Na falta de um campinho, as traves improvisadas na rua são a alternativa para passar o tempo no bairro; o jogo é interrompido quando alguém precisa passar
Anny Giacomin
A cada semana, uma pessoa é assassinada na Grande Terra Vermelha, região de Vila Velha que concentra mais de 40 mil moradores em 12 bairros e 2,8% dos homicídios registrados no Espírito Santo. Um estudo feito pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) ajuda a entender a razão de o tráfico conseguir atrair tantos jovens. E porque é tão difícil deixarem essa realidade para trás.
O trabalho - feito a pedido do governo para subsidiar a implantação do Programa Estado Presente, que visa a reduzir os índices de violência no local - mostra que o desafio é enorme. Falta literalmente de tudo nos bairros que fazem parte de uma das áreas mais assoladas pelo medo no Estado.
A população é predominantemente jovem - metade tem até 24,7 anos e 44% têm entre 25 e 59 anos - mas faltam vagas no ensino médio e centros que ofereçam lazer e cultura. O estudo classifica como "precárias" as estruturas básicas de saúde, educação e saneamento no bairro.
Em 75% das escolas, há lixo em locais próximos; em 30%, esgoto a céu aberto. Além disso, quase 60% das unidades de ensino contam com bares por perto.
Vontade não basta O diagnóstico, que também envolve a realidade de Nova Bethânia, em Viana, revela que a precariedade é tanta que exige muito mais do que somente a vontade do poder público e o reforço na área de segurança para mudá-la.
Nessas áreas, viver sem perspectivas é a regra. Por causa das poucas vagas no ensino médio - que conta com apenas uma escola - muitos adolescentes abandonam os estudos quando terminam o ensino fundamental. Assim,
Juliana (nome fictício), 21 anos, como a maioria dos jovens de Terra Vermelha, nunca chegou ao ensino médio. Diz que abandonou a escola na 7ª série, depois de ficar grávida.
Desempregada, passa o dia cuidando da casa - que fica em uma rua sem calçamento e bem próximo a um esgoto a céu aberto - e dos dois filhos, de 1 e 3 anos de idade.
Sua maior preocupação, hoje, é não deixar as crianças saírem de casa, por causa da violência. "Não tenho como deixar meus filhos brincarem nessa lama misturada com esgoto. Criar um filho aqui é sinônimo de ficar preso dentro de casa, enquanto os bandidos estão soltos", constata.
O medo é companheiro constante, e as alternativas são escassas. "É difícil. Não temos nada para fazer, um curso, uma praça. Por mais que tentem melhorar, aqui nunca terminam o que começam. Se um traficante acha que você está olhando torto para ele, vem e te mata", desabafa a jovem.
Juliana não está só. Assim como ela, a prima Roberta, de 20 anos, e boa parte dos 20 mil jovens que moram na Grande Terra Vermelha não frequentam a escola.
Além da falta de estrutura nas unidades de ensino, é comum na região a violência invadir a escola, com tráfico, roubos frequentes a professores, batidas policiais e tiroteios na rua.
Falta saúde
Problemas nas escolas de Nova Bethânia também existem. Mas muito maiores são os das unidades de saúde da região. Em todas as cinco, as paredes e telhados apresentaram mau estado de conservação. Em 80% há problemas na pintura, assentos, portas e janelas, banheiros, instalações hidráulicas e elétricas. Todas elas estão localizadas em locais próximos do tráfico de drogas.
A dona de casa Alessandra Rodrigues do Nascimento, 27, vive em Vale do Sol e sofre todas as vezes que precisa levar os filhos ao médico. São 30 minutos de caminhada até o posto mais próximo. "Eu e meu marido estamos desempregados. Se pudéssemos, nos mudávamos para um lugar melhor. Já passamos dificuldade, mas não temos muito o que fazer. Aqui pelo menos a casa é nossa".
A pior situação é a da unidade de saúde de Nova Bethânia. A estrutura foi condenada pela defesa civil municipal, mas continua funcionando. O banheiro dos funcionários está interditado por problemas no esgoto. Não há cozinha, refeitório, nem água para o consumo.
SonhosOs filhos de Alessandra sonham com um campo de futebol e um lugar para brincar. Para ela, esse espaço de lazer é fundamental para manter as crianças ocupadas. "A gente tem medo de que eles se envolvam com coisa errada. Conversamos bastante, mas só Deus para livrá-los disso", diz a mulher.
Sem lugar, as crianças se divertem jogando bola na rua. A mesma coisa acontece em Barramares, Vila Velha, onde traves móveis improvisadas ajudam a matar o tédio nas tardes em que a bola rola. Mas o jogo tem que ser interrompido quando alguém passa pela rua.
Mudanças
Mudar cenários como os de Terra Vermelha e Nova Bethânia exige investimentos. E o secretário de Ações Estratégicas, André Garcia, reconhece que esse não é um processo rápido.
"Precisamos de um trabalho multidisciplinar, e proteção policial para sustentar isso. Estamos olhando para o problema. Trabalhamos com a perspectiva de que tudo esteja bem melhor em 2014, mas queremos que esse trabalho seja permanente", explica o secretário.
O diagnóstico do IJSN vai nortear o planejamento das ações a serem implantadas pelo Estado Presente. Para isso, o governo conta com a parceria das prefeituras e da iniciativa privada.
Já estão sendo entregues 400 casas populares em Jabaeté, Vila Velha, assim como foram desenvolvidos projetos e cursos de corte e costura nas regiões. Ruas estão para ser pavimentadas e serão construídos mais escolas e postos de saúde.
Anny Giacomin - A Gazeta
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