Como diria o então primeiro-ministro chinês Zhou Enlai (1898-1976) talvez seja "muito cedo" para avaliar o legado histórico do Partido Comunista Chinês (PCC), que completa 90 anos na próxima sexta-feira, tendo conduzido o mais populoso país do mundo a imensuráveis abismos de violência e destruição para, depois, soerguê-lo à condição de segunda maior economia do globo. Não se sabe, afinal, o que Zhou considerava prematuro julgar - os efeitos da Revolução Francesa de 1789, como durante muito tempo se achava, ou, como se acredita hoje, mais prosaicamente, os da rebelião estudantil de maio de 1968, também na França. Tampouco se entende, a rigor, como a outrora miserável China emergiu de décadas de terremotos políticos, para se estabilizar sobre o tripé de pujança econômica, ditadura política e atraso social.
Entre 1958 e 1962, quando Mao Zedong promoveu o "grande salto para a frente", o programa de industrialização a toque de caixa que deveria levar a China a superar a Grã-Bretanha em apenas uma década e meia, o resultado, sustentam os historiadores, foi a pior catástrofe produzida pela ação humana em todos os tempos. A destruição da economia agrícola e a brutalidade com que foi conduzido esse insano experimento de engenharia social e reinvenção do sistema produtivo, com as "comunas populares" e suas siderúrgicas de fundo de quintal, mataram de fome ou a bala entre 36 e 45 milhões de chineses, segundo estimativas recentes. Outros países, quem sabe, passariam décadas só tentando se recuperar de um colapso de tamanhas proporções. A China foi muito além disso, com suas taxas de crescimento em torno de 10% ao ano.
Em outubro de 2009, no transcurso do 60.º aniversário da revolução que o instalou no poder, o PCC celebrou a "era da prosperidade harmoniosa". O conceito clássico de harmonia, central ao pensamento chinês há milhares de anos, foi apropriado pela elite dirigente nacional - o partido, os militares e a tecnocracia - para ser a expressão da ideologia que substituiu o maoismo de inspiração marxista-leninista. Sob o lema "Enriquecer é glorioso", do reformador econômico Deng Xiaoping (1904-1997) e a emenda constitucional de 2004 que tornou "inviolável" a propriedade privada no país, o ideal da sociedade sem classes cedeu o lugar, como doutrina do partido, ao da construção de uma economia moderna, com um misto de mercado e regulação estatal. Nela, por definição, os interesses sociais convergem e se harmonizam. E essa harmonia é incompatível com as perturbações inerentes ao modelo ocidental de liberdades públicas, pluripartidarismo e governança democrática.
No modelo chinês - um termo que as autoridades chinesas não gostam, talvez porque exponha a incoerência estrutural do sistema -, a abertura econômica coexiste com graus variáveis de amordaçamento político. À medida que a prosperidade exacerba, por exemplo, as desigualdades entre as novas classes médias da China urbana e as carentes populações rurais, cujas demandas assumem cada vez mais a forma de distúrbios, o PCC aperta as cravelhas, denuncia a dissidência como instigação à desordem e ofensa à harmonia e abre - de fora para dentro - as portas das prisões. Desde a supressão dos protestos estudantis, encarnada no massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, há 22 anos, não se via no país um surto autoritário como o atual. A mera possibilidade de que a chamada Primavera Árabe desse fôlego novo aos movimentos chineses de defesa dos direitos humanos acionou a mão truculenta do regime presidido por Hu Jintao.
É quase unânime entre os observadores a impressão de que a linha-dura continuará a dar as cartas no PCC a partir de outubro de 2012, quando Jintao será substituído pelo atual vice-presidente Xi Jinping, não menos conservador em matéria de repressão aos dissidentes. Os líderes do partido "se sentem ameaçados e estão paranoicos", constata o cientista político Willy Lam, de Hong Kong. A sua reação pavloviana é intensificar o seu poder de coerção sobre as vozes "desarmônicas".
Fonte: O Estado de São Paulo
Entre 1958 e 1962, quando Mao Zedong promoveu o "grande salto para a frente", o programa de industrialização a toque de caixa que deveria levar a China a superar a Grã-Bretanha em apenas uma década e meia, o resultado, sustentam os historiadores, foi a pior catástrofe produzida pela ação humana em todos os tempos. A destruição da economia agrícola e a brutalidade com que foi conduzido esse insano experimento de engenharia social e reinvenção do sistema produtivo, com as "comunas populares" e suas siderúrgicas de fundo de quintal, mataram de fome ou a bala entre 36 e 45 milhões de chineses, segundo estimativas recentes. Outros países, quem sabe, passariam décadas só tentando se recuperar de um colapso de tamanhas proporções. A China foi muito além disso, com suas taxas de crescimento em torno de 10% ao ano.
Em outubro de 2009, no transcurso do 60.º aniversário da revolução que o instalou no poder, o PCC celebrou a "era da prosperidade harmoniosa". O conceito clássico de harmonia, central ao pensamento chinês há milhares de anos, foi apropriado pela elite dirigente nacional - o partido, os militares e a tecnocracia - para ser a expressão da ideologia que substituiu o maoismo de inspiração marxista-leninista. Sob o lema "Enriquecer é glorioso", do reformador econômico Deng Xiaoping (1904-1997) e a emenda constitucional de 2004 que tornou "inviolável" a propriedade privada no país, o ideal da sociedade sem classes cedeu o lugar, como doutrina do partido, ao da construção de uma economia moderna, com um misto de mercado e regulação estatal. Nela, por definição, os interesses sociais convergem e se harmonizam. E essa harmonia é incompatível com as perturbações inerentes ao modelo ocidental de liberdades públicas, pluripartidarismo e governança democrática.
No modelo chinês - um termo que as autoridades chinesas não gostam, talvez porque exponha a incoerência estrutural do sistema -, a abertura econômica coexiste com graus variáveis de amordaçamento político. À medida que a prosperidade exacerba, por exemplo, as desigualdades entre as novas classes médias da China urbana e as carentes populações rurais, cujas demandas assumem cada vez mais a forma de distúrbios, o PCC aperta as cravelhas, denuncia a dissidência como instigação à desordem e ofensa à harmonia e abre - de fora para dentro - as portas das prisões. Desde a supressão dos protestos estudantis, encarnada no massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, há 22 anos, não se via no país um surto autoritário como o atual. A mera possibilidade de que a chamada Primavera Árabe desse fôlego novo aos movimentos chineses de defesa dos direitos humanos acionou a mão truculenta do regime presidido por Hu Jintao.
É quase unânime entre os observadores a impressão de que a linha-dura continuará a dar as cartas no PCC a partir de outubro de 2012, quando Jintao será substituído pelo atual vice-presidente Xi Jinping, não menos conservador em matéria de repressão aos dissidentes. Os líderes do partido "se sentem ameaçados e estão paranoicos", constata o cientista político Willy Lam, de Hong Kong. A sua reação pavloviana é intensificar o seu poder de coerção sobre as vozes "desarmônicas".
Fonte: O Estado de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário