Especialistas discutem possíveis sanções a que o nosso país está sujeito por ter libertado Cesare Battisti
A política manobrou o Direito
O Supremo Tribunal Federal decidiu duas questões cruciais: a de se saber se a determinação presidenciável de não extraditar Cesar Battisti pode ser autônoma, ou seja, pode afastar os fundamentos determinantes na decisão judicial pré-definida, e se, assim mesmo, a discricionariedade da decisão presidencial pode contrariar tratado internacional vigente entre os Estado partes.
Contrariando o voto do ministro relator Gilmar Mendes e a jurisprudência já consagrada pelo próprio tribunal (caso Franz Paul Stangel), que proclamavam pelo entendimento de que a discricionariedade do ato presidencial deveria estar limitada aos termos da decisão prolatada pela Corte e dentro dos limites existentes do tratado bilateral, a Suprema Corte, por seis votos favoráveis e três contra, deliberou pela soltura do italiano.
Desde então, diversas são as repercussões ocasionadas à política externa nacional, em diferentes níveis, desde a convocação de embaixadores para a explicação da decisão pela República Italiana; o cancelamento de viagem do ex presidente da República para Roma, na campanha brasileira para a presidência da FAO; o recurso da Itália ao comitê de conciliação previsto no Tratado de Conciliação e Regulamento Judicial, assinado em 1954 por Brasil e Itália.
Por oportuno, este recurso representa passo prévio de eventual demanda, já anunciada pela República Italiana junto à Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, no afã de responsabilizar o Estado brasileiro pelo descumprimento de direito internacional, até uma enxurrada de laranjas lançadas em nossos jogadores em campeonato esportivo realizado em Roma.
As eventuais sanções contra o Brasil em um desfecho jurisdicional internacional seriam em sua maioria de natureza moral. Não obstante esta especificidade, há de se compreender que a desmoralização em nível internacional é extremamente danosa ao ideal de maior protagonismo nacional nos órgãos e fóruns multilaterais, como, por exemplo, no Conselho de Segurança da ONU, e nas negociações de tratados internacionais que serão ainda mais endurecidas pela quebra da confiança na capacidade brasileira em cumprir os compromissos assumidos.
É um choque observar que a essa altura do processo de internacionalização do Estado brasileiro e de sua consagração enquanto Estado Democrático de Direito, que a política continue a manobrar a aplicação do Direito.
Valesca Raizer Borges Moschen é professora de Direito da Ufes e doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona
Vamos enfrentar uma batalha
A questão é muito mais complexa do que se tem observado e abarca fatos ocorridos desde os idos de 1976, perpassando pela seara jurídica e desaguando em perífrases de conotação social, política e ideológica. Lembremos que Cesare Battisti foi integrante de uma organização de extrema esquerda italiana.
Julgado (à revelia) pela Justiça italiana por homicídio, atentado, associação ilícita e posse de armas de guerra, a acusação teve como mote principal os testemunhos de militantes arrependidos, beneficiados pela delação premiada. Em processo cercado por mistérios e supostas nulidades, Battisti foi condenado à prisão perpétua e privação de luz solar.
Foragido do governo italiano, o ex-ativista chega ao território brasileiro. É preso em 2007. Pede refúgio ao Conselho Nacional Para Refugiados, concedido em 2009. Nesse ínterim, o governo italiano requereu ao Brasil a extradição de Battisti.
A natureza extradicional no Brasil é duplamente exercida entre o Judiciário e o Executivo (Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80). Nesse aspecto, o caso Battisti é intrigante porque em 2009 o STF, por maioria de votos, deferiu o pedido de extradição do italiano, que não se efetivou em razão do veto do presidente Lula.
Há pouco mais de uma semana, a mesma Corte decidiu, também por maioria de votos, a validade do veto do Executivo. Contraditória ou não, o fato é que a discussão foi exaurida no Judiciário local e, pela forma como foi decidida, sangrou a relação diplomática entre Brasil e Itália. Cabe saber, contudo: a questão teria desdobramento na esfera internacional? A resposta é positiva.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da ONU, tem dupla jurisdição sobre o assunto aqui ventilado. Entenda-se que além do Tratado de Extradição, Brasil e Itália ratificaram uma Convenção de Conciliação e Solução Judiciária, submetendo as disputas havidas entre as partes à CIJ. Prevê ainda esse acordo que se a CIJ declarar que uma decisão interna (a exemplo do STF ou do presidente) se encontra contrária à norma internacional (Tratado de Extradição), será conferida à parte lesada forma diversa de justa reparação.
Com efeito, fixadas estão as delimitações de acesso a outras formas de revisão da decisão brasileira, restando saber se na jurisdição internacional o Brasil estará preparado, primeiramente, para se defender, sem tergiversações e contradições; depois, se cumprirá decisão de extradição de Battisti. Aguardemos.
Nerlito Sampaio Neves Junior é professor de Direito Internacional da FDV
Fonte: A Gazeta.
A política manobrou o Direito
O Supremo Tribunal Federal decidiu duas questões cruciais: a de se saber se a determinação presidenciável de não extraditar Cesar Battisti pode ser autônoma, ou seja, pode afastar os fundamentos determinantes na decisão judicial pré-definida, e se, assim mesmo, a discricionariedade da decisão presidencial pode contrariar tratado internacional vigente entre os Estado partes.
Contrariando o voto do ministro relator Gilmar Mendes e a jurisprudência já consagrada pelo próprio tribunal (caso Franz Paul Stangel), que proclamavam pelo entendimento de que a discricionariedade do ato presidencial deveria estar limitada aos termos da decisão prolatada pela Corte e dentro dos limites existentes do tratado bilateral, a Suprema Corte, por seis votos favoráveis e três contra, deliberou pela soltura do italiano.
Desde então, diversas são as repercussões ocasionadas à política externa nacional, em diferentes níveis, desde a convocação de embaixadores para a explicação da decisão pela República Italiana; o cancelamento de viagem do ex presidente da República para Roma, na campanha brasileira para a presidência da FAO; o recurso da Itália ao comitê de conciliação previsto no Tratado de Conciliação e Regulamento Judicial, assinado em 1954 por Brasil e Itália.
Por oportuno, este recurso representa passo prévio de eventual demanda, já anunciada pela República Italiana junto à Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, no afã de responsabilizar o Estado brasileiro pelo descumprimento de direito internacional, até uma enxurrada de laranjas lançadas em nossos jogadores em campeonato esportivo realizado em Roma.
As eventuais sanções contra o Brasil em um desfecho jurisdicional internacional seriam em sua maioria de natureza moral. Não obstante esta especificidade, há de se compreender que a desmoralização em nível internacional é extremamente danosa ao ideal de maior protagonismo nacional nos órgãos e fóruns multilaterais, como, por exemplo, no Conselho de Segurança da ONU, e nas negociações de tratados internacionais que serão ainda mais endurecidas pela quebra da confiança na capacidade brasileira em cumprir os compromissos assumidos.
É um choque observar que a essa altura do processo de internacionalização do Estado brasileiro e de sua consagração enquanto Estado Democrático de Direito, que a política continue a manobrar a aplicação do Direito.
Valesca Raizer Borges Moschen é professora de Direito da Ufes e doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona
Vamos enfrentar uma batalha
A questão é muito mais complexa do que se tem observado e abarca fatos ocorridos desde os idos de 1976, perpassando pela seara jurídica e desaguando em perífrases de conotação social, política e ideológica. Lembremos que Cesare Battisti foi integrante de uma organização de extrema esquerda italiana.
Julgado (à revelia) pela Justiça italiana por homicídio, atentado, associação ilícita e posse de armas de guerra, a acusação teve como mote principal os testemunhos de militantes arrependidos, beneficiados pela delação premiada. Em processo cercado por mistérios e supostas nulidades, Battisti foi condenado à prisão perpétua e privação de luz solar.
Foragido do governo italiano, o ex-ativista chega ao território brasileiro. É preso em 2007. Pede refúgio ao Conselho Nacional Para Refugiados, concedido em 2009. Nesse ínterim, o governo italiano requereu ao Brasil a extradição de Battisti.
A natureza extradicional no Brasil é duplamente exercida entre o Judiciário e o Executivo (Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80). Nesse aspecto, o caso Battisti é intrigante porque em 2009 o STF, por maioria de votos, deferiu o pedido de extradição do italiano, que não se efetivou em razão do veto do presidente Lula.
Há pouco mais de uma semana, a mesma Corte decidiu, também por maioria de votos, a validade do veto do Executivo. Contraditória ou não, o fato é que a discussão foi exaurida no Judiciário local e, pela forma como foi decidida, sangrou a relação diplomática entre Brasil e Itália. Cabe saber, contudo: a questão teria desdobramento na esfera internacional? A resposta é positiva.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da ONU, tem dupla jurisdição sobre o assunto aqui ventilado. Entenda-se que além do Tratado de Extradição, Brasil e Itália ratificaram uma Convenção de Conciliação e Solução Judiciária, submetendo as disputas havidas entre as partes à CIJ. Prevê ainda esse acordo que se a CIJ declarar que uma decisão interna (a exemplo do STF ou do presidente) se encontra contrária à norma internacional (Tratado de Extradição), será conferida à parte lesada forma diversa de justa reparação.
Com efeito, fixadas estão as delimitações de acesso a outras formas de revisão da decisão brasileira, restando saber se na jurisdição internacional o Brasil estará preparado, primeiramente, para se defender, sem tergiversações e contradições; depois, se cumprirá decisão de extradição de Battisti. Aguardemos.
Nerlito Sampaio Neves Junior é professor de Direito Internacional da FDV
Fonte: A Gazeta.
Caro Marco
ResponderExcluirQuaisquer sejam os rumos: PERDEMOS.
Dissertar sobre tradição democrática de outro povo, a Itália no caso, não influi, contribui ou diminue. É irrelevante.
Perdemos respeitabilidade e integridade moral ao nos arvoramos em "juizes da justiça alheia". E esse é o ponto.
E BASTA !!!