domingo, 20 de novembro de 2011

AS ALEGRIAS DE UM APOSENTADO ( João Batista Herquenhoff )

João Baptista Herkenhoff

Nem todas as pessoas reagem da mesma forma diante da aposentadoria.Alguns celebram este fato com alegria, o que me parece muito salutar. Outros recebema aposentadoria como epílogo, com um certo sofrimento, atitude que não é deforma alguma aconselhável. De minha parte tive um sentimento de vazio quando meaposentei de todo. Senti-me desprovido de uma identidade profissional. Depois superei este sentimento, como vou contar nesta página.
Ao preencher a ficha de um hotel, em Santa Catarina, diante do ítem profissão,acudiu-me a dúvida. Que profissão vou colocar aqui? Juiz aposentado, professoraposentado? Isto não é profissão. A condição de aposentado não desmereceninguém. Pelo contrario, é muito honroso conquistar uma aposentadoria apósdécadas de trabalho. Contudo, a situação de aposentado não define umaprofissão.
Instantaneamente veio a inspiração e escrevi: Professor itinerante.Não que já fosse realmente um professor itinerante, mas aquela auto-constataçãotraçou para mim um roteiro pós-aposentadoria: eu seria um professor itinerante.

É isso que tenho sido. Ando a rodar pelo meu Estado e pelo Brasilministrando seminários e proferindo palestras. Nessa minha itinerância percorritodos os Estados brasileiros, exceto Tocantins e Amapá.
As palestras têm abrangido um leque variados de assuntos: Literatura,Direito, Ética, Experiência de vida.

Se o aposentado sentir-se feliz, sorvendo simplesmente aaposentadoria, essa atitude não merece qualquer reparo. Ele fez jus ao que sechama ócio com dignidade (otium cum dignitate).
O pedagogo tcheco Comenius ensina:
 “No ócio, paramos parapensar. Ou seja, no ócio paramos externamente para correr no labirinto doautoconhecimento, para investigar nossa condição de seres humanos. Não se tratade passar o tempo, de perder o tempo, mas de penetrar no tempo (no instanteeterno) para mergulhar no essencial. Não é tempo perdido, é sagrado econsagrado. Tempo humanizador.”
Usei o verbo no presente do indicativo – Comenius ensina, e não nopassado – Comenius ensinou, embora se trate de um escritor morto, porquea sabedoria não morre.

Se quem se aposentou pode desfrutar da aposentadoria serenamente e comespírito livre, numa situação inversa haveremos de ponderar que a aposentadorianão tem de, necessariamente, marcar um encerramento de atividades.

É também saudável continuar trabalhando se essa atividade suplementartraz alegria. O aposentado tem experiência e pode transmitir experiência, o queresulta num benefício para a sociedade.
Triste é constatar que, em algumas situações, a aposentadoria éinsuficiente para os gastos da pessoa e de sua família obrigando o aposentado atrabalhar para complementar o parco benefício que lhe é pago.
Nestas hipóteses,estamos diante de uma injustiça, de um grande desrespeito ao valor do trabalhoe à dignidade da pessoa humana.

Os pífios proventos, que castigam algumas categorias de aposentados,atentam contra a Constituição Federal, pois que esta assegura aos aposentadosem geral a irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, parágrafo único,inciso IV). Sempre que se aumenta a diferença entre o que ganham ativos einativos agride-se a Constituição na sua letra e no seu espírito. Se nossocorrem os princípios de Justiça Social que alimentam a Constituição, jamais aAdministração discriminará o aposentado, mormente no que se refere a proventos.Se alguma diferença devesse ser estabelecida entre ativos e inativos seria paraaquinhoar com favorecimento os inativos, uma vez que a idade provecta criagastos com saúde que normalmente não alcançam os servidores mais jovens.
No meu caso não continuei trabalhando para suplementar renda, mas simpara atender um apelo existencial.

Gosto de viajar, não tenho medo de avião, alegra-me conhecer lugares epessoas, minha mulher também gosta e aí vamos nós, dois aposentados, desbravandoo Brasil.

João Baptista Herkenhoff,75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estáciode Sá do Espírito Santo e escritor. Autor de: Mulheresno Banco dos Réus (Forense, 2008), Dilemasde um juiz, a aventura obrigatória (GZ Editora, 2009) e Filosofia do Direito (GZ, 2010).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

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