segunda-feira, 25 de abril de 2011

OPÇÃO PELO EMERGENTE.

Aécio Neves pisou na bola do PSDB, desperdiçando numa contravenção de trânsito o suposto capital político acumulado em cima do muro na recente campanha presidencial. Penalizou o partido inteiro no ato de difícil explicação, porque tocou diretamente nos sentimentos da maioria, que se ressente quando em face de atos dos que se acham mais iguais e acima das obrigações da lei e dos bons costumes. O mais inocente dos políticos dificilmente se recupera, na escala necessária, de deslizes como esse. Não foi melhor para o PSDB a debandada dos vereadores paulistanos que o deixaram nestes dias. Em princípio, não parece nada, dada a pouca relevância que o mandato municipal, seja do PSDB seja do PT, tem tido numa conjuntura política dominada por concepções do grande poder. Os vereadores escaparam para o terreno mais seguro, que lhes é próprio, o do pequeno poder local na lógica de província.


Mas o PT também tem o que temer e penar. A linha ideológica do PT de governo, oposta à do que foi o PT de oposição, vem se revelando gradativamente. Nesta semana, ganhou uma confirmação na posição de Lula, em reunião fechada de seu partido, de que o PT deve buscar alianças à direita, entre os órfãos do malufismo e do quercismo, e deve tentar atrair a “nova classe média”. Uma confirmação de que Fernando Henrique Cardoso, em seu artigo sobre “O papel da oposição”, da semana anterior, acertara na mosca, ao apontar um campo de possibilidades para o PSDB e, portanto, o calcanhar de Aquiles do PT.

Lula repõe, assim, na agenda do país, o denso texto de FHC e as ponderações ali contidas, no sentido de que o PSDB deixe de lado a meta de disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais, ou o povão. E se dedique à compreensão da nova classe média, a do Brasil que está mudando, e ao diálogo com ela, suas idéias e suas demandas. Na verdade, o artigo do ex-presidente vai muito além da crítica à ação política de conquista do chamado “povão”. Até porque, fica ali claro, “povão” é uma concepção depreciativa da categoria política “povo”. Que Lula não tenha compreendido a distinção subjacente às duas palavras de sentido oposto já é munição para o PSDB enfrentá-lo e enfrentar o PT. “Povo” é categoria relativa ao cidadão, ao sujeito democrático de direito, enquanto “povão”, no subjacente populismo manipulador, é categoria antagônica ao cidadão, porque massa de manobra da demagogia de palanque. É justamente no território dessa diferença que incide, mais do que a opinião de FHC no texto mencionado, a doutrina política que ele encerra e a teoria política que contém.

O documento sublinha a centralidade que a vida cotidiana vem crescentemente tendo na política contemporânea e a reformulação do fazer política que ela implica. O terreno da prosperidade ideológica do PT tem sido justamente o do cotidiano e suas carências, cuja rentabilidade eleitoral foi multiplicada pelo acesso ao poder e aos recursos extensamente utilizados para atrelar a sociedade ao Estado e ao partido. Para isso, o PT no governo teve que abdicar progressivamente dos valores de referência que lhe haviam aberto e aplainado o caminho do poder. A diferença na proposição de FHC é que destaca a importância de incorporar o cotidiano, suas necessidades sociais e sua consciência social peculiar, a valores, fazer a articulação que remeta à dimensão histórica do projeto político, isto é, a dimensão transformadora. Portanto, uma trajetória oposta à do PT. Enquanto o PT abre mão dos valores contidos no marco propriamente histórico de sua ascensão política, o PSDB deveria situar sua ação política no marco do que é histórico e dos valores, do que é historicamente possível e necessário, do próprio ponto de vista da consciência popular. O partido como ponte entre a crua realidade das carências do dia a dia e os valores supracotidianos que dão sentido aos anseios sociais de mudança.

Enquanto o PT se deixa puxar para baixo nas concessões sem alcance histórico da consciência popular, FHC propõe que o PSDB puxe o povo para cima, para o elenco dos valores que afirmam a realidade e a possibilidade da mudança social e política. Nessa perspectiva, o cotidiano de referência do PT é o cotidiano da mera reprodução social, o da mera repetição, o das carências mínimas da sociedade. Enquanto o que FHC propõe ao PSDB é administrar a tensão histórica entre a repetição e a transformação, entre a permanência e a mudança, superando as carências mínimas em favor das possibilidades máximas do momento histórico. Pode-se dizer que enquanto a orientação do PT no poder se configurou como esquerdista, isto é, ritual e ideológica, a que desafia o PSDB é a propriamente social-democrática, isto é de esquerda, histórica e transformadora na circunstância atual.

No artigo de Cardoso, há um retorno à dialética, ou melhor, à sua explicitação, numa proposta de ruptura, e superação, com as tendências do repetitivo na política brasileira. A questão é saber se o PSDB tem condições de superar suas divisões para superar-se. Publicado em O Estado de S. Paulo [Caderno Aliás, A Semana Revista], Domingo, 24 de abril de 2011, p. J3.
 
Fonte: José de Souza Martins - Professor Emérito da Universidade de São Paulo

Um comentário:

  1. Mercia Maria Almeida Neves25 de abril de 2011 às 14:22

    Marcos creio que advém essa mudança genérica consquência também de valores,valores que são sistematicamente criticados pela sociedade, onde as Leis e o governo apoiam, onde nem sabemos quando começa e termina a liberdade do indívduo.
    O PT se alia a estas pessoas,FHC é o oposto do que está ai,certeza.
    Eles roubam, traem mentem, na memsa naturalidade que é viver, viver.Com o resgate dos valores, penso sim que o FHC volta, é mesmo trabalhar isto em todos os setores da sociedade. Creio que que o PT nunca mais vamos por ai, s queremos uma sociedade transformada.

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