domingo, 1 de maio de 2011

O BULLYNG NA POLITICA.



O estilo é a marca principal do político, a estética de sua ação. O senador Roberto Requião que o diga. Faz do estilo montaria de batalha. São muitos os episódios em que o ex-governador do Paraná aparece dando vazão a um repertório de manifestações, gestos e atitudes que dão realce a um ator cujo desempenho poderia surpreender o renomado mestre da arte teatral Constantin Stanislavski. Pois Requião "vive" intensamente o papel, não fica na mera interpretação. Daí parecer autêntico, sem meias palavras, despachado, um cabra da peste. Como um dândi no meio da plantação, chama a atenção pelo prazer de espantar as mais distintas plateias. O senador cultiva o hábito de guerrear com palavras e acaba borrando a imagem com tintas da polêmica. O recente episódio em que tomou o gravador de um repórter que lhe perguntara sobre a aposentadoria vitalícia ocorreu para se defender de uma imprensa "absolutamente provocadora e irresponsável", a quem acusa de praticar bullying. O conceito, como se recorda, ganhou ênfase no meio da discussão provocada pelo assassinato de 12 crianças numa escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Trouxe à tona a história do assassino Wellington Menezes, que, em carta, lembrou os atos de violência psicológica a que foi submetido quando estudante naquele estabelecimento.


O tema está na ordem do dia dos educadores, pela gravidade que tem assumido nos espaços escolares. Puxá-lo, agora, para a arena política e, mais ainda, pela expressão de um senador da República é um ato que carece fundamentação. A intenção de Requião ao acusar a imprensa de praticar bullying seria mero artifício para justificar a "perda de paciência", caracterizada pelo gesto de arrancar o gravador das mãos do repórter (e depois devolvê-lo sem a gravação), ou ele está mesmo convencido de que jornalistas e programas, como os citados CQC e Pânico, invadem a esfera pessoal de entrevistados com "doses de provocação", praticando, por conseguinte, violência psicológica? A expressão senatorial não se sustenta. Confunde escopos. Programas humorísticos não são eixos centrais da imprensa. Suas funções essenciais são as de informar, interpretar e opinar. Entreter é uma função secundária. Quando um jornalista perquire um mandatário sobre patrimônio, proventos, benesses, prêmios, viagens, ações, gestos e atitudes, ele o faz porque tal acervo é de interesse daqueles que ele representa. O homem público precisa prestar contas de todos os atos que, de forma direta ou indireta, têm relação com os bens e valores da República.

Pelo que se sabe, a entrevista com o senador versaria sobre sua aposentadoria vitalícia, garantida por uma liminar que, posteriormente, foi revogada pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O tema, portanto, era pertinente, eis que a aposentadoria vitalícia, prevista pela própria Constituição federal, deverá ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Sob esse prisma, não se justifica o rompante agressivo do ex-governador. Não se tratava, pois, de abordagem humorística, e sim de pauta jornalística. Um alto representante congressual não pode deixar de discorrer sobre assunto de significação social e muito menos "perder a paciência" com repórteres provocativos. Provocar, aliás, é um verbo conjugado pela missão investigativa da mídia. Vejamos, agora, a questão sob o ângulo do entretenimento, pois tanto o senador Requião quanto outros políticos e celebridades carimbam certos programas de humor como "excrescência, apelativos e constrangedores". O entretenimento, como se sabe, faz parte do menu da comunicação de massa. Levado ao território dos olimpianos - artistas, cantores, políticos, famosos em geral -, incorpora condimentos azeitados com aspectos da vida pessoal. Não raro os entrevistados passam por uma bateria de perguntas embaraçadoras, sarcásticas e, convenhamos, insultuosas em certos casos.

Neste ponto, convém lembrar que o universo das celebridades - incluindo os políticos - cultiva certo gosto pelo dandismo, e este estilo afetado cai bem no perfil de atores do teatro midiático. Não são poucos os que apostam no preceito de que serão mais festejados e glorificados ao "se fazerem notar a qualquer preço". Tal noção lhes impõe uma estética exuberante (indumentária chocante) e uma semântica estrondeante (estrupícios linguísticos). Celebra-se, assim, um casamento de conveniências, o que dá "liberdade" a determinados programas de TV às tais "provocações" - com derrapadas pelo terreno da infâmia - e consequentes conflitos entre as partes. Não raro ocorre interpenetração dos espaços dos verbos "zoar, gozar, tirar sarro, brincar, ironizar" e dos corredores dos verbos "discriminar, humilhar, ofender, agredir, perseguir, ameaçar".

O bullying político, a que se refere o senador, estaria no segundo território. Para se caracterizar como tal, porém, a violência psicológica sobre o político deveria conter o elemento repetição, ou seja, a vítima deveria ser submetida a frequente assédio pelos algozes. Nossas vítimas políticas seriam sempre as mesmas? E mais, no bullying os indivíduos intimidados ou agredidos pelo valentão (bully) não são capazes de se defender. Valentia por valentia, como se pode ver, Requião é mais campeão. Se alguém não desejar responder às "provocações" de um repórter, o silêncio é também uma forma de expressão.

Quem se sente atingido na honra pode apelar aos tribunais. São inúmeros os casos de pessoas que recorrem à Justiça para se defenderem de calúnia, injúria e difamação. Já o bullying nas escolas de nosso país deve ser matéria prioritária de educadores, governantes e políticos. A humilhação infligida a milhares de crianças ensombrece nosso amanhã pela ameaça de termos parcela de uma geração atrofiada pela violência física e psicológica.

Por último, seria conveniente que os tocadores da banda midiática que assedia celebridades e políticos usassem a régua do bom senso.

Gaudêncio Torquato - O Estado de S.Paulo




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