segunda-feira, 17 de outubro de 2011

DIA DO MÉDICO, TEMOS SIM O QUE COMEMORAR (By Marco Sobreira)


Amanhã (18/10) comemora-se o dia do médico, depois de 36 anos de formado fico me perguntando se há o que comemorar. Ainda tenho vivo em minha memória o dia da minha colação de grau, quantas incertezas e quanta esperança de mudar o mundo, de realizar tudo o que tinha aprendido em beneficio da saúde, sentia um frio na barriga e as mãos pingavam de suor em pensar que vidas e mais vidas estariam em minhas mãos e no meu conhecimento.

 Meus pais estavam presentes, e confesso que jamais vi em toda minha vida meu pai com expressão mais feliz do que naquele dia, afinal não foi fácil formar um filho médico, principalmente em se tratando de um funcionário público e com uma família enorme, tenho 10 irmãos. Olhando para ele percebi a grande responsabilidade que teria, afinal depois de gerações de advogados, promotores e juízes em seria o primeiro médico da família, aliás devo isso a um tio que me desvirtuou dos caminhos do Direito.

Sempre achei que o Clinico Geral era o verdadeiro médico , por isso dediquei toda minha vida a um pequeno municipio do sul do Esp. Santo, durante os primeiros doze anos trabalhei sozinho, jamais tirei férias nesse período, o máximo que me permiti foi uns dois ou três finais de semana longe da cidade. Fui médico e enfermeiro, psicólogo, companheiro e amigo de meus pacientes, chorei com eles nas horas difíceis e comemoramos as vitórias, os nascimentos de novos cidadãos, abracei minha profissão como se abraça um filho querido, jamais me achei um médico melhor ou pior que os outros, apenas me preocupava e ainda me preocupo com cada um que a mim recorre.

Quantas vezes, na solidão da minha luta, sonhei em ter um colega para dividir as responsabilidades, as angústias e as dúvidas, tive que estudar muito, tive que improvisar quando me faltou recursos ou equipamentos, tive até que aprender a cavalgar, não foram poucas as viagens serra acima, atendendo pacientes onde os carros não chegavam. Existe uma grande diferença do médico que trabalha no interior e os que atuam nas grandes cidades, nossos pacientes são amigos que encontramos todos os dias, nas esquinas, na padaria, no campo de futebol, e esse convívio é fundamental na relação médico paciente. Todo recém formado deveria obrigatoriamente clinicar pelo menos dois anos no interior, isso lhe seria útil o resto da vida.

Nem tudo são flores entretanto, gestores insensíveis, dirigentes irresponsáveis tornaram nossa saúde ao descrédito total, o desrespeito à nossa gente mais humilde é tal  que me revolta profundamente, deixarei de clinicar o dia que perder a capacidade de me indignar, o dia que aceitar passivamente o sofrimento de daqueles que perambulam pelas filas dos hospitais, suplicando por algo que lhes é de direito.

A deficiência do SUS foi determinante para a proliferação dos planos de saúde, muitos deles enganadores, exploradores tanto dos pacientes como dos médicos, que por questão de sobrevivência, principalmente nos grandes centros submetem-se a remunerações humilhantes, quem diria que um dia já fomos considerados profissionais liberais. Com raras exceções, somos trabalhadores  assalariados e o que é pior, condenados a não poder se aposentar, já que é impossível manter o padrão de vida conseguido após décadas de trabalho com a aposentadoria do INSS, aos mais novos ainda é permitido programar uma aposentadoria complementar, o que não acontece comigo e com os colegas de minha geração, não tínhamos essa oportunidade e depois de certa idade, não é economicamente viável.

Mas apesar de tudo, temos que comemorar sim, não tem dinheiro que pague o sorriso de uma mãe ao ver que seu filho melhorou, não tem nada que pague o sorriso de quem teve sua dor aliviada, ainda me emociono toda vez que assino a alta de um paciente, e é esse sentimento do dever cumprido que me faz ter a certeza de que temos sim muito o que comemorar. Ainda sinto aquele frio na barriga e isso me faz continuar.

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