"Dilma, estamos em junho e até agora os diretores do Incra não foram nomeados, ou seja: a reforma está parada. Poderia nos informar o que se passa?" É com essa sem-cerimônia, para dizer o mínimo quando se trata de alguém se dirigindo publicamente à presidente da República, que o porta-voz da coordenação nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), João Paulo Rodrigues, postou dias atrás mensagem no Twitter cobrando de Dilma Rousseff as nomeações que faltam para preencher 24 das 30 superintendências do Incra que aguardam titulares desde a posse do novo governo. E a insatisfação do MST com o Palácio do Planalto por conta do "descaso" com a reforma agrária parece estar na iminência de passar para estágio mais agressivo, na forma de ruidosas manifestações de protesto.
Muito trabalho pela frente, portanto, para Gilberto Carvalho, assessor presidencial que se desincumbe das funções de interlocutor dos movimentos sociais, categoria da qual o MST ainda se julga integrante, embora se dedique à prática de transgressões da lei, entre as quais o desacato às autoridades públicas é a mais amena.
Um dos maiores problemas nos quais o governo Dilma anda tropeçando é a dificuldade de conciliar, por um lado, a intenção de preencher os cargos da administração federal com quadros técnicos competentes e, por outro, a necessidade de saciar o apetite de seu próprio partido e da base aliada por nomeações políticas. Geralmente, os superintendentes do Incra são nomeados por indicação das forças políticas locais aliadas do governo, com o aval de líderes regionais de movimentos ligados à reforma agrária, como o MST e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Mas nesses casos, como mostrou o repórter Roldão Arruda (Estado, 4/7), o critério de nomeações políticas tem sido especialmente desastroso, de acordo com análise conjunta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra levada à Presidência da República nos primeiros dias do atual governo. Por essa razão, o governo decidiu privilegiar o critério técnico na escolha dos superintendentes. Foi o que ocorreu no caso dos seis superintendentes até agora nomeados, provocando reações negativas no PT e na base aliada.
A verdade é que a reforma agrária colocada em termos ideológicos de incompatibilidade entre o agronegócio e a agricultura familiar, como anacronicamente pleiteiam o MST e a CPT, é uma bandeira há muito abandonada pelo próprio PT. "A reforma não está no horizonte do novo governo", bradou em março último Antonio Canuto, membro da coordenação nacional da CPT. De fato, a administração federal está preocupada em viabilizar o que chama de "inclusão produtiva" dos habitantes da área rural, em vez de apenas lhes garantir, com alarde propagandístico, mas com escassos efeitos sociais e econômicos, a condição de assentados em áreas desapropriadas. É o que deixa claro o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, em entrevista ao Estado publicada no mesmo dia em que foram veiculadas as manifestações desaforadas do porta-voz do MST.
"Mudou muita coisa", explicou o ministro, rebatendo as acusações de que o atual governo deu as costas para o homem do campo: "É um outro Brasil. (...) Dos 28 milhões de pessoas que saíram da extrema pobreza no País e ingressaram na chamada classe média C, um grupo de 4,8 milhões está na área rural, de acordo com os números oficiais. Desses 4,8 milhões, 60% tiveram incremento da renda (proveniente do) trabalho. (...) Como? Utilizando programas de melhoria da produção, de comercialização, de apoio à agricultura familiar. Há uma nova dinâmica de mercado, uma nova dinâmica na produção de alimentos. (...) Essa é a nova realidade objetiva e nós temos de fazer a gestão pública de acordo com ela". Ou seja, o esvaziamento do MST aumenta na medida em que se aperfeiçoa um modelo agrário em que o agronegócio se incumbe de captar divisas para o País e a agricultura familiar - que pouco tem a ver com o MST - de produzir cerca de 70% dos alimentos que os brasileiros consomem. É isso o que se passa.
Fonte: O Estado de São Paulo
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