sábado, 23 de abril de 2011

DINHEIRO VAI ROLAR MAIS QUE A BOLA.

Não é de hoje que as autoridades têm tratado com um misto de condescendência e bazófia as críticas à lentidão das obras necessárias para a realização da Copa do Mundo em 2014. Quando o assunto é tratado pela mídia, com base em levantamentos sérios, como o divulgado há dias pelo Ipea, ministros e altos funcionários falam como se tivessem trunfos escondidos na manga da camisa. E, pouco a pouco, eles são colocados na mesa. Como se não bastasse a Medida Provisória 497, aprovada no ano passado, pela qual foi concedido regime especial de tributação - ou seja, isenção de impostos - para a aquisição de bens ou serviços destinados à construção, ampliação e modernização de estádios, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012 abre uma nova brecha, esta ainda mais perigosa. O projeto da LDO, encaminhado ao Congresso no último dia 15, visivelmente fora de sintonia com o propósito expresso do atual governo de cortar gastos, prevê tratamento especial para obras públicas relacionadas a eventos especiais (leia-se Copa do Mundo e Olimpíada), como aeroportos, estradas e metrôs, para que elas possam ser tocadas com mais agilidade e não sejam interrompidas a todo momento. É justamente o que as empreiteiras queriam: se não forem inteiramente dispensadas, as licitações serão feitas a toque de caixa, não podendo as obras ser embargadas pelo Tribunal de Contas da União, se surgirem fundadas suspeitas de irregularidades.


Pode ser até que o País não passe vexame perante os estrangeiros por não ter daqui a três anos a infraestrutura necessária para a realização do megaevento esportivo. Mas a forma como os preparativos vêm sendo feitos já são, em si, uma vergonha para os brasileiros. E vai certamente doer nos seus bolsos. Mesmo com o regime especial de tributação, as obras tenderão a ser muito mais caras, pois, sem controle adequado, abre-se espaço para os abusos e para a corrupção. E, com a inflação rondando, não será novidade se as empreiteiras pleitearem reajustes milionários. Já se viu esse filme.

Com o açodamento que se segue à perda de tempo, é previsível que sejam feitas obras de carregação, que precisarão, logo depois, de reparos ou reformas. Não será surpresa também se vierem por aí esquemas engenhosos para cobrir extravagâncias. Afinal, como os gastos de custeio da máquina oficial são considerados "incomprimíveis" e como o governo se reservou R$ 37 bilhões, pela LDO, para despesas discricionárias, com liberdade plena para gastar, é provável que uma boa parte disso acabe indo para as obras da Copa, além, claro, daquelas incluídas no PAC. Se assim for, para produzir um superávit primário de 3% do PIB, o governo não conseguiria resistir à tentação de onerar ainda mais os contribuintes.

Além disso, em uma fase de contenção do crédito, o BNDES criou uma linha de crédito de R$ 3,6 bilhões, destinada a projetos de construção ou reforma de estádios. São exigidas garantias, sendo aceita a associação entre clubes de futebol ou governos estaduais com empresas privadas. Mas, com a premência de tempo, já há pressões para que o banco afrouxe as exigências e eleve as suas disponibilidades para atender à demanda, dado o alto custo da construção de modernos estádios cobertos.

Evidentemente, tudo isso está ligado a objetivos político-eleitorais. Os detentores do poder nos três níveis de governo tentarão extrair o máximo possível de dividendos eleitorais da Copa nas eleições municipais de 2012 e no pleito de 2014.

Não se pode deixar de lembrar que a decisão da Fifa de realizar o evento no Brasil foi tomada em outubro de 2007 e, fora as comemorações dessa "vitória", os governos, a CBF e os clubes cujos estádios vão sediar os jogos não fizeram nada até 2010, quando começaram a fluir as benesses. Dizia-se, até então, que os projetos mirabolantes seriam tocados basicamente sem um tostão dos governos. O dinheiro público deveria ser destinado a fins mais úteis à sociedade, e não na organização da festa da pátria de chuteiras. O que se vê na prática é que o dinheiro público para a Copa começa a rolar. E vai rolar muito mais.

Fonte: O Estadão

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