Os amigos que acompanham nosso blog e nos honram com a leitura dos nossos textos, sabem que ao iniciar minha vida profissional como médico, o município de Atílio Vivácqua no sul do Esp. Santo era desprovido da mínima estrutura para assistência à saúde da população.
Meu contrato, hoje custo a acreditar que aceitei, com a Prefeitura, me obrigava a atender em casa ou no consultório, a qualquer hora de qualquer dia os pacientes que me procurassem, permitindo que eu cobrasse as visitas na casa no paciente. Improvisei um pequeno pronto-socorro na garagem da minha casa e ali exercia minha atividade. Qualquer doença que necessitasse de observação mais prolongada ou uma internação, me obrigava a encaminhar o doente para Cachoeiro de Itapemirim, o que me deixava bastante aborrecido, pois grande parte delas eu poderia resolver ali mesmo.
Pensando nisso, aluguei uma casa espaçosa e a transformei numa clinica, dois quartos com dois leitos cada, consultório, sala para as urgências, sala de curativo e uma recepção era tudo o que dispunha, mas muito melhor do que o acanhado pronto-socorro da minha garagem. Estávamos no inicio dos anos 80 e eu fazia os partos de minhas pacientes na Casa de Saúde São Pedro em Cachoeiro de Itapemirim.
Foi então que resolvi aproveitar a ampla varanda da clinica, dividi-la e transformar uma parte numa sala de partos, imaginando realizar ali os partos normais deixando os de maior risco e as cesareanas para a Casa de Saúde. Duas técnicas de enfermagem treinadas por mim, uma recepcionista e uma faxineira dividiam comigo as atividades de nossa clinica, estava feliz da vida. Nos partos, depois que eu mesmo aspirava os bebês, uma delas se encarregava dele enquanto a outra permanecia comigo e a parturiente.
Tudo corria muito bem, já tinha feito dezenas de partos, quando a Selma apareceu no consultório, nora de um Coronel reformado , muito respeitado na cidade e grande amigo. Dois anos antes eu tinha feito em Cachoeiro o parto da primeira filha da Selma e agora, grávida novamente me procurou para um novo pré-natal, foi logo dizendo que queria que também eu fosse o médico do seu segundo filho. Assim o fizemos, quando chegou ao sexto mês, achei que estava na hora de combinarmos como e onde seria o parto.
-Selma, sua gravidez já está bem adiantada e eu queria combinar em fazer o seu parto novamente na Casa de Saúde em Cachoeiro, lá você terá mais conforto e segurança, inclusive com pediatra para acompanhar a criança.
-Não Dr. Marco, retrucou, já que o Sr tem uma sala de parto aqui na clinica, faço questão de que seja aqui. Meu primeiro parto foi normal, não tivemos nenhum tipo de problema e com certeza no segundo também tudo irá correr bem.
De nada adiantou meus argumentos, a Selma estava decidida e acabou me convencendo. O pré-natal correu todo sem nenhum tipo de problema e num sábado pela manhã fui chamado, tinha sentido dores a noite toda, esperou amanhecer o dia, não queria me incomodar, foram suas palavras. Fiz um pequeno exame e constatei que ela já estava com 5 cm de dilatação, encaminhei-a para a clinica, acionei as técnicas de enfermagem e nos preparamos para o parto. Rapidamente o trabalho de parto evoluiu e quando seu colo já estava com 8 cm de dilatação, levei-a para a sala de parto. Tudo preparado, soro na veia, equipamentos prontos, mesa para o bebê pronta, enfim era só esperar a evolução natural, a família ansiosa esperava na pequena recepção da clinica.
Tudo evoluiu bem, nasceu uma bela menina que após ser aspirada e umas duas palmadinhas chorou vigorosamente para alivio de todos nós, enquanto uma das técnicas se encarregava dela e a levava para o quarto e para a família, me preparei para os últimos procedimentos com a Selma.
Esperei pacientemente por alguns minutos que a placenta descolasse, retirei-a cuidadosamente e então começou o meu suplício.
Fui surpreendido com um grande sangramento, após aplicar as injeções para que o útero contraísse, comecei inspecionar o canal vaginal e o colo do útero a procura de alguma laceração que justificasse tal sangramento, não consigo ver nada tal o volume de sangue, mal colocava uma compressa e rapidamente era encharcada de sangue. Mandei pegar outra veia no outro braço e colocar mais soro, ao mesmo tempo que massageava o útero a espera de sua contração, apliquei mais injeções e nada, o útero não respondia e um calafrio me percorreu todo o corpo ao constatar que estava diante de uma atonia uterina, ou seja, o útero continuava relaxado o que fazia com que os vasos sanguíneos continuassem abertos e sangrando abundantemente.
A técnica de enfermagem me alertou que a pressão estava caindo, de uma pressão inicial de 120 X 80, já estava em 90 X 60, olhei para a Selma e percebi que ela estava ficando pálida. Desesperado tentava comprimir o útero colocando compressas no canal vaginal, apliquei mais injeções, insistia massageando seu abdômen e nada, a hemorragia não parava. O que fazer? Colocá-la no carro, sair correndo para Cachoeiro, tentar chegar à Casa de Saúde? Corria o risco de perdê-la no caminho, poderia chegar morta ou num estado de choque tal que não seria possível reverter o quadro. Permanecer tentando estancar a hemorragia? Já tinha tentado todos os procedimentos possíveis sem sucesso, se não parasse fatalmente entraria em choque e morreria ali. Como explicar a família? Uma atonia uterina é grave em qualquer lugar, inclusive em hospitais com todo o recurso. A família entenderia?
-Dr a pressão está 80 X 50, me falou a apavorada técnica enquanto eu procurava aparentar uma tranqüilidade que absolutamente não existia. Meu Deus, por favor me ajude, não permita que eu passe por isso, prometo nunca mais fazer um parto aqui, foi meu apelo desesperado, continuo tentando comprimir o útero sem sucesso, o balde já estava cheio de compressas encharcadas de sangue, estava completamente apavorado quando subitamente o sangramento parou, olhei para a barriga da Selma e lá estava o útero contraído, que visão maravilhosa.
Respirei fundo, as pernas tremiam, limpei o canal vaginal e constatei que o colo do útero estava perfeito, nenhuma lesão. A pressão começou a aumentar e quando atingiu o nível de 110 X 70, encaminhei a pálida Selma para o quarto e para a preocupada família que não entendia o porque de tanta demora.
Tranquei-me na sala de parto e por duas horas ali permaneci, calado, pensando, chorando. Como o sangramento parou? “A MÃO DE DEUS”.
Promessa feita, promessa cumprida, uma semana depois acabei com a sala de parto e nunca mais nenhuma criança nasceu onde eu e a Selma renascemos. Recentemente recebi a visita das duas filhas da Selma que vieram trazer seus filhinhos para eu conhecer. Não contive as lágrimas.
Meu contrato, hoje custo a acreditar que aceitei, com a Prefeitura, me obrigava a atender em casa ou no consultório, a qualquer hora de qualquer dia os pacientes que me procurassem, permitindo que eu cobrasse as visitas na casa no paciente. Improvisei um pequeno pronto-socorro na garagem da minha casa e ali exercia minha atividade. Qualquer doença que necessitasse de observação mais prolongada ou uma internação, me obrigava a encaminhar o doente para Cachoeiro de Itapemirim, o que me deixava bastante aborrecido, pois grande parte delas eu poderia resolver ali mesmo.
Pensando nisso, aluguei uma casa espaçosa e a transformei numa clinica, dois quartos com dois leitos cada, consultório, sala para as urgências, sala de curativo e uma recepção era tudo o que dispunha, mas muito melhor do que o acanhado pronto-socorro da minha garagem. Estávamos no inicio dos anos 80 e eu fazia os partos de minhas pacientes na Casa de Saúde São Pedro em Cachoeiro de Itapemirim.
Foi então que resolvi aproveitar a ampla varanda da clinica, dividi-la e transformar uma parte numa sala de partos, imaginando realizar ali os partos normais deixando os de maior risco e as cesareanas para a Casa de Saúde. Duas técnicas de enfermagem treinadas por mim, uma recepcionista e uma faxineira dividiam comigo as atividades de nossa clinica, estava feliz da vida. Nos partos, depois que eu mesmo aspirava os bebês, uma delas se encarregava dele enquanto a outra permanecia comigo e a parturiente.
Tudo corria muito bem, já tinha feito dezenas de partos, quando a Selma apareceu no consultório, nora de um Coronel reformado , muito respeitado na cidade e grande amigo. Dois anos antes eu tinha feito em Cachoeiro o parto da primeira filha da Selma e agora, grávida novamente me procurou para um novo pré-natal, foi logo dizendo que queria que também eu fosse o médico do seu segundo filho. Assim o fizemos, quando chegou ao sexto mês, achei que estava na hora de combinarmos como e onde seria o parto.
-Selma, sua gravidez já está bem adiantada e eu queria combinar em fazer o seu parto novamente na Casa de Saúde em Cachoeiro, lá você terá mais conforto e segurança, inclusive com pediatra para acompanhar a criança.
-Não Dr. Marco, retrucou, já que o Sr tem uma sala de parto aqui na clinica, faço questão de que seja aqui. Meu primeiro parto foi normal, não tivemos nenhum tipo de problema e com certeza no segundo também tudo irá correr bem.
De nada adiantou meus argumentos, a Selma estava decidida e acabou me convencendo. O pré-natal correu todo sem nenhum tipo de problema e num sábado pela manhã fui chamado, tinha sentido dores a noite toda, esperou amanhecer o dia, não queria me incomodar, foram suas palavras. Fiz um pequeno exame e constatei que ela já estava com 5 cm de dilatação, encaminhei-a para a clinica, acionei as técnicas de enfermagem e nos preparamos para o parto. Rapidamente o trabalho de parto evoluiu e quando seu colo já estava com 8 cm de dilatação, levei-a para a sala de parto. Tudo preparado, soro na veia, equipamentos prontos, mesa para o bebê pronta, enfim era só esperar a evolução natural, a família ansiosa esperava na pequena recepção da clinica.
Tudo evoluiu bem, nasceu uma bela menina que após ser aspirada e umas duas palmadinhas chorou vigorosamente para alivio de todos nós, enquanto uma das técnicas se encarregava dela e a levava para o quarto e para a família, me preparei para os últimos procedimentos com a Selma.
Esperei pacientemente por alguns minutos que a placenta descolasse, retirei-a cuidadosamente e então começou o meu suplício.
Fui surpreendido com um grande sangramento, após aplicar as injeções para que o útero contraísse, comecei inspecionar o canal vaginal e o colo do útero a procura de alguma laceração que justificasse tal sangramento, não consigo ver nada tal o volume de sangue, mal colocava uma compressa e rapidamente era encharcada de sangue. Mandei pegar outra veia no outro braço e colocar mais soro, ao mesmo tempo que massageava o útero a espera de sua contração, apliquei mais injeções e nada, o útero não respondia e um calafrio me percorreu todo o corpo ao constatar que estava diante de uma atonia uterina, ou seja, o útero continuava relaxado o que fazia com que os vasos sanguíneos continuassem abertos e sangrando abundantemente.
A técnica de enfermagem me alertou que a pressão estava caindo, de uma pressão inicial de 120 X 80, já estava em 90 X 60, olhei para a Selma e percebi que ela estava ficando pálida. Desesperado tentava comprimir o útero colocando compressas no canal vaginal, apliquei mais injeções, insistia massageando seu abdômen e nada, a hemorragia não parava. O que fazer? Colocá-la no carro, sair correndo para Cachoeiro, tentar chegar à Casa de Saúde? Corria o risco de perdê-la no caminho, poderia chegar morta ou num estado de choque tal que não seria possível reverter o quadro. Permanecer tentando estancar a hemorragia? Já tinha tentado todos os procedimentos possíveis sem sucesso, se não parasse fatalmente entraria em choque e morreria ali. Como explicar a família? Uma atonia uterina é grave em qualquer lugar, inclusive em hospitais com todo o recurso. A família entenderia?
-Dr a pressão está 80 X 50, me falou a apavorada técnica enquanto eu procurava aparentar uma tranqüilidade que absolutamente não existia. Meu Deus, por favor me ajude, não permita que eu passe por isso, prometo nunca mais fazer um parto aqui, foi meu apelo desesperado, continuo tentando comprimir o útero sem sucesso, o balde já estava cheio de compressas encharcadas de sangue, estava completamente apavorado quando subitamente o sangramento parou, olhei para a barriga da Selma e lá estava o útero contraído, que visão maravilhosa.
Respirei fundo, as pernas tremiam, limpei o canal vaginal e constatei que o colo do útero estava perfeito, nenhuma lesão. A pressão começou a aumentar e quando atingiu o nível de 110 X 70, encaminhei a pálida Selma para o quarto e para a preocupada família que não entendia o porque de tanta demora.
Tranquei-me na sala de parto e por duas horas ali permaneci, calado, pensando, chorando. Como o sangramento parou? “A MÃO DE DEUS”.
Promessa feita, promessa cumprida, uma semana depois acabei com a sala de parto e nunca mais nenhuma criança nasceu onde eu e a Selma renascemos. Recentemente recebi a visita das duas filhas da Selma que vieram trazer seus filhinhos para eu conhecer. Não contive as lágrimas.
Qando confiamos, meu amigo, Deus não nos deixa na mão. Ele é Pai e conhece o seu coração. Abs opcao_zili
ResponderExcluirRealmente quando usamos o coração para ajudar o nosso semelhante, a mão de Deus está sempre presente. Fique sempre com Deus.
ResponderExcluirmontalvao21
Caro amigo marco
ResponderExcluirQuando lágrimas de alegria banham nosso rosto é porque conseguimos sair vitoriosos das armadilhas preparadas pelo Universo para evoluirmos com seres realmente humanos.
Marisa Cruz
Incrível relato, fiquei muito impressionado mesmo, acredito que a profissão de médico nos dias de hoje,claro ficou mais fácil devido aos avanços tecnológicos,lembro de outro post seu com fotos dos aparelhos que eram usado antigamente, mas relatos assim nos acorda para a realidade que um homem sem Deus não é nada, principalmente um médico que se dedica a salvar vidas, um bem tão precioso, parabéns Dr.Marcos.
ResponderExcluirLembra quando sempre digo que creio em milagres? Fico feliz em saber que tens fé e que só a ciência sem "a mão de Deus" não é nada..... Fiquei emocionada e estive lá, no momento exato onde era a sua sala de parto... Acredite! Que lindo relato, apesar de triste teve um final feliz!!!! Abraços.
ResponderExcluirEstava lendo e fui ficando ansiosa e receosa, com final.
ResponderExcluirO sr com certeza tem créditos com Deus e Ele ouviu seus apelos. Como é bom confiar em Deus.
Continue assim, um profissional competente, humano
e amoroso. Coloque sempre Deus a frente de tudo na sua vida.
Abraço carinhoso
Odila
Meu querido, me fez lembrar o parto do meu primogênito em 82...
ResponderExcluirImagine que romanticamente me preparei para um parto natural em casa. Felizmente, não esperei a segunda contração e corri para a maternidade morta de dor!
Ainda levou um tempo para meu menino apontar a cabeça e ficar. O fórceps foi usado com força e em vão. Cesária de emergência, fui "apagada" e meu filhinho arrancado pelas pernas, sem oxigênio, quase morto. O médico disse: Agora só Deus!" Não deu outra. Dano é um homem forte e sadio e teve nenhuma sequela. Eu sobrevivi.
Que passagem emocionante! Parabéns amigo, isso prova que Deus e médicos caminham lado a lado...
ResponderExcluirQuando o homem tem temor a Deus as coisas tendem a dar certo em sua vida e daqueles que o rodeiam, Dr. Marcos, quero parabenizá-lo por ser esse homem, são profissionais desse calibre que a humanidade tá precisando.
ResponderExcluirA coisa que mais me entristece é ver um profissional da saúde descrumprir o seu juramento por ocasião da sua formatura e pior que quando isso ocorre é por força da ganância desenfreada.
Relatos como este do Dr. Marcos me deixa muito feliz, pois, é com eu sempre digo para meus filhos, acredite, no mundo ainda temos mais gente boa que gente ruim, felizmente.
Dr. Marco
ResponderExcluirParabéns por mais essa bela postagem
Temos que sim sempre pedir a mão de DEUS e sua interferencia em casos que necessitamos e ou a humanidade.
Deus nunca nos abandona, ele é nosso orientador, noso guia....e s e alguém o abandona, somos nós.
Milagres, nada mais é que a fé, sem isso não obtermos rsltados em situações complicadas e a isso podemos atribuir como milagres. Porém ele só acontece, se percebemos que está a nossa frente, as vezes passa despercebido por nós.
Mais uma vez parabéns por este tema tão important e que meche com a nossa sensibilidade e emoção.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história. Em Blumenau SC
Oi Dr Marco! Meu nome é Kássya
ResponderExcluirArrepiei com esse post. Eu também tive atonia uterina , fui submetida a esterectomia.... vem falar sobre isso aqui no grupo do facebook ATONIA UTERINA ( https://www.facebook.com/groups/518644421554967/ )