A ideia lançada por Lula pegou: a eleição de outubro deverá ser a mais povoada de "postes" nestes tempos cheios de surpresas, reviravoltas e maquinações no terreno político. No Maranhão, no Ceará, em Pernambuco e na Bahia, candidatos tirados do bolso do paletó dos chefes do Poder Executivo começam a "iluminar" o ambiente regional, na esteira da nova liturgia que se instala na paisagem: a elevação de perfis ao altar de governador de Estado sem os escolhidos passarem pelo longo corredor de mandatos parlamentares e, na maioria dos casos, sem terem obtido um voto popular sequer em sua trajetória.
O fato não chega a ser uma novidade, eis que tanto a chefe da Nação como o prefeito da maior cidade do País tomaram seus assentos sem nunca se terem submetido ao sufrágio universal. Coisas novidadeiras numa cultura política escrita com o lápis de caciques e sob a tradição de costumes passados de pais para filhos, cuja expressão de modernidade é mais a idade dos novos coronéis do que pensamento comprometido com reformas na seara política.
Nos férteis terrenos eleitorais do PT, feitos extraordinários costumam ser creditados ao feeling do ex-presidente Luiz Inácio, que escolhe e impõe nomes ao partido, como ocorreu com a presidente Dilma Rousseff e o prefeito Fernando Haddad. Maior liderança popular e mais forte cabo eleitoral do País, "respirando política por todos os poros", como dele se costuma dizer, sua vontade é ordem e sua orientação, lei. Não sobra perfil capaz de contrariá-lo. Seguindo essa vereda, os governadores Cid Gomes, Roseana Sarney, Eduardo Campos - pré-candidato à Presidência - e Jaques Wagner, entre outros, dão mostras de que o modo lulista de escolher candidato é a "invenção da vez". Pode ser até uma forma menos democrática, por privilegiar o recorrente mote "quem é dono da flauta dá o tom". Mas, inegavelmente, é medida prática. Evita discussões prolongadas entre aliados, acelera a formação de parcerias, antecipa o jogo eleitoral, na medida em que os preteridos passam a seguir outros rumos, enquanto eventuais dissabores passam a ser administrados no balcão de recompensas. Afinal de contas, qual o significado desse novo modus faciendi?
Sobressai, primeiro, a sensação de um sopro de renovação na esfera política. Algo como, se a reforma política está emperrada no Congresso, a sociedade à sua maneira pavimenta o caminho de novas lideranças, elegendo perfis assépticos, não contaminados pelo vírus da corrupção, particularmente quadros técnicos com experiência na administração pública. À inércia do poder centrífugo (Legislativo, Executivo) reage o poder centrípeto (a força social organizada), que identifica na planilha de nomes aqueles com capacidade de representar as demandas populares. Portanto, o novo ordenamento condiz com o clima social. Há muito se clama por partidos com programas claros e consistentes; representantes mais próximos das comunidades; um sistema de votação que contemple quadros de maior expressão eleitoral, sem puxar para a Câmara candidatos de parca votação; figuras que desfraldem os valores republicanos.
As imagens são inescapáveis: o copo de água suja transbordou. Ou, ainda, não há mais como jogar para debaixo do tapete o lixo acumulado pela velha política. O eleitor mostra-se cansado de ouvir as mesmas lorotas. A cada legislatura se recorre à pregação da reforma política. Às vésperas do pleito, o saldo é zero. Como ir às urnas respirando os ares poluídos que há décadas contaminam os pulmões da República? Pouca coisa muda e, ante a inação do Poder Legislativo em matéria eleitoral, as decisões, mesmo homeopáticas e de pouco empuxo na escala dos avanços, acabam sendo tomadas pelo Judiciário. Os últimos retoques no reboco do velho casarão das urnas acabam de ser dados pelo Tribunal Superior Eleitoral, que proibiu o uso de telemarketing em campanhas eleitorais, obrigando, ainda, à adoção de legenda ou à língua de sinais (Libras) nos debates a serem promovidos pela TV. Por falta de densidade (responsabilidade do Legislativo), a Justiça Eleitoral usa o pincel para uma rápida camada cosmética. Mais uma questão de lana-caprina.
E assim as frustrações das camadas sociais se vão acumulando e disparando os mecanismos de cognição dos conjuntos eleitorais. O primeiro movimento é na direção das caras novas no palco da política. Na parede dos velhos retratos a atenção se volta para a última foto, a figura desconhecida, o sinal diferenciado no painel da mesmice. "Quem sabe esta pessoa não faria melhor do que o fulano (quem foi mesmo?) em quem votei na última vez (quando mesmo)?" - essa é a dúvida do eleitor. Portanto, os dirigentes tirados da cartola por Lula e os "postes" que tentarão exibir sua luz nos próximos meses são, na verdade, extensões simbólicas do ciclo que se abre na política por força de uma nova disposição social, cuja inspiração é querer romper com velhos paradigmas. Para chegar à Presidência não há mais necessidade de longa carreira política, como a que teve Jânio Quadros. Eleito suplente de vereador em 1947, assumiu o mandato com a cassação de vereadores; depois, foi o deputado estadual mais votado (1951) e, em seguida, prefeito de São Paulo (1953), governador do Estado (1955), deputado federal pelo Paraná (1958, mas não exerceu o mandato), presidente da República (1961) e novamente prefeito de São Paulo (1985).
A par dos traços de assepsia política presentes nos perfis dessa nova geração de dirigentes, o feitio técnico complementa a identidade, a denotar sua agregação à esfera da administração planejada e consequentes programas com foco em prioridades, ações balizadas por critérios racionais e de pouco comprometimento com populismo eleitoreiro. Esse é o dilema que enfrentam, pois a modelagem técnica das gestões nem sempre resulta em urnas fartas. O consolo é constatar que o voto começa a deixar o coração do brasileiro para chegar à cabeça