terça-feira, 11 de outubro de 2011

MAIS UM ABSURDO (By Marco Sobreira)


Já comentei aqui que depois de muita luta, incontáveis justificativas, consegui finalmente a autorização para contratação de plantonistas para o período diurno no nosso PAM, assim de segunda a sexta-feira temos dois plantonistas, acreditem, é um avanço e com isso diminuímos a carga de trabalho para os colegas que passaram a fazer um atendimento de melhor qualidade.

Ontem, 10/10/11, às 8:30 h fui avisado pela enfermagem que um dos plantonistas ainda não tinha chegado, imediatamente liguei para a médica, por sinal grande amiga, que me informou que estava chegando e que me daria as devidas explicações. Assim que chegou, me fez o relato do que aconteceu e faço questão de aqui reproduzir para que os leitores do blog entendam o porque de minha descrença e crescente decepção com os serviços de saúde  que é oferecido à população.

Me disse a colega que estaria de folga no final de semana e tinha planejado aproveitar o domingo para curtir o neto quando recebeu telefonema da Secretaria de Saúde de um pequeno municipio do sudoeste do estado, pedindo, ou melhor implorando para que ela pudesse fazer o plantão de domingo, pois estava sem plantonista para o hospital e maternidade da cidade. A principio alegou que não poderia ir mas ao perceber o desespero da secretaria resolveu fazer o plantão, e o neto ficaria para outro fim de semana, abandono comum aos mais queridos na nossa profissão. Não imaginava o que a esperava.

Prosseguiu contando que o plantão corria como sempre, muito atendimento mas até que poucos casos de urgência ou emergência, até que lá pelas 16 h chega uma jovem em trabalho de parto, sentiu um frio na espinha ao constatar a gravidez de gêmeos e o que é pior, com 28 semanas, ou seja, prematuros de aproximadamente 6 meses. O trabalho de parto estava adiantado e não tinha como transferi-la para uma maternidade com Utin, a mais próxima estava em Cachoeiro de Itapemirim, há 50 km de distância. Sozinha, sem pediatra para atender aos recém-nascidos, apenas com o auxilio da técnica de enfermagem preparou-se para o pior.

O parto evoluiu bem e logo nasceram os gêmeos, como se era de esperar, ambos com insuficiência respiratória, tratou de fazer o que podia, aspirou-lhes as secreções , colocou-os num berço aquecido, solicitou oxigênio e para sua surpresa e indignação foi informada que o mesmo tinha acabado e que a direção do hospital não conseguira repor os cilindros. Logo um dos gêmeos foi a óbito e desesperada solicitou a ambulância do SAMU para transferir o outro, informada que a ambulância viria da capital, que ficava a 95 km. A esta altura, alguém lembrou que na ambulância tinha um pequeno cilindro de oxigênio, o que de alguma forma, melhorou um pouco as chances de sobrevivência da outra criança.

Para não me alongar muito, sei que a esta altura a indignação também toma conta de você que lê esse desabafo, quero dizer que após 6 horas de espera o segundo gêmeo também faleceu sem que a esperada ambulância UTI chegasse ao hospital.

 Podemos então tirar algumas conclusões, primeiro que não se admite mais que em pleno século XXI, continue em funcionamento maternidades sem uma equipe completa de obstetras, pediatras e no mínimo, anestesista de plantão, mas devo informar lamentavelmente que é o que mais existe no interior desse nosso país. Com a insensatez de prefeitos que por apenas interesses eleitoreiros, criam essas maternidades que, sem a devida estrutura acabam ocasionando situações como a descrita aqui e apesar da colega em questão ter grande experiência em obstetrícia, o comum é que plantonistas que nunca fizeram um parto sejam obrigados a passarem por situações semelhantes.

 Segundo, como justificar a falta de oxigênio em pleno final de semana no único hospital da cidade? Aqui fica claro a irresponsabilidade, a burocracia e o amadorismo dos gestores que em hipótese alguma poderiam deixar faltar o oxigênio, indispensável em qualquer hospital.

 Terceiro, fica evidente a falta de médicos e com certeza o baixo salário e as péssimas condições de trabalho que certamente afastam os profissionais desse tipo de trabalho. Dinheiro algum paga o stress sofrido pela colega e muito menos as vidas perdidas.

 Finalmente, que serviço de ambulância de emergência (SAMU) não funciona, na maioria dos casos, ou não vai ou não chega a tempo de salvar a vida do paciente, no interior então, nem pensar. Vamos falar sério amigos, um socorro a 95 km de distância? Isso é brincar com a vida alheia.

Concluo com a certeza que mais do que tudo o que foi dito acima, fica evidente que a saúde não é tratada como prioridade no Brasil, absurdos como esse infelizmente deve acontecer todos os dias nessa república de gestores incompetentes, descompromissados com a vida daqueles que têm que recorrer ao nosso serviço público de saúde, com o agravante de que nada indica que as coisas vão melhorar, episódios como esse cairá no esquecimento, ninguém será responsabilizado e muito menos punido, até que a indignação chegue a um ponto tal que a população se revolte e tome em suas mãos a responsabilidade de um país melhor e mais justo, até lá, que Deus nos proteja.

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