domingo, 20 de novembro de 2011

DOS CAFEZAIS AOS ROYALTIES, PERDAS INCALCULÁVEIS ( Rombo de R$ 4,3 bi )

Arthur Carlos Gerhardt dos Santos, ex-Governador - Editoria: Economia AG - Foto: Gildo Loyola

Velhas e novas ameaças
Arthur Carlos G. Santos, Governador entre 1971 e 1975

Quais foram os impactos da erradicação dos cafezais no Estado?
Foram enormes, houve uma queda muito grande da receita, algo perto de 60% de nossas receitas vinhas do café. Mas essa queda do café já vinha acontecendo antes da erradicação. A quantidade de empregos perdidos com a decadência do café arábica no Sul do Estado foi enorme. Fazendas que antes mantinham 200 famílias empregadas estavam com três, quatro famílias em 1960. Era um plantio sem tecnologia, enquanto a terra era boa, havia produtividade, depois decaía. Foi algo paulatino, que culminou na erradicação, um programa elaborado pelo governo federal para acabar com os cafezais improdutivos e substituí-los por culturas produtivas.

O golpe da erradicação foi mais duro que os golpes que o Estado pode tomar agora?
Muito pior, imagine ter que dar emprego para todas aquelas pessoas que não tinham mais o que fazer na lavoura, mas saímos fortalecidos. Veja que nossa economia se diversificou com a entrada da indústria, e o próprio café viu sua produtividade aumentar muito. Antes só se plantava arábica, hoje, só se planta arábica acima de 400 metros. O resto é conilon. Até a década de 60, com uma grande área ocupada, produzíamos, quando muito, 2 milhões de sacas/ano. Hoje, numa área bem menor, passamos de 11 milhões de sacas.

Então a saída foi a diversificação?
Primeiro, com o conilon, reavivamos a cultura do café. A outra saída foi transformar a composição do PIB do Estado, com mais peso para indústria e serviços. O desafio era trazer capital de fora, já que aqui não tinha, para que isso acontecesse. Observe que Aracruz Celulose, CST, Vale, todas elas, ou têm capital estatal ou de fora. Sabíamos que essas âncoras atrairiam outras, o clima estaria criado.
Qual a saída para os problemas de hoje?
Traria mais empresas. Elas gerariam mais emprego, renda e mais arrecadação. Uma hora o petróleo acaba, mas a inteligência, a estrutura técnica, fica. Há capital sobrando no mundo, temos de trazê-lo para cá.

Os capixabas vivem neste momento sob a ameaça de perderem, de uma só vez, parte dos royalties pagos pela extração de petróleo e o Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap). Somados os rombos, as perdas se aproximariam, já em 2012, de R$ 4,3 bilhões, muito para um Estado cujo orçamento global em 2011 foi de R$ 12,8 bilhões.

Claro que ainda há espaço de manobra e que as perdas, caso venham a existir, nem sejam tão grandes, mas mesmo assim é bom olharmos para trás para aprender com uma história que completa 50 anos: a erradicação dos cafezais. Assim como hoje, no início da década de 60, os capixabas viviam sob tensão, sob uma ameaça ainda maior, também vinda de Brasília, e que depois veio a se confirmar. Dessa história, o Estado saiu com algumas sequelas, mas bem mais forte do que entrou.

A erradicaçãoDo século XIX até a década de 60 do século XX, o Espírito Santo vivia numa economia pouco dinâmica e extremamente dependente do café. Em 1960, 68,1% da população economicamente ativa do Estado vivia do setor agrícola e a lavoura cafeeira era responsável pelo emprego de 80% da população ocupada nesse segmento.

Na segunda metade da década de 50, a sequência de supersafras determinou uma forte queda dos preços do café, de US$ 86,83 em 1954, a saca chegou a US$ 39,24 em 1962. Diferente de outros anos, quando o governo federal chegou a queimar milhares de sacas para reduzir o estoque e, portanto, a oferta de café, a União decidiu por erradicar os cafezais até que a capacidade produtiva e as safras colhidas se equiparassem às necessidades do mercado consumidor.

Entre julho de 1962 e maio de 1967, 53,8% do cafezal capixaba, algo perto de 300 milhões de pés, foi destruído, deixando 60.394 pessoas sem emprego. Calcula-se que, por conta da erradicação, 200 mil deixaram a zona rural do Espírito Santo, vindo para a Grande Vitória ou saindo do Estado, gerando grave crise social.

Esses números evidenciam a força do golpe que o Estado tomou. "Apesar dos valores de hoje serem altos, a crise causada pela erradicação foi muito mais grave. Na década de 60, nossa economia era precária, dependente do café. Com a erradicação, vimos nossa principal atividade quase acabar. Hoje, o problema é muito mais fiscal, afinal, o petróleo, o gás, as mineradoras, as siderúrgicas, a celulose e toda a cadeia delas continuarão", opina o economista Orlando Caliman.

Haroldo Correa Rocha, coautor do livro "Cafeicultura & Grande Indústria: a transição no Espírito Santo", junto com a também economista Angela Morandi, volta mais de 300 anos e traça um paralelo entre as crises de hoje e de ontem.
"No século XIX, com a descoberta de ouro em Minas Gerais, viramos a barreira verde, tudo para que ninguém acessasse as jazidas. Foram 200 anos perdidos. O Estado poderia ter se transformado num importante entreposto comercial. Depois veio a erradicação, também decisão unilateral. Agora, União/Congresso querem o fim do Fundap e retirar parte dos royalties. A compensação não chega nem perto do prejuízo".

Saída

No caso da erradicação, as compensações só vieram depois de muita lamúria capixaba em Brasília. O Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo (Funres) só foi instituído em 1969, dois anos depois do fim da erradicação. Criado em 1971, o Fundap é um dos mecanismos para fomentar a economia local.

Com incentivos e financiamentos, o Estado diversifica sua economia. Em 1978, a Aracruz Celulose começa a operar. Em 1983, a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) é inaugurada. Com a expansão das atividades da Vale, com as usinas de pelotização e o porto de Tubarão, também nesse período, está estabelecida a base da indústria capixaba que vigora até hoje.

Diante das ameaças, o professor de Economia da Universidade Fedeal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Villaschi propõe uma olhada no passado para inspirar o futuro. "Na década de 60, a indústria movimentava a economia. Hoje, é o conhecimento. Veja a Apple. Assim como no passado, temos de reivindicar compensações, mas desta vez temos de brigar pela educação. No país, não é assim, mas o capixaba pode trilhar um caminho diferente".


Abdo Filho - A Gazeta

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