O trabalhador que paga uma contribuição todos os meses para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) imagina que terá uma aposentadoria tranquila e, a qualquer problema de doença, será assistido pelo governo no período em que não puder trabalhar. Mas é na hora em que ele mais sofre, por dores nas costas ou por não conseguir se locomover ou enxergar direito, que enfrenta um verdadeiro calvário chamado perícia médica.
O drama das perícias não é novo, mas o problema é que pouco se faz para resolvê-lo. Isso cria uma verdadeira bola de neve na vida das pessoas e também nos processos da Justiça. São poucos peritos para atender e os que atendem fazem muitas perícias e acabam prestando um serviço ruim. Muitas vezes, após uma negativa do perito, é preciso esperar meses e até anos por uma nova avaliação. A situação no Estado é tão crítica que há até um condenado da Justiça Federal - o dono do colégio Nacional, como mostra matéria na página ao lado - realizando perícias.
Sem benefícios
Há casos em que a angústia do trabalhador começa logo no primeiro atendimento no INSS. Vagas para a perícia só em 60 ou até 90 dias. Não há especialista suficiente para atender a todos num curto prazo. Os médicos estão sobrecarregados e o estresse também pode motivar uma negativa ao trabalhador.
Indignado, o cidadão remarca novas perícias. Mais uma vez, o afastamento é negado, e pior, ele fica sem salário. Isso o leva à Justiça, onde a figura do perito volta a assombrá-lo. O motivo é o mesmo do INSS: a quantidade de avaliadores não é adequada para a enxurrada de ações.
Para se ter uma noção da gravidade do problema, em média 2,5 mil ações referentes ao INSS estão em cada Juizado Federal, no Estado. Mais de 60% questionando o laudo previdenciário.
Os segurados, no Judiciário, reclamam de descaso dos peritos. "O INSS tem medo de fraude e, por isso, coloca tanto rigor na hora de conceder o benefício. A pessoa que se sente prejudicada recorre ao Juizado, que hoje acaba funcionando como um departamento da Previdência. Apenas os casos complexos deveriam chegar até nós. Agora, estudamos um projeto de conciliação. Antes de a situação virar um processo, vamos tentar resolver a demanda com o INSS", explica a juíza Cristiane Conde Chmatalik, do 2º Juizado Cível Federal. Hoje, ela conta com uma funcionária só para agendar as perícias judiciais.
A Justiça nega mais de 60% dos pedidos, mas não é só questão de fraude. A demora é tanta que, muitas vezes, quando o trabalhador é analisado, ele já se recuperou. O problema é ter ficado tanto tempo sem salário.
O advogado do Sindicato Nacional dos Aposentados, Diogo Boechat, explica que a situação das perícias no INSS se agravou quando o órgão passou a cobrar do segurado a prova de sua incapacidade. "Parece que os peritos têm um meta de benefícios negados. O fato de a pessoa ganhar na Justiça o direito ao auxílio-doença depois de algum tempo demonstra que a Previdência comete muitos erros".
Fim da espera: laudo vai garantir auxílio
Com a situação alarmante da perícia médica, o INSS admite mudar a forma de concessão do auxílio-doença. Enquanto isso não ocorre, em alguns Estados, cabem à procuradoria Federal e à Justiça encontrar soluções.
Aqui no Espírito Santo, o Ministério Público Federal entrou na briga pelo cidadão que espera pelo atendimento, abrindo uma ação civil pública contra o INSS. No início do ano, a Justiça decidiu que a Previdência vai ser obrigada a pagar o benefício para a pessoa que esperar mais de 30 dias pela perícia e ganhar ou prorrogar o auxílio-doença.
Devido ao caos da perícia em todo o país, o INSS estuda conceder o auxílio-doença, sem perícia. "A ideia é começar concedendo benefícios mediante a apresentação de atestado médico de 30 dias. Depois, vamos ampliar para 60 e 90 dias, até chegar a 120 dias", explica o presidente do INSS, Mauro Hauschild
A mudança preocupa os peritos. "Ela tem pontos positivos. Vai desafogar a perícia. Mas, hoje, o setor funciona para evitando fraudes. É um risco que o governo vai assumir. Será preciso um sistema de concessão seguro, mostrando os segurados que terão direito a isso", explica o supervisor médico pericial do INSS no Estado, Pedro Paulo Herkenhoff.
Sobra dor e falta dinheiro
Clementino Toresani Ferreira, motorista carreteiro. Laudeci do Nascimento, trabalhador portuário. Apesar de exercerem profissões diferentes, eles enfrentam o mesmo dilema: tiveram a prorrogação do auxílio-doença negado pelo INSS. Segundo o advogado previdenciário e trabalhista Geraldo Benício, os trabalhadores estão doentes e não são aceitos de volta pela empresa.
"Não dá para entender o critério da Previdência. O perito diz que o segurado está pronto para retornar só que o médico da empresa manda o trabalhador de volta ao INSS. A situação fica insustentável para muitos trabalhadores que dependem do benefício para sobreviver".
Clementino, que estava afastado por auxílio-doença, foi reprovado na última perícia que fez, em dezembro. Em fevereiro, ele voltou ao INSS, levando laudos de quatro médicos e resultados de exames que apontam lesão grave na coluna. Novamente o benefício foi negado.
"Eu tenho um problema degenerativo que se agravou com um acidente de trabalho, em 2007. Segundo os médicos, não posso mais dirigir. A única saída para mim seria a aposentadoria, mas o INSS nega o benefício e afirma que estou apto a retornar ao trabalho. Eu posso até voltar para a empresa para atuar em qualquer cargo, pois tenho um ano de estabilidade. Mas depois disso meu patrão vai me demitir. Serei um velho, de 55 anos, doente e desempregado", desabafa.
Laudeci também é vítima de um acidente de trabalho. Como Clementino, ele também está com um problema grave na coluna. Seu afastamento do mercado existe há seis anos. No mês passado, na hora da renovação do auxílio-doença, o INSS negou o benefício. Mesmo com pouco estudo, o trabalhador foi enviado para o programa de reabilitação.
"Eles não quiseram me aposentar. Eu não consigo ficar nem sentado nem muito tempo em pé. A empresa não me aceita de volta. Fiz um curso que o INSS mandou para porteiro. No dia da prova, passei mal e não pude comparecer. Assim mesmo recebi uma carta, dizendo que fui aprovado no curso e que agora preciso voltar a trabalhar. Mas eu não tenho condições. A empresa não me aceita de volta e eu tenho sete filhos para criar", reclama.
INSS nega que houve descaso
O outro lado
Para o setor de perícia do INSS, o caso de Clementino foi analisado com toda cautela. O órgão confirma que o trabalhador está doente, mas não incapacitado. E que em 2007, o segurado renovou a carteira de motorista categoria E, por isso foi considerado apto. Mas, para evitar dúvidas, o trabalhador poderá agendar uma nova perícia. A chefia do setor se compromete a colocar o caso de Clementino nas mãos de um ortopedista. Já Laudeci, segundo a Previdência, passou por um processo de reabilitação profissional. Ele foi encaminhado para um curso de porteiro e também para o programa de alfabetização. Agora, ele realmente terá que voltar ao trabalho. O INSS explica ainda que a empresa é obrigado a recolocá-lo. No entanto, se Laudeci continuar doente, ele poderá entrar com pedido de aposentadoria por invalidez.
Minientrevista
"INSS precisa de mais 23 peritos"
Julius Ramalho, Chefe do Serviço de Saúde do Trabalhador da Previdência Social, em Vitória
Por que as pessoas esperam dois meses por uma perícia no INSS?
O perito do INSS tem muitas funções. Hoje, 65 peritos se dividem no atendimento ao público, verificando a incapacitado de trabalho; na análise de processos judiciais; na revisão de aposentadorias por invalidez; na realização de perícias domiciliares e hospitalares. A demanda é superior a nossa capacidade. Por isso, em alguns postos do INSS, existe espera de até dois meses para a perícia. Quando a pessoa ficou aguardando esse tempo, mesmo que a perícia seja negativa para o trabalhador, o INSS paga o benefício referente aos meses de espera. Isso porque algumas conseguiram melhorar até a perícia. Para não prejudicar esse trabalhador, preferimos pagar.
Quantos peritos atendem ao público?
Apenas 48 peritos, em média, ficam disponíveis para atender aos segurados. Eles fazem em média 14 perícias por dia. Hoje, realizamos 700 perícias por dia. São 15 mil vagas por mês. No entanto, devido a grande procura por benefício, temos um déficit de 23 peritos.
Como o perito verifica se uma pessoa tem direito ao auxílio-doença. Por que Muita gente doente tem o benefício negado?
Apesar de ser chamado assim, o auxílio-doença é um benefício por incapacidade não por doença. Nem sempre que uma pessoa está doente significa que ela está incapacitada. Cabe ao trabalhador provar a falta de condições de trabalhar, apresentado exames, laudos, receitas de medicação. Mesmo assim, o perito vai verificar se a pessoa tem direito ou não. Quando o benefício é indeferido, a pessoa pode fazer uma nova perícia com outro médico. Algumas pessoas também tem o benefício negado porque não tem as contribuições necessárias para o afastamento. Pedidos de prorrogação também são indeferidos no caso de pessoas que não procuraram tratamento médico. Quem depende do SUS deve apresentar os protocolos de atendimento, provando que está a espera de uma vaga para fazer um exame ou consulta médica.
Fonte: A Gazeta - Mikaella Campos