segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O PROBLEMA DA SAÚDE PÚBLICA NÃO É SÓ DINHEIRO.

Especialistas são contra criação de imposto e dizem que apenas injetar recursos não resolve a questão, que passa por melhoria de gestão

Pelas contas do governo federal, o Brasil precisa incrementar os investimentos na área da saúde em R$ 45 bilhões por ano, se quiser começar a correr atrás de um prejuízo que o fez assumir o 72ª lugar em gastos per capita no ranking da Organização Mundial da Saúde, em 2008.

A primeira saída apontada pelo próprio governo, na semana passada, foi a criação de um novo imposto, nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF. A proposta chegou a ser anunciada pela Ministra das Relações Institucionais Ideli Salvatti, mas, depois, foi descartada. Não se sabe, porém, se essa foi apenas a sinalização de uma proposta que pode ser formalizada em breve.

foto: Gustavo Louzada
Pacientes no corredor do Hospital Dório Silva, em Laranjeiras - Foto: Gustavo Louzada
Pacientes no corredor do Hospital Dório Silva, em Laranjeiras: investimento per capita, em 2008, no Brasil, girava em torno de U$ 317 - bem abaixo da média mundial, de U$ 517
A princípio, o novo imposto começaria a valer já no próximo ano. Especialistas em financiamento da saúde e tributaristas, porém, defendem que a solução para o problema que leva a população a enfrentar hospitais superlotados, por exemplo, precisa passar, primeiramente, pela melhoria na gestão dos recursos.

Atualmente, o Brasil investe R$ 71 bilhões na área da saúde (previsão para este ano). O investimento per capita, em 2008, girava em torno de U$ 317 - bem abaixo da média mundial, de U$ 517. Durante o período em que vigorou, entre 1997 a 2007, porém, o imposto que prometia injetar mais de R$ 36 bilhões por ano nas contas de Estados e municípios não promoveu mudanças substanciais nos serviços de saúde. Por isso, é difícil afirmar que um novo imposto será capaz de nos colocar em condição favorável, aponta o especialista em financiamento da saúde, Gilson Carvalho.

"As melhorias na saúde dependem de mais recursos financeiros, sim, mas também de melhoria na eficiência da gestão, da diminuição da corrupção, do cumprimento do modelo SUS e de mudanças nas condições gerais do Brasil. As soluções para os problemas de Saúde são de múltiplo caminho", afirma.

Vantagem

Quem compartilha dessa opinião é a presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, Ana Paula Vescovi, que aponta, também, para uma vantagem que o sistema de saúde brasileiro tem em relação a outros países: "O banco de dados do SUS, conhecido como Datasus, pode fornecer aos gestores parâmetros precisos sobre a situação da saúde e ajudar a direcionar os investimentos. Mas, hoje, ele ainda não é utilizado dessa forma, para avaliar o que já se tem de avanços. De que adianta captar mais recursos e não saber onde aplicá-los? De que adianta conseguir mais R$ 10 mil para a realização de mais 20 exames, sem saber que impacto esses 20 exames terão na melhoria da saúde da população?", questiona.

Ana Paula lembra que o crescente envelhecimento da população deve onerar ainda mais o setor público. Para 2050, a previsão é de que 28% da população brasileira tenha mais de 60 anos. "E a melhor forma de prevenir um colapso ainda maior no sistema de saúde é fazendo a reforma tributária", sugere.

Repasses

Pela legislação, os Estados e municípios devem destinar, pelo menos, 12% e 15%, respectivamente, dos recursos provenientes de impostos para a saúde. A União tem o valor determinado a partir do crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB), não fixado. Essa não fixação, segundo gestores da saúde, é um dos maiores entraves para a melhoria de investimentos pelas redes de saúde estaduais e municipais.

No Espírito Santo, o secretário Estadual de Saúde, Tadeu Marino, defende a aprovação da Emenda Constitucional 29, que tramita no Congresso Nacional prevendo a destinação de 10% das receitas correntes brutas da União para o financiamento da saúde. Além disso, sugere o aumento do repasse da União aos Estados. "Atualmente, a União financia cerca de 40% dos custos da saúde no Espírito Santo. Os outros 60% são custeados pelo governo estadual. Essa divisão deveria ser, no mínimo, igualitária. O valor a mais representaria cerca de R$ 200 milhões por ano", explica.

Esse dinheiro, segundo Marino, poderia ser empregado na área que mais exige recursos no Estado: a rede de urgência e emergência, de média e alta complexidade. "Um incremento no orçamento poderia ser utilizado para ampliar a oferta de leitos ambulatoriais e de UTI, além de aumentar o número de exames e procedimentos mais complexos. Também poderia ser enviado aos municípios, para reforçar a assistência à saúde básica".

Ele, porém, se diz contrário à criação de um novo imposto. Mesmo gerindo um orçamento anual de apenas R$ 1,4 bilhão, defende que a equipe econômica do governo deve encontrar meios de arrecadar mais recursos sem penalizar a população. Opinião partilhada por quem acredita que é preciso otimizar os gastos públicos, e não aumentá-los.

"É preciso condicionar a aplicação dos recursos aos resultados para a população. Estabelecer regras de eficiência, sabendo medir o impacto de tudo aquilo que sai do bolso da população. O governo federal já deu mostras de que entende a importância disso, só falta incentivar a criação dos parâmetros de saúde", diz Ana Paula Vescovi.
Cinco medidas
1 É preciso criar parâmetros - hoje inexistentes - para avaliar o resultado dos investimentos já feitos em sáude e os impactos a médio e longo prazo

2 Essas informações poderiam contribuir para a melhoria da gestão dos recursos por parte de estados e municípios. Seria possível, por exemplo, direcionar mais investimentos para a compra de leitos ou para o Programa Saúde da Família

3 Estima-se que mais de R$ 2,3 bilhões foram desviados do orçamento da saúde, entre 2002 e 2011, em todo o país. Apesar de representar menos de 1% do total investido pelo governo federal, esse valor é quase 5 vezes maior que o valor repassado ao Espírito Santo em 2010

4 O repasse da união para o Espírito Santo corresponde a cerca de 40% do total de investimentos do Estado. O governo estadual defende que esse percentual chegue a 50%

5 A reforma da Previdência é uma das formas de garantir que os investimentos em saúde podem ser menores no futuro. O aumento da expectativa de vida tende a onerar ainda mais a saúde caso não haja planejamento

Análise
"Gestão é que precisa de reforma"

João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
De acordo com a Constituição Federal, no artigo 194, a saúde está inserida no conceito de seguridade social, assim como a previdência e a assistência social. E os recursos para o financiamento da seguridade social provém da arrecadação do INSS, da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) e da Confins. Mas esses tributos nunca foram destinados à saúde, mesmo estando previsto em lei. Por que, então, criar uma nova forma de arrecadação de impostos? De 2007 a 2010, desde quando a CPMF foi extinta, o aumento real de arrecadação desses impostos, que deveriam ser revertidos em recursos para a saúde, foi de 18%. Onde foi parar esse dinheiro e o dinheiro da CPMF? Para a saúde é que não foi. O problema crônico que temos hoje nessa área não vai ser resolvido apenas com mais dinheiro. Precisa, antes de mair nada, haver uma melhoria da administração dos recursos públicos. É ela que precisa de reforma. A diferença entre a CPMF e o imposto que se propõe agora é apenas o valor da alíquota, que antes era de 0,38% e, agora, seria de 0,10%. A arrecadação da CPMF ficava em torno de R$ 36,5 bilhões anuais. Por meio de um cálculo proporcional, podemos dizer que teremos uma arrecadação de cerca de R$ 13,8 bilhões anuais com o recolhimento do novo tributo. Para o governo, isso representará algo em torno de 1,09% de toda a carga tributária do país. Ou seja, muito pouco. Para o cidadão, porém, certamente fará toda a diferença."

Fonte: A Gazeta

 

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