terça-feira, 17 de janeiro de 2012

SOBRE GRAVATAS E VASSOURAS

Um gari trabalha oito horas por dia, durante pelo menos cinco dias por semana, de sol a pino, para ganhar cerca de R$ 622. Assim como a imensa maioria da população brasileira, é um mestre da criatividade: precisa arrumar uma forma de garantir vida digna para a família.

Um deputado recebe R$ 26,7 mil para comparecer ao gelado plenário da Câmara praticamente três dias por semana — isso, sem contar as inúmeras regalias, as verbas de gabinete e as benesses que o próprio cargo lhe impõe. Entre 1998 e 2011, o ganho dos parlamentares aumentou 44 vezes mais que os benefícios do trabalhador comum. Essa estatística vergonhosa tem uma explicação: quando votam pela "autopromoção", os legisladores fazem questão de dar seu aval em prazo recorde.

A comparação com um professor com mestrado e doutorado, já em fim de carreira, também é gritante. Enquanto o docente ganha R$ 102.869 em um ano, um deputado terá engordado sua conta bancária em nada menos do que R$ 1,9 milhão. Ponderar que um gari não teve estudo e, portanto, não faz jus a salário compatível com o de um deputado, chega a ser uma justificativa risível. Muitos dos engravatados do Congresso mal completaram o ensino médio. Pior, essa assertiva beira a linha de um raciocínio extremista e preconceituoso, ao nivelar por baixo uma imensa maioria da população, transformada em massa de manobra dos próprios parlamentares.

Seria interessante se, antes de cada votação em que o futuro do trabalhador estivesse em jogo, os deputados se submetessem a uma espécie de reality show. Durante um mês, trocariam o terno e a gravata por uma vassoura e um boné ou por pilhas de livros e de provas para corrigir. Ganhariam o mesmo que um gari ou um professor e se virariam com esse salário. Se deixassem de lado a redoma da corte burlesca de Brasília e passassem a frequentar mais os hospitais públicos, a fila do INSS ou o restaurante comunitário, talvez se imbuíssem do senso de coletividade e de solidariedade. Talvez apresentassem projetos de lei capazes de mudar a vida do brasileiro para melhor. Talvez se envergonhassem um pouco de tanto luxo desnecessário e aprovassem uma redução em seus salários — algo provavelmente inédito na história do país. E se decidissem por serem mais brasileiros.

Rodrigo Craveiro - O Estado de São Paulo

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