sábado, 2 de julho de 2011

O TREM-BALA E O PT DE CAMPINAS.

Nós vamos que vamos”, disse, animada, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) ao prefeito de Campinas, Dr. Hélio (PDT), na noite do último dia 6 de abril. Marta ligou às 18h01 para a secretária particular de Dr. Hélio, Cinthia dos Reis Paranhos, cujos telefones estavam grampeados pelo Ministério Público Estadual. O MP de São Paulo investiga um esquema milionário de desvio de dinheiro público na administração de Dr. Hélio, prefeito de Campinas há dois mandatos. O diálogo entre a senadora e o prefeito (leia abaixo) foi capturado por acaso, já que Dr. Hélio não é alvo das investigações do MP. A animação de Marta se devia à aprovação iminente no Senado da medida provisória que criaria a estatal responsável pelo projeto do trem-bala e autorizaria o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a emprestar até R$ 20 bilhões para o projeto.

Fotos: Denny Cesare/Futura Press e Dida Sampaio/AE

Marta era a relatora da medida provisória. Sete dias depois da conversa telefônica entre os dois, a medida foi aprovada pelos senadores. O diálogo aparentemente corriqueiro entre uma senadora e um prefeito do Estado que ela representa revela com clareza o interesse do grupo político de Marta no PT de São Paulo (fazem também parte desse grupo o deputado federal Carlos Zarattini e os irmãos Ênio e Jilmar Tatto) em levar adiante a construção do polêmico Trem de Alta Velocidade (TAV). O trem-bala, cujo trajeto atual irá de São Paulo ao Rio de Janeiro, com parada em Campinas, é a obra mais cara do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O custo de sua construção está estimado em R$ 34,6 bilhões. A senadora Marta disse a ÉPOCA manter “uma relação cordial” com o Dr. Hélio e que a reunião pedida no telefonema se deveu à “vontade de provocar debate político e dar conhecimento à região sobre minha participação como relatora do projeto”. “O projeto não foi discutido em nenhum momento com o prefeito, os parlamentares e a sociedade civil do Estado, em razão do curto espaço de tempo para votação no Senado”, disse Marta.

Uma das peças-chave na articulação política de Marta em Campinas para viabilizar o trem-bala é o engenheiro-agrônomo Gerson Bittencourt, eleito deputado estadual em São Paulo pelo PT em 2010. As ligações de Bittencourt com o universo dos transportes são antigas. Ele começou a carreira política na União Nacional dos Estudantes (UNE) e na Central Única dos Trabalhadores (CUT), foi presidente da SPTrans, a empresa municipal de transportes coletivos, e secretário de Transportes na gestão de Marta Su-plicy na prefeitura de São Paulo, entre 2001 e 2004. Bittencourt se autointitula o “pai do bilhete único”, o sistema de integração de passagens entre ônibus, trem e metrô adotado em São Paulo durante o governo de Marta, uma das principais bandeiras de sua gestão. Foi com a marca do bilhete único que Bittencourt acabou instalado, com o aval de Marta e do ex-ministro José Dirceu, na cadeira de secretário de Transportes de Campinas desde o primeiro mandato de Dr. Hélio, iniciado em 2005.

Agora, o nome de Bittencourt aparece relacionado à primeira prova obtida pelo Ministério Público de que um esquema de desvio de verba em Campinas alimentou o financiamento ilegal de campanhas. Na casa de Carlos Henrique Pinto, ex-secretário de Segurança Pública do governo de Dr. Hélio, os promotores apreenderam uma planilha, a que ÉPOCA teve acesso, em que estão descritas encomendas de material de campanha feitas à empresa Artes Brasil. A Artes Brasil é uma empresa de publicidade que faz adesivos e panfletos e tem, entre seus clientes, a Sanasa, a empresa de saneamento de Campinas (um foco de corrupção segundo as investigações), a prefeitura de Guarulhos e de Vinhedo, em São Paulo, e o governo federal.

A planilha apreendida pelo MP lista gastos sem nota fiscal no valor de R$ 330 mil

Didática, a tabela relaciona cerca de 20 nomes de candidatos a deputado estadual ou federal em São Paulo nas eleições de 2010 apoiados pela aliança de partidos comandada por Dr. Hélio em Campinas. Ao lado dos nomes há duas colunas com as inscrições “com NF” e “sem NF”, o que, segundo o MP, significa com nota fiscal e sem nota fiscal. O valor total dos gastos sem nota de campanha soma R$ 330 mil. De acordo com a planilha, Bittencourt gastou R$ 2.100 sem nota fiscal em sua campanha vitoriosa à Assembleia Legislativa de São Paulo. A Artes Brasil disse que não presta serviço sem nota fiscal e diz desconhecer a origem da planilha. Todos os contratos de publicidade da prefeitura de Campinas estão sob investigação do MP por suspeita de desvios.

   Reprodução
LISTADOS
O nome do deputado estadual Gerson Bittencourt (abaixo) aparece no documento. Thiago Ferrari, outro da relação, é vereador em Campinas e namorou a filha de Dr. Hélio


Ari Paleta/Futura Press

Com a citação de Bittencourt na planilha, essa é a segunda vez em que um quadro do PT aparece diretamente relacionado a irregularidades na administração campineira (o primeiro foi Demétrio Vilagra, vice-prefeito de Dr. Hélio). A aliança dos petistas com Dr. Hélio em Campinas foi consolidada no segundo turno das eleições municipais de 2004. A máquina montada pelo PT foi fundamental na captação de recursos que assegurou a vitória de Dr. Hélio. Na composição do governo municipal, a Secretaria de Transportes foi um prêmio a Bittencourt pelos serviços prestados pelo partido. Em 2002, ele foi uma espécie de “faz-tudo” de José Dirceu durante a campanha de Lula à Presidência da República. “A indicação do Bittencourt foi um arranjo negociado entre o diretório estadual do partido, a Marta, o Zé Dirceu e o Dr. Hélio, sem nossa participação”, diz um dirigente municipal do PT em Campinas, que afirma ter sido surpreendido com a nomeação.

Depois de sua transferência de São Paulo para Campinas, Bittencourt se ambientou rapidamente. Comandou reuniões para incluir no projeto do trem-bala uma parada em Campinas. Quando se licenciou do cargo de secretário de Tranportes, em março de 2010, para disputar uma vaga como deputado estadual, Bittencourt pediu a seu sucessor, Sérgio Torrecillas, para manter ingerência sobre os assuntos relacionados ao projeto do trem-bala. No comando da área de transportes de Campinas, além de cuidar do trem-bala, Bittencourt tratou de aumentar vertiginosamente a arrecadação de sua pasta. Entre 2005 e 2010, o número de multas por excesso de velocidade por radares eletrônicos em semáforos passou de 4 mil para 58 mil, um aumento de 1.400%. Os radares, instalados na gestão de Bittencourt, são operados por um consórcio, do qual faz parte a empresa Engebrás. O contrato com a Engebrás é investigado por uma CPI na Câmara de Vereadores de Campinas depois de uma denúncia em que um representante da empresa foi flagrado negociando propinas com uma prefeitura do Rio Grande do Sul. A CPI já descobriu que a Engebrás atuava em Campinas sem ter contrato.

A administração da área de transportes de Campinas por Bittencourt foi o foco de várias outras irregularidades. Ele foi condenado três vezes pelo Tribunal de Contas de São Paulo por problemas na contratação de serviços de uma empresa para a sinalização de ruas e avenidas. Funcionários da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) também acusaram Bittencourt de tê-los constrangido a distribuir material de sua campanha para deputado estadual em garagens de ônibus durante o expediente de trabalho. Em sua passagem pela prefeitura de São Paulo, Bittencourt já exibira métodos de trabalho igualmente questionáveis. Sob as ordens de Jilmar Tatto, então secretário de Transportes, recebeu a incumbência de disciplinar a relação da prefeitura com os empresários de ônibus, que haviam sido chamados pela então prefeita, Marta Suplicy, de “gângsteres”, em 2003. Bittencourt cumpriu a missão, mas foi acusado de ajudar a formar cartéis de ônibus na cidade. No ano passado, foi condenado pela 3a Vara da Fazenda Pública da capital por improbidade administrativa. O juiz entendeu que Bittencourt favoreceu uma empresa de ônibus em uma licitação enquanto ele era presidente da SPTrans em São Paulo e determinou a cassação de seus direitos políticos.

Bittencourt está recorrendo da decisão. Por e-mail, ele disse que é “uma das maiores autoridades em transporte reconhecidas no país”. Afirmou também que não participou de qualquer comissão do governo federal para estudos, licitação ou implantação do trem-bala. Reconheceu, no entanto, que o trem-bala foi uma das suas bandeiras de campanha à Assembleia Legislativa em 2010. Ele disse que as denúncias de uso da máquina pública para fazer campanha foram arquivadas pelo Ministério Público.

Uma testemunha da investigação feita pelo Ministério Público em Campinas afirma que parte do orçamento da pasta sob comando de Bittencourt tinha o mesmo destino que os milhões desviados da Sanasa. Segundo a testemunha, uma vez por mês, Dr. Hélio e seus secretários – Bittencourt, entre eles – se reuniam em um hotel de São Paulo com Armando Peralta. Peralta era um dos donos da NDEC, empresa de publicidade que, em 2004, foi usada para pagar os serviços do marqueteiro João Santana para a campanha de Dr. Hélio. (Uma conversa de Santana com Dr. Hélio também foi flagrada pelos grampos da investigação do Ministério Público. Nela, o prefeito faz gestões para que a presidente Dilma Rousseff visite um estande de uma empresa chinesa durante sua viagem à China.) A NDEC atuou também na campanha de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo em 2000 e é acusada de ter participado de fraudes em contratos com o governo de Zeca do PT em Mato Grosso do Sul, entre 1999 e 2007.

Segundo testemunha do MP, esquema em Campinas
teria saldado dívidas de quatro campanhas

Na campanha de Dr. Hélio, segundo relatos de um dirigente nacional do PT e de uma testemunha do Ministério Público, Peralta atuou como emissário de José Dirceu e do empresário José Carlos Bumlai, grande pecuarista e amigo próximo do ex-presidente Lula. A missão de Peralta era recolher o dinheiro que Bumlai e Dirceu conseguiam levantar junto a empresários para a campanha de Dr. Hélio. Terminada a eleição, Peralta, segundo a testemunha do MP, passou a gerenciar o recolhimento do dinheiro desviado de Campinas. O dinheiro teria sido usado para saldar dívidas de campanha contraídas pelo PT na campanha municipal de 2004 em quatro cidades: Campinas, Ribeirão Preto, Piracicaba e Curitiba. Dessas quatro cidades, o partido sagrou-se vitorioso apenas em Campinas, o que explicaria o volume de dinheiro desviado na cidade.

Peralta e Bumlai são investigados pelo Ministério Público. Mário Sérgio Duarte Garcia, advogado de Bumlai, afirma que “não há veracidade na versão do envolvimento de Bumlai” no caso de Campinas e que seu cliente já explicou tudo em depoimento ao Ministério Público. Diz ainda não saber se ele mantém relação com José Dirceu e que nunca ouviu falar em Peralta. O escândalo provocou tensão na cúpula nacional do PT. José Dirceu disse que não faz parte da investigação do MP, mas fez algumas reuniões em Campinas logo depois que o escândalo estourou. Lula defendeu publicamente Dr. Hélio: “Estou de saco cheio de ver companheiros serem acusados, terem a família destruída, e depois não ter prova (contra eles)”. A movimentação petista, o material apreendido e os depoimentos de testemunhas sugerem, porém, que os interesses do partido na administração de Campinas são antigos, consistentes e vão muito além dos limites do município.

reprodução/Revista Época
 
Fonte: Revista Época

Um comentário:

  1. Parabens, Doc... Agora que desenhastes, impossível alguém dizer que nao entende o assunto.
    Beijos

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