O abril sangrento
O duro discurso do vice-governador Ricardo Ferraço (PMDB) ontem ao partido soou como desabafo, dito em tom firme de ressentimento. E os trechos mais corrosivos estavam apontados diretamente para o governador Paulo Hartung (PMDB), embora não tenha havido citação explícita a ele. Foi visível o clima de rompimento entre as duas principais lideranças do governo.
Mas Ferraço lançou mais do que meias palavras para responsabilizar Hartung pelos desgastes que o fizeram “sangrar”. Disse, com todas as letras, o que estava óbvio: a recusa do governador em apoiá-lo publicamente acabou por tornar sua candidatura inviável.
“Como é que eu poderia falar que sou o candidato do governo sem apoio do governo? Era uma contradição”, detonou o vice.
O que parece claro nessa declaração e em outros trechos do discurso é que o tal acordo com o senador Renato Casagrande (PSB) não foi fruto de entendimento natural, como tentou se justificar no anúncio de quarta-feira.
Ferraço deu a entender que se viu obrigado a abortar a candidatura após o governador sinalizar que não o apoiaria, e até incentivar as conversas com o senador.
O discurso deixa o vice como vítima no processo, e Hartung como seu grande algoz – avaliação feita por 9 entre 10 peemedebistas após a reunião de ontem. Boa parte da classe política compartilha desse entendimento.
De fato, o processo deixou a imagem de Hartung bastante arranhada. No meio político hoje a impressão é de que ele foi desleal e até cruel com um aliado que se até então se mostrava fiel.
A irritação com o desfecho da candidatura ferracista é tanta, por exemplo, que na reunião de ontem chegaram a propor ações contra Hartung no PMDB por traição ao partido.
Todavia, a reação de Ferraço não explicou com detalhes como ocorreu toda a operação, nem exatamente o que a motivou. Já em conversas reservadas, aliados do peemedebista elencam explicações para o terremoto político que derrubou a candidatura dele. O abalo teria origem em costuras iniciadas em Brasília, sendo depois operado no Estado.
Mas, por outras avaliações, a implosão teve origem no gabinete do governador, e os desdobramentos em Brasília só serviriam para justificar e arrematar a degola. É bem possível que o atual cenário seja mesmo a soma de diversos fatores, mas, objetivamente, ontem não se comprovou a influência de um ou de outro.
Agora, o que ninguém entende, de aliados a adversários de Ferraço, é o que teria levado Hartung a tal conduta. Políticos experientes relatam nunca ter visto situação semelhante na história política do Estado.
Prefeitos e deputados relatam, por exemplo, que primeiro Hartung sinalizava com a entrega do governo a seu vice, dando uma prova contundente de confiança na candidatura dele. Mas depois decidiu ficar no governo.
Depois teria recomendado a aliados que declarassem apoio a Ferraço, para ele em seguida fazer o mesmo. Não o fez. Também teria condicionado o gesto ao lançamento da candidatura de Casagrande, o que também não ocorreu.
Versões como essas circulam no meio político e, por isso, a reação de Ferraço ontem era esperada e até cobrada. A resposta veio com atraso, mas veio como forma de Ferraço resgatar a dignidade, como ele mesmo disse no discurso. Era algo que precisa ser feito, mas, por ora, talvez tenha sido a única saída que lhe restou.
Apesar das explicações de Ricardo Ferraço ao PMDB, lideranças de outros partidos avaliaram que o vice-governador foi excessivamente dependente do governador e não reagiu a ele como já fizeram outros aliados
Versões. É tamanha a perplexidade com o atual cenário político no Estado, que surgem as mais diversas explicações para as motivações do governador Paulo Hartung (PMDB), de algumas palpáveis às mais esdrúxulas. Uma das versões, por exemplo, diz que o comportamento de Hartung foi motivado por um suposto acordo com o PT nacional que poderia levá-lo ao comando de uma empresa estatal.
Virou game. A reviravolta política do Estado também ganha terreno na internet. Agora já surgiu até um jogo em que o rosto do vice Ricardo Ferraço aparece em um boneco dançante.
Despedida. Após a reunião do PMDB, deputados e lideranças governistas saíram dizendo que o governador poderia encerrar seu mandato sem o atual clima de insatisfação contra ele.
Reação. O deputado Hércules Silveira avaliou que a reação de ontem deveria ter ocorrido na quarta-feira. “Ele poderia não ser mais candidato do governo, mas poderia ser do PMDB”.
Passado. Chamou atenção de peemedebistas fato de o deputado Luiz Carlos Moreira compor a mesa de autoridades na reunião do partido. Houve quem se incomodasse pelo fato de o partido dar visibilidade a quem já foi encontrado ao lado ex-deputado José Carlos Gratz quando este tentava fugir da polícia.
Radanezi Amorim
Quem já viu Dr. Mabuse entende...
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