 17, a

pressão veio em comitiva. Eram três deputados juntos, querendo saber do futuro

financeiro: Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Sandro Mabel, líder do PL, e Pedro

Henry do PP”.

Miro Teixeira conversou reservadamente com o presidente. Disse que deixaria o

cargo por causa do mensalão. Veja relata:

“Lula demonstrou surpresa, disse que nunca ouvira falar naquilo e prometeu

conversar com o então ministro José Dirceu para apurar a denúncia – mas não voltou a

tocar no assunto. No dia 31 de março, Miro voltou ao Palácio do Planalto e, diante do

fato de que nada fora feito a respeito do mensalão, pediu para deixar a liderança. Saiu

no dia 6 de abril, sendo substituído pelo Professor Luizinho.”

O segundo aviso ao presidente, em 5 de maio de 2004. Quem deu foi o

governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). O Planalto, em comunicado, deu a

seguinte explicação à revista: Lula não se recorda de ter ouvido nenhum comentário de

Perillo sobre o assunto.

O governador, no entanto, chegou a ilustrar a conversa com o presidente

mencionando os casos de dois deputados de Goiás. Um deles virou escândalo. É o da

deputada Raquel Teixeira (PSDB), a quem o deputado Sandro Mabel (PL) teria

oferecido dinheiro para que se mudasse para o PL. Sobre o outro, o governador não deu

detalhes. Veja justifica o motivo: o deputado Enio Tatico, do PSC, aceitou a proposta e

se transferiu para o PL. Tatico tem uma justificativa para a mudança:

– Mudei de partido porque o líder do PL é de Goiás e é meu amigo. Não recebi

proposta.

O terceiro episódio. O próprio Lula aborda o assunto, durante viagem oficial à

China. Aconteceu em 25 de maio de 2004. Durante um jantar, Lula perguntou ao

deputado Paulo Rocha (PT-PA) se ele já ouvira falar sobre o pagamento de mesadas a

deputados. Rocha nega ter havido a pergunta, mas dez deputados estavam na mesa do

jantar. Três deles confirmaram a veracidade da conversa.

Nos outros dois casos, o aviso foi dado pelo deputado Roberto Jefferson (PTBRJ).

No primeiro deles, em 5 de janeiro de 2005, o ministro Walfrido Mares Guia (PTBMG)

testemunhou a conversa. No segundo, em 23 de março de 2005, parte da alta

cúpula do governo estava presente, no gabinete de Lula no Palácio do Planalto: José

Dirceu (PT-SP), ministro da Casa Civil; Aldo Rebelo (PC do B-SP), ministro das

Relações Institucionais; Walfrido Mares Guia, do Turismo; Gilberto Carvalho, chefe de

gabinete do presidente; Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara; e o

deputado José Múcio (PTB-PE). A revista conclui:

“Se soube do assunto e não tomou providências, Lula pode ser acusado de crime

de responsabilidade, previsto nos artigos 84 e 85 da Constituição e, também, na Lei nº

1079, editada em 1950, conhecida como Lei do Impeachment. Pela lei, o presidente, se

soube do mensalão, tinha de ter mandado apurar. ‘Se o presidente teve ciência disso,

caracteriza-se uma omissão, que é um caso típico de crime de responsabilidade’, afirma

o jurista Miguel Reale Júnior, que redigiu a petição que resultou no impeachment de

Fernando Collor, em 1992.”

65 – 17/7/2005 A oposição vai para cima. Acusa o governo de engendrar uma

nova Operação Uruguai, em alusão ao esquema simulado pelos aliados do ex-presidente

Fernando Collor, em 1992, para explicar a origem do dinheiro que financiava gastos do

ex-presidente. Na época, um empréstimo de US$ 3,7 milhões foi forjado para justificar

despesas de Collor. O presidente acabou afastado do cargo, depois de um processo de

impeachment. Agora, a farsa contábil é a série de operações de crédito de Marcos

Valério. Serviria para esquentar dinheiro de caixa 2 oriundo de fontes ilegais, usado

para fazer acertos com políticos da base aliada.

Um perfil de Marcelo Sereno, ex-secretário de Comunicação do PT e ex-chefe

de gabinete de José Dirceu (PT-SP), de quem também foi assessor especial, é publicado

pela Folha de S.Paulo. Para ilustrar a reportagem, a fotografia de um prédio de alto

padrão na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em cuja cobertura mora Sereno. É

atribuída a ele, ainda, a compra, em março de 2005, de um outro apartamento no Rio, no

valor de R$ 700 mil.

Sereno é acusado de “manipular” o Nucleos, fundo de pensão das estatais de

energia nuclear. O objetivo, levar dinheiro para as campanhas eleitorais do PT. Os

repórteres Elvira Lobato e Leonardo Souza ouvem o petista Neildo de Souza Jorge,

integrante do conselho deliberativo do Nucleos. Ele denuncia operações financeiras

supostamente lesivas aos fundos de pensão:

– A grande mutreta é que eles compravam títulos públicos e depois vendiam

com deságio para corretoras. Estas faturavam a corretagem e parte desse dinheiro, pelo

que sabemos agora, iria para mensalões, caixas de campanha. A maior rombeira era

isso.

O jornal O Estado de S. Paulo traz uma lista com os nomes de 22 deputados do

PP. Testemunha cuja identidade vem sendo mantida em segredo aponta-os como

destinatários de mensalões, distribuídos a mando do líder do partido, deputado José

Janene (PR).

Os operadores do esquema seriam João Cláudio Carvalho Genu, chefe de

gabinete de Janene, e o deputado João Pizzolatti (PP-SC). Os locais de entrega da

propina: o apartamento de Janene, em Brasília, e uma sala da comissão de Minas e

Energia, dentro da Câmara dos Deputados. Segundo a denúncia, Pizzolatti circulava

com o dinheiro dentro de malas, nos corredores da Câmara, protegido por funcionários

da área de segurança.

A CPI dos Correios compromete-se a investigar as atividades de Paulo Roberto

Costa, apadrinhado do PP e diretor de Abastecimento da Petrobrás. A testemunha

sigilosa o acusa de exercer papel importante na irrigação financeira do esquema.

Em surpreendente entrevista concedida na França e exibida no programa

Fantástico, da Rede Globo, Lula faz coro às recentes versões sobre a crise política, que

foram manifestadas por Delúbio Soares e Marcos Valério. Assim, fecha a manobra que

procura convencer a sociedade brasileira: houve “erros”, sim, mas apenas decorrentes

de empréstimos e operações de crédito, usados para pagar dívidas de campanha, por

meio de caixa 2. A versão oficial insiste em minimizar tudo à manipulação de verbas

não-declaradas.

Lula contribui para reduzir o problema. Exime-se de qualquer ato indevido, pois

“já faz tempo que eu deixei de ser presidente do PT”. Para ele, “o PT tem que explicar à

sociedade brasileira que erros cometeu”: 

– O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil,

sistematicamente. Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam

fazendo, porque o PT tem na ética uma das suas marcas mais extraordinárias. E não é

por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está

envolvido em corrupção.

O jornal O Estado de S. Paulo comenta as declarações do presidente no editorial

“Lula endossa a farsa”. Para o jornal, o presidente está associado a uma “armação”.

Concedeu uma entrevista na qual “tinha absoluto controle” das perguntas, para se dirigir

aos brasileiros. Conclusão do editorial:

“A hipótese mais plausível é a de que ele aceitou ser ‘poupado dos detalhes’. Se

um governante precisa se esforçar para saber o que os seus colaboradores não querem

que saiba, que dirá então quando dá a impressão de que não quer saber. No caso de

Lula, a única dúvida é se agiu assim para se proteger ou por autêntico desinteresse em

conhecer como funcionam as coisas no seu governo.”

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