domingo, 18 de setembro de 2011

UM TRIBUNAL ENTUPIDO DE EXCELÊNCIAS.





Um em cada cinco parlamentares está enrolado com a Justiça. O Supremo tem condições de julgar tanta gente com direito a foro especial?

O deputado Paulo Maluf (PP-SP) deverá saber, nesta semana, se vai virar, mais uma vez, réu. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), vai decidir se há provas suficientes para processar Maluf por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Durante sua última gestão como prefeito de São Paulo, entre 1992 e 1996, Maluf foi acusado de desviar recursos públicos da construção da Avenida Água Espraiada para contas bancárias em paraísos fiscais. Desde 2007, quando Maluf assumiu como deputado, o caso está no Supremo. Enquanto os prazos correm, Maluf exerce tranquilamente seu mandato na Câmara, em Brasília.

Como Maluf, existem outros 136 parlamentares enrolados com a Justiça, de acordo com um levantamento feito em maio pelo site Congresso em Foco. Ao todo, 115 deputados e 22 senadores são alvo de 87 ações penais e 210 inquéritos. Alguns deles respondem a vários processos e inquéritos (leia o quadro na página ao lado). Um em cada cinco parlamentares que frequentam as dependências do Congresso Nacional sabe que, do outro lado da rua, o Supremo examina acusações que podem custar seu mandato ou mandá-lo para a cadeia. “Não há uma coletividade de 594 pessoas no Brasil que tenha mais de 130 respondendo por crimes”, afirma o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Em agosto, em discurso na instalação da comissão especial que examina o projeto do novo Código de Processo Civil, na Câmara, Teixeira pediu que o Supremo acelerasse os julgamentos de deputados e senadores, uma forma de combater a impunidade e a corrupção. Sua ideia de promover mudanças nesse campo ganha apoio no Judiciário.

Parlamentares só podem ser julgados pelo Supremo. O foro especial, como é chamado esse direito, foi criado para proteger os parlamentares de perseguições. “O foro especial é um instituto importante, mas parece evidente que sofreu uma ampliação exagerada no Brasil nos últimos tempos”, disse a ÉPOCA o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. “É hora de a sociedade e seus representantes discutirem uma mudança nessa questão.”

A missão primordial do Supremo é dirimir dúvidas sobre a aplicação da Constituição. O Tribunal também tem de julgar crimes de autoridades, mas não tem uma estrutura adequada para isso. Ações penais exigem, entre outras coisas, investigações policiais e do Ministério Público e a tomada de depoimentos de testemunhas. O processo do mensalão, que pode ser julgado no próximo ano, é exemplar desse problema. Para ouvir mais de 200 testemunhas, foi necessária a montagem de uma estrutura especial. Os ministros do Supremo também não se sentem à vontade para julgar processos penais e têm um perfil mais voltado para discussões constitucionais do que para determinar culpas ou inocências. “Nós não somos, de início, afeitos a julgar ações penais. Espero viver um dia em que todo e qualquer cidadão será julgado em primeira instância, sem a prerrogativa de foro”, afirma o ministro Marco Aurélio Melo. “O STF vai acabar virando, algum dia, uma corte estritamente constitucional – e aí não teremos essa miuçalha que atravanca tanto os trabalhos.”

No período de Gilmar Mendes na presidência do STF, juízes de instrução foram nomeados para ajudar os ministros a examinar processos e desafogar um pouco o trabalho. Mesmo com esse tipo de providência, o Supremo não tem se saído muito bem na tarefa de julgar políticos. No ano passado, o ex-deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) e os deputados Zé Gerard o (PMDB-CE) e José Fuscaldi Cesílio (PTB-GO), o Tatico, foram condenados, entre outras coisas, por desvios de recursos públicos. Na semana passada, o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) foi condenado por trocar cirurgias de laqueadura por votos. Mas, em geral, poucos processos chegam ao fim, o que contribui para que muitos acusados saiam impunes. Condenado a seis meses de prisão por mau uso de dinheiro público quando foi prefeito de Curitiba, no Paraná, o deputado federal Cássio Taniguchi (DEM-PR) escapou porque o crime já havia prescrito. Os ministros do Supremo reclamam que os atrasos da Polícia Federal e do Ministério Público nos inquéritos contribuem para as prescrições

A dinâmica eleitoral é um fator importante para a baixa taxa de conclusão dos processos. Quando um político perde o mandato, seu processo sai do Supremo e volta para a primeira instância. Se, mais tarde, ele é eleito deputado ou senador novamente, seu processo volta ao Supremo. Esse vaivém aumenta os atrasos. Juristas e ministros do Supremo gostariam de ver mudanças no rito de julgamento. A mais radical seria simplesmente retirar do Tribunal os processos contra parlamentares, como quer o ministro Marco Aurélio. E quem julgaria, então, os políticos? Uma sugestão seria levar os processos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Basta aumentar o número de ministros do STJ”, diz um jurista. A lei afirma que o STJ deve ter “pelo menos” 33 ministros, que é o número atual de membros da corte. Ou seja, o STJ pode ter mais integrantes. Seu prédio, em Brasília, foi projetado para abrigar 66 ministros.

Do ponto de vista institucional, o fato de o Congresso abrigar tanta gente impune diante da lei piora a frágil imagem do Legislativo. Há constrangimentos cotidianos. Quando fez seu discurso na Câmara, Miro Teixeira estava diante também dos colegas João Paulo Cunha (PT-SP) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ). João Paulo é o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, apesar de ser réu no Supremo no processo do mensalão. Eduardo Cunha é alvo de dois inquéritos no Supremo. Os dois pretendiam comandar a tramitação do projeto do novo Código de Processo Civil na Câmara, mas foram removidos. Casos como de João Paulo, Eduardo Cunha e Maluf e de muitos outros mostram como é urgente encontrar um meio de julgar rápido os políticos. Sejam declarados culpados ou inocentes, pelo menos terão passado pelo crivo da Justiça.

LEANDRO LOYOLA. COM MARCELO ROCHA - Revista Época

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