Oded Grajew, 67 anos, destaca-se por sua visão avançada de mundo. Israelense naturalizado brasileiro, defensor da responsabilidade social das empresas, Grajew poderia ter se contentado em ser um engenheiro elétrico e industrial de sucesso. Na década de 1970, fundou a Grow Jogos e Brinquedos, foi líder de empresários do setor, mas, anos depois, decidiu mudar de rumo, pensando muito mais no coletivo do que no individual. Fundou o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), presidiu a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) e participou da fundação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, do qual ainda é dirigente. Seu foco atual é a sustentabilidade das cidades.
O que o Programa Cidades Sustentáveis representa, na prática?
O programa apresenta uma agenda e visa a também sensibilizar eleitores, partidos políticos e gestores públicos para que escolham a sustentabilidade como critério tanto de a sociedade exercitar seu voto, quando do poder público de planejar e executar.
O que esse comprometimento pode representar a médio e longo prazos?
Quando falamos de sustentabilidade, da qualidade de vida das pessoas. Com o atual modelo de desenvolvimento das cidades, se acreditarmos nos cientistas - e é melhor acreditar - vamos ver que estamos esgotando recursos naturais, ameaçando a vida na terra com o aquecimento global. Mas muita gente ainda não tem essa consciência. Acho que, infelizmente, a ficha só vai cair quando a situação estiver muito dramática. Para evitar esse quadro, é importante saber o que significa sustentabilidade. E as cidades têm um papel fundamental, porque 85% da população brasileira vivem em cidades. O que acontece nelas impacta na vida de todos os brasileiros. É preciso deixar de pensar no curto prazo e começar já a planejar o futuro.
As cidades estão doentes?
De fato, elas já enfartaram. Não foi pensado transporte coletivo de qualidade, não foi feito um planejamento urbano para que as pessoas não tenham que se deslocar por distâncias tão grandes. Cidades que pretendem ser sustentáveis fazem com que as pessoas tenham tudo de que precisam perto de suas casas. Vitória, na Espanha, eleita como a Capital Verde Europeia de 2012, tem 90% da sua população dispondo de tudo num raio de 300m das casas: escola, trabalho, lazer, serviços públicos. No Brasil, o modelo de mobilidade não sustentável tem outro problema sério: poluição.
Nos últimos anos, o poder de compra do brasileiro aumentou, e o crédito fácil também facilitou a ampliação da frota de carros nas ruas.
Nosso problema é a falta de estímulo ao transporte coletivo. A pessoa pode sim ter seu carro, mas vai ter que escolher entre usá-lo e ficar horas num engarrafamento ou ir de metrô, pelo corredor exclusivo para ônibus, sentada, lendo um livro, um jornal, levando bem menos tempo para chegar aonde deseja. Cidades com sustentabilidade dão total e absoluta prioridade ao transporte coletivo. E é bom lembrar, mais uma vez, que carros e motocicletas são grandes poluidores, causam doenças respiratórias e acidentes.
O Programa Cidades Sustentáveis oferece ferramentas para os gestores administrarem suas cidades?
Sim, são 12 eixos, e a cada item são associados indicadores. O compromisso é, que 90 dias após a posse, o prefeito faça um diagnóstico da cidade e estabeleça metas.
São Paulo tem controle semelhante.
Lá, 20 cidades aprovaram mudanças na Lei Orgânica que obrigaram prefeitos a apresentar plano de metas para sua gestão 90 dias após a posse. Mas é o próprio prefeito quem escolhe as metas que quer atingir. Na Capital, o prefeito não levou muito a sério nos primeiros anos e cumpriu menos de 20% das metas. E está sendo cobrado por isso.
A punição está no voto do cidadão?
O programa faz com que o processo eleitoral seja mais responsável; e o voto, mais consciente. Porque a sociedade ganha instrumentos mais objetivos de avaliar o prefeito. E torna a gestão mais eficiente.
Como o senhor era visto, no início dos anos 1980, com essa visão avançada?
Como alguém bem intencionado, mas fora da realidade. Um poeta, sonhador. Frequentava o sindicato da indústria de fabricantes de brinquedos de São Paulo, e o pessoal dizia que minhas ideias não dariam certo no Brasil. Propuseram que me tornasse presidente do sindicato, talvez para ver se eu estava louco. Mas tudo funcionou, e aí veio o respeito. Naquela época, a representação empresarial era basicamente, da Fiesp, muito conservadora. Para se ter uma ideia, havia na federação um diretor que dizia que "essa coisa de meio ambiente era invenção de comunista para acabar com o capitalismo". Eu e um pequeno grupo tínhamos uma visão diferente e lançamos o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que cresceu. E depois veio a Fundação Abrinq...
Daí sua aproximação do então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva?
Sempre tive curiosidade de conhecer a realidade política, e o próprio Lula. Fui o primeiro empresário a ir à sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC. O presidente era Jair Menegheli, e acho que não entendia bem o que eu fazia ali. (risos)
E Lula tornou-se presidente do Brasil.
Nesse tempo todo, fiz a ponte entre os empresários e o PT para que os dois lados conversassem. Em 1989, 1990, os empresários tinham muito medo, não queriam que as reuniões vazassem.
Quando surgiram as primeiras denúncias de corrupção no governo Lula, o senhor manifestou sua decepção, mas chegou a dizer que ele não estava contaminado por aquilo tudo. Continua achando o mesmo?
Sei que fui muito importante para Lula tornar-se presidente, porque nenhum político brasileiro se elege sem apoio empresarial e seus recursos financeiros e econômicos, sua influência na mídia. Mas, após sua eleição, minha importância não era mais a mesma. Lula e o PT fizeram muita coisa boa para milhões de brasileiros. Minha decepção foi com o que eles tinham condições de fazer e não fizeram.
Por exemplo...
Combater a corrupção, fazer a reforma política para valorizar o processo democrático e a reforma fiscal e tributária para não acontecer o que vemos hoje, quando o pobre, proporcionalmente, paga muito mais imposto do que rico. Lula e o PT tinham força política para fazer isso tudo, mas nem tentaram.
Continuam no governo Dilma Roussef as denúncias sobre corrupção.
A corrupção é disseminada no Brasil, em todos os níveis, não só no federal. O sistema político brasileiro está pobre. Por isso é tão importante fazer a reforma política, descontaminar o sistema político do dinheiro, do poder econômico. Fazer com que haja financiamento público de campanha, exclusivo, que os ocupantes de cargos públicos sejam pessoas idôneas, que a Justiça puna de forma rigorosa a corrupção. E sinalizar que corrupção é inadmissível. O presidente da República é balizador da sociedade. Na hora que um presidente abraça o Collor, que sinalização está dando para a sociedade? Quando abraça o Sarney, como grande aliado, na hora em que minimiza a importância da corrupção ou na hora em que escolhe como subordinadas pessoas envolvidas em corrupção, que tipo de mensagem está mandando para a sociedade? A maioria dos nossos políticos, infelizmente, está lá para atender a interesses de quem financiou suas campanhas - e esse é um problema mundial. Hoje há uma grande descrença na política, e isso Lula e o PT poderiam ter mudado.
Vê diferenças entre Lula e Dilma?
De estilo, sim, mas não de conteúdo. Há as coisas boas que foram feitas, mas a queda dos ministros não foi promovida pelo governo, veio a reboque da imprensa. Os órgãos de fiscalização deviam ter detectado tudo isso há muito tempo. É como ter muito dinheiro investido em segurança, e a sirene não tocar, o guarda não apitar, o cachorro não latir... O uso indevido de recursos públicos para fins partidários, pessoais, acontecia há muito tempo.
O senhor pediu para sair, em 2003...
Saí antes de tudo, antes do mensalão. Desde o começo, dizia que não queria ir para Brasília, porque tenho família em São Paulo. Fui para ajudar. No final do primeiro ano, os programas estavam andando, e achei que era o meu tempo.
Não via nada de diferente?
Havia um deslumbre pelo poder, por ascensão pessoal. E isso fragiliza, torna a pessoa vulnerável. Quando pedi para sair o presidente disse uma coisa que eu não posso repetir (risos). Ele não queria. Foi muito difícil sair. Naquele dia, Lula chamou o núcleo duro - Gushiken, Palocci, José Dirceu, Luiz Dulce.
Depois, ao ver esse núcleo duro denunciado, como reagiu?
Ah, fiquei muito decepcionado. Convivia, confiava naquelas pessoas.
Hoje, coordena a Rede Nossa São Paulo, é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico do governo federal...
Represento a sociedade civil.
E na área empresarial?
Vendi minha empresa, percorri outros caminhos. Numa determinada fase da vida, passada a etapa de afirmação, de abrir empresa, ganhar dinheiro, acho que a pessoa deve se dedicar às questões públicas. O Brasil só vai melhorar a partir da sociedade, com ela agindo, pressionando, propondo. A vanguarda é a sociedade, não a classe política - embora ela seja importante. É a sociedade, que não financia campanhas, que derruba ditaduras. E é ela que pode agir para melhorar a classe política. A mesma - e isso inclui a mídia - que está derrubando os ministros.
Liberdade de imprensa também tem a ver com sustentabilidade.
Claro! Informação, transparência...
Fonte: A Gazeta
O programa apresenta uma agenda e visa a também sensibilizar eleitores, partidos políticos e gestores públicos para que escolham a sustentabilidade como critério tanto de a sociedade exercitar seu voto, quando do poder público de planejar e executar.
O que esse comprometimento pode representar a médio e longo prazos?
Quando falamos de sustentabilidade, da qualidade de vida das pessoas. Com o atual modelo de desenvolvimento das cidades, se acreditarmos nos cientistas - e é melhor acreditar - vamos ver que estamos esgotando recursos naturais, ameaçando a vida na terra com o aquecimento global. Mas muita gente ainda não tem essa consciência. Acho que, infelizmente, a ficha só vai cair quando a situação estiver muito dramática. Para evitar esse quadro, é importante saber o que significa sustentabilidade. E as cidades têm um papel fundamental, porque 85% da população brasileira vivem em cidades. O que acontece nelas impacta na vida de todos os brasileiros. É preciso deixar de pensar no curto prazo e começar já a planejar o futuro.
As cidades estão doentes?
De fato, elas já enfartaram. Não foi pensado transporte coletivo de qualidade, não foi feito um planejamento urbano para que as pessoas não tenham que se deslocar por distâncias tão grandes. Cidades que pretendem ser sustentáveis fazem com que as pessoas tenham tudo de que precisam perto de suas casas. Vitória, na Espanha, eleita como a Capital Verde Europeia de 2012, tem 90% da sua população dispondo de tudo num raio de 300m das casas: escola, trabalho, lazer, serviços públicos. No Brasil, o modelo de mobilidade não sustentável tem outro problema sério: poluição.
Nos últimos anos, o poder de compra do brasileiro aumentou, e o crédito fácil também facilitou a ampliação da frota de carros nas ruas.
Nosso problema é a falta de estímulo ao transporte coletivo. A pessoa pode sim ter seu carro, mas vai ter que escolher entre usá-lo e ficar horas num engarrafamento ou ir de metrô, pelo corredor exclusivo para ônibus, sentada, lendo um livro, um jornal, levando bem menos tempo para chegar aonde deseja. Cidades com sustentabilidade dão total e absoluta prioridade ao transporte coletivo. E é bom lembrar, mais uma vez, que carros e motocicletas são grandes poluidores, causam doenças respiratórias e acidentes.
O Programa Cidades Sustentáveis oferece ferramentas para os gestores administrarem suas cidades?
Sim, são 12 eixos, e a cada item são associados indicadores. O compromisso é, que 90 dias após a posse, o prefeito faça um diagnóstico da cidade e estabeleça metas.
São Paulo tem controle semelhante.
Lá, 20 cidades aprovaram mudanças na Lei Orgânica que obrigaram prefeitos a apresentar plano de metas para sua gestão 90 dias após a posse. Mas é o próprio prefeito quem escolhe as metas que quer atingir. Na Capital, o prefeito não levou muito a sério nos primeiros anos e cumpriu menos de 20% das metas. E está sendo cobrado por isso.
A punição está no voto do cidadão?
O programa faz com que o processo eleitoral seja mais responsável; e o voto, mais consciente. Porque a sociedade ganha instrumentos mais objetivos de avaliar o prefeito. E torna a gestão mais eficiente.
Como o senhor era visto, no início dos anos 1980, com essa visão avançada?
Como alguém bem intencionado, mas fora da realidade. Um poeta, sonhador. Frequentava o sindicato da indústria de fabricantes de brinquedos de São Paulo, e o pessoal dizia que minhas ideias não dariam certo no Brasil. Propuseram que me tornasse presidente do sindicato, talvez para ver se eu estava louco. Mas tudo funcionou, e aí veio o respeito. Naquela época, a representação empresarial era basicamente, da Fiesp, muito conservadora. Para se ter uma ideia, havia na federação um diretor que dizia que "essa coisa de meio ambiente era invenção de comunista para acabar com o capitalismo". Eu e um pequeno grupo tínhamos uma visão diferente e lançamos o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que cresceu. E depois veio a Fundação Abrinq...
Daí sua aproximação do então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva?
Sempre tive curiosidade de conhecer a realidade política, e o próprio Lula. Fui o primeiro empresário a ir à sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC. O presidente era Jair Menegheli, e acho que não entendia bem o que eu fazia ali. (risos)
E Lula tornou-se presidente do Brasil.
Nesse tempo todo, fiz a ponte entre os empresários e o PT para que os dois lados conversassem. Em 1989, 1990, os empresários tinham muito medo, não queriam que as reuniões vazassem.
Quando surgiram as primeiras denúncias de corrupção no governo Lula, o senhor manifestou sua decepção, mas chegou a dizer que ele não estava contaminado por aquilo tudo. Continua achando o mesmo?
Sei que fui muito importante para Lula tornar-se presidente, porque nenhum político brasileiro se elege sem apoio empresarial e seus recursos financeiros e econômicos, sua influência na mídia. Mas, após sua eleição, minha importância não era mais a mesma. Lula e o PT fizeram muita coisa boa para milhões de brasileiros. Minha decepção foi com o que eles tinham condições de fazer e não fizeram.
Por exemplo...
Combater a corrupção, fazer a reforma política para valorizar o processo democrático e a reforma fiscal e tributária para não acontecer o que vemos hoje, quando o pobre, proporcionalmente, paga muito mais imposto do que rico. Lula e o PT tinham força política para fazer isso tudo, mas nem tentaram.
Continuam no governo Dilma Roussef as denúncias sobre corrupção.
A corrupção é disseminada no Brasil, em todos os níveis, não só no federal. O sistema político brasileiro está pobre. Por isso é tão importante fazer a reforma política, descontaminar o sistema político do dinheiro, do poder econômico. Fazer com que haja financiamento público de campanha, exclusivo, que os ocupantes de cargos públicos sejam pessoas idôneas, que a Justiça puna de forma rigorosa a corrupção. E sinalizar que corrupção é inadmissível. O presidente da República é balizador da sociedade. Na hora que um presidente abraça o Collor, que sinalização está dando para a sociedade? Quando abraça o Sarney, como grande aliado, na hora em que minimiza a importância da corrupção ou na hora em que escolhe como subordinadas pessoas envolvidas em corrupção, que tipo de mensagem está mandando para a sociedade? A maioria dos nossos políticos, infelizmente, está lá para atender a interesses de quem financiou suas campanhas - e esse é um problema mundial. Hoje há uma grande descrença na política, e isso Lula e o PT poderiam ter mudado.
Vê diferenças entre Lula e Dilma?
De estilo, sim, mas não de conteúdo. Há as coisas boas que foram feitas, mas a queda dos ministros não foi promovida pelo governo, veio a reboque da imprensa. Os órgãos de fiscalização deviam ter detectado tudo isso há muito tempo. É como ter muito dinheiro investido em segurança, e a sirene não tocar, o guarda não apitar, o cachorro não latir... O uso indevido de recursos públicos para fins partidários, pessoais, acontecia há muito tempo.
O senhor pediu para sair, em 2003...
Saí antes de tudo, antes do mensalão. Desde o começo, dizia que não queria ir para Brasília, porque tenho família em São Paulo. Fui para ajudar. No final do primeiro ano, os programas estavam andando, e achei que era o meu tempo.
Não via nada de diferente?
Havia um deslumbre pelo poder, por ascensão pessoal. E isso fragiliza, torna a pessoa vulnerável. Quando pedi para sair o presidente disse uma coisa que eu não posso repetir (risos). Ele não queria. Foi muito difícil sair. Naquele dia, Lula chamou o núcleo duro - Gushiken, Palocci, José Dirceu, Luiz Dulce.
Depois, ao ver esse núcleo duro denunciado, como reagiu?
Ah, fiquei muito decepcionado. Convivia, confiava naquelas pessoas.
Hoje, coordena a Rede Nossa São Paulo, é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico do governo federal...
Represento a sociedade civil.
E na área empresarial?
Vendi minha empresa, percorri outros caminhos. Numa determinada fase da vida, passada a etapa de afirmação, de abrir empresa, ganhar dinheiro, acho que a pessoa deve se dedicar às questões públicas. O Brasil só vai melhorar a partir da sociedade, com ela agindo, pressionando, propondo. A vanguarda é a sociedade, não a classe política - embora ela seja importante. É a sociedade, que não financia campanhas, que derruba ditaduras. E é ela que pode agir para melhorar a classe política. A mesma - e isso inclui a mídia - que está derrubando os ministros.
Liberdade de imprensa também tem a ver com sustentabilidade.
Claro! Informação, transparência...
Fonte: A Gazeta
Nenhum comentário:
Postar um comentário