Mostrando postagens com marcador chuvas de verão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador chuvas de verão. Mostrar todas as postagens

sábado, 23 de março de 2013

ÁGUAS DE MARÇO: MARANATA, MARCOS FELICIANO E ENEM

As "águas de março" trouxe várias tempestades pelo país, algumas inesperadas
Era apenas mais uma semana abafada na Grande Vitória, com sua temperatura ambiente do Saara. Mas aí as “águas de março” invadiram o eterno verão, pegando muitos de surpresa. E as tempestades não foram exclusivas da metrópole. Pelo país, vários foram os temporais inesperados.

A primeira chuva particular veio ainda no sábado, quando esta coluna criticou os pastores então presos da Maranata. Dezenas de mensagens inundaram a caixa de entrada do autor, que descobriu que “sofrerá no inferno por blasfemar contra a igreja do Senhor Jesus e caluniar os santos servos de Deus” (pausa para um louvor).
Mas, para grande surpresa, a chuva ácida não passou de um chuvisco. A maioria esmagadora demonstrou apoio, inclusive fiéis e ex-membros da instituição! Um deles resumiu o sentimento: “Sozinhos não conseguiríamos combater os absurdos que aqui acontecem. Por favor, sejam nossa voz!”.

Passada a chuva grossa dos fanáticos, uma garoa de doenças contagiosas divulgou uma polêmica nacional. O pastor Marcos Feliciano, que não derrama chuva de bênçãos sobre negros e homossexuais, pareceu ter a conta bancária de Cristo. Em culto na Assembleia de Deus, Feliciano recebeu um cartão de crédito como oferta. Exigente, reclamou: “Não adianta dar só o cartão. Tem que dar a senha também, eu já disse. Depois Deus não abençoa e não sabe por que”.

Outro pé dágua teve ar de filme repetido. Mais uma vez o Enem fez vergonha. Os casos da vez vêm da prova de Redação e sua misteriosa correção. Um candidato escreveu uma receita de miojo na prova. De 0 a 1000, sua nota foi 560. Outro transcreveu o hino do Palmeiras. Sua nota: 500. O tema da prova era imigração no século XXI.

Já a enchente contaminada de leptospirose veio de Brasília. Em fevereiro, o Congresso pôs fim ao 14º e 15º salários. Mas agora a Câmara irá aumentar a cota destinada a pagar passagens, aluguéis, correios, telefone, gasolina, alimentação... Essas coisas que ninguém consegue pagar com os R$ 30 mil que recebe por mês. O corte dos salários poupou R$ 27 milhões/ano. O novo gasto deve custar R$ 21 milhões.

Além de ser o segundo mais caro do mundo, o Congresso brasileiro ainda quer criar mais 44 cargos comissionados, custando R$ 8,7 milhões. No mesmo ritmo, Dilma já chegou ao 39º ministério e já tem planos para o 40º. Em 2002, a Esplanada abrigava 21 ministérios. Para bancar a presepada petista de quase dobrar as pastas em 10 anos, o tesouro nacional desembolsou, de janeiro a agosto de 2012, nada menos que R$ 154,5 bilhões.

Os cargos, é claro, são para alianças políticas. De olho na eleição de 2014, Dilma iniciou a reforma ministerial, distribuindo cargos para conquistar alianças. A politicagem confirmou o que aqui se escreveu há um ano e meio: a tal “faxina ética” nada mais era do que “jogar pra debaixo do tapete”. Prova disso é que dois dos sete ministros afastados foram chamados de volta pela presidente, exatamente para ajudar na “reforma”. O descaramento não tem limites. Alfredo Nascimento (PR) disse: “Acho que ela sentiu saudade de mim”. Já Carlos Lupi (PDT) foi além: “Daquilo tudo, o que ficou foi o ‘eu te amo, Dilma’”. De fato, os dois se completam.

O descaso com o dinheiro público está nas manchetes da semana: na sexta maior economia do mundo, ainda se morre com chuvas. Os bilhões que bancam cúpulas inúteis faltam nas prevenções de tragédias anunciadas. Faltam na reconstrução das áreas destruídas. Faltam em obras que impeçam que ruas se tornem rios e que o único lugar seguro de inundação seja o Convento da Penha.

As “águas de março” que fecham o verão não são novidade para ninguém. Ano a ano a história se repete. E em 2014 tem mais! A “promessa de vida no teu coração” não é tão bela quanto a anunciada por Tom Jobim e Elis Regina. A realidade da semana combina mais com “É o carro enguiçado, é a lama, é a lama”.

E, se somarmos as falácias diárias, o melhor dos versos traz a marca registrada da desordem e do regresso: “É o fundo do poço, é o fim do caminho / No rosto o desgosto, é um pouco sozinho”.

Gabriel Tebaldi, 20 anos, é estudante de História da Ufes

Fonte: A Gazeta

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

TRAGÉDIAS COM AVISO- PRÉVIO

O verão e as calamidades estão apenas começando, tal como acontece no Brasil há anos. No início do século XIX, as cartas de um funcionário da Secretaria de Estado do Rio de Janeiro a seu pai, o bibliotecário da Livraria da Ajuda, Francisco José dos Santos Marrocos, já registravam fatos relacionados às enchentes na Bahia. Em um dos trechos o autor comenta: "S. A. R. (Sua Alteza Real) mandou daqui a toda a pressa o Architecto José da Costa com hum grande numero de outros Architectos e Engenheiros, para alinharem huma Cidade nova fóra da eminencia dos morros e montanhas, de que ainda agora continuão a despegar-se pedaços, que arrazão tudo que encontrão."

Desde o Império, portanto, a natureza anda de braços dados com a falta de planejamento e o improviso, em níveis municipal, estadual e federal. Os desastres são considerados fatalidades pelos governantes, como se nenhuma culpa lhes coubesse.

Em 2011, levantamento do Serviço Geológico do Brasil constatou que em 251 municípios brasileiros existem possibilidades de acidentes. Em 28 dessas cidades residem 178,5 mil pessoas, com risco alto ou muito alto de serem afetadas por enchentes ou desabamentos. Na raiz do problema está o fracasso da política habitacional, o que propiciou ocupações precárias e invasões, sob a vista grossa das autoridades públicas. Apesar da crescente preocupação com as questões sociais, na última década a quantidade de pessoas que vivem em favelas quase dobrou, passando de 6,5 milhões em 2000 para 11,4 milhões em 2010. Nesse cenário, as catástrofes naturais são previsíveis.

O governo federal, por exemplo, possui programa com o sugestivo título de "Prevenção e Preparação para Desastres". Nos últimos 8 anos, as dotações autorizadas pelo Congresso Nacional para esta rubrica somaram R$2,8 bilhões, mas apenas R$695,4 milhões foram aplicados. Em outras palavras, de cada R$4 previstos em orçamento, apenas R$1 foi gasto. Além disso, o ditado "é melhor prevenir do que remediar" é praticado às avessas. No mesmo período, o programa "Resposta aos Desastres e Reconstrução" consumiu R$5,9 bilhões, 7 vezes mais do que o aplicado na prevenção.

No ano passado, não foi diferente. Foram autorizados R$508,5 milhões para o programa de prevenção, porém somente R$155,6 milhões (30,6%) foram pagos. Em contrapartida, R$1 bilhão foi desembolsado com o programa de reconstrução. A explicação do Ministério da Integração Nacional é que os estados e os municípios não apresentaram propostas de obras preventivas, o que levou a Pasta a editar "cartilha" sobre intervenções em áreas de risco. Curiosamente, dos R$155,6 milhões pagos, a maior parte (R$34,2 milhões) foi destinada a Pernambuco, estado do atual ministro, Fernando Bezerra.
O fato pode levar à conclusão irônica que os projetos que podem evitar tragédias, assim como o frevo, são tipicamente pernambucanos.

É certo que obras de macrodrenagem, de urbanização de assentamentos precários e, ainda, o Minha Casa, Minha Vida, também contribuem para minimizar as tragédias. De qualquer forma, a incompetência no uso dos recursos do programa de "Prevenção e Preparação para Desastres" é impressionante.

Alguns avanços, porém, devem ser reconhecidos. Entre eles, o uso do Cartão de Pagamento de Defesa Civil, que dará transparência e celeridade aos gastos. Ademais, a implantação do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) - cogitada desde 2004 - sairá do papel. Até novembro passado, o que existia eram alguns servidores, sem um meteorologista sequer, atuando precariamente em três salas do Ministério da Integração Nacional.

Agora, o grupo irá trabalhar em local adequado tecnicamente, inclusive em plantão de 24 horas, até porque os fenômenos climáticos não respeitam o horário comercial. Entretanto, o concurso destinado à contratação de 52 profissionais para o Cenad só acontecerá em março. Até lá, estão sendo recrutados servidores de outros órgãos, verdadeiro "exército de Brancaleone", que irá monitorar as chuvas deste início de ano.

Diante dos fatos, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, admitiu o óbvio, ou seja, que o governo não será capaz de impedir as mortes decorrentes das chuvas, neste e nos próximos verões. Assim, é provável que os morros e as montanhas continuem a desabar aos pedaços, arrasando tudo o que encontram pelo caminho, tal como há 200 anos

Fonte: O Globo.