domingo, 2 de outubro de 2011

LIVRES DA MISÉRIA, PRESOS AO GOVERNO PELO BOLSA-FAMILIA


Famílias não conseguem deixar o programa e se sustentar
Apenas nove quilômetros separam o sobrado de Eliete Barreto dos Anjos Pereira, 42, em São Pedro I, Vitória, da apertada casa onde vive Fernanda Custódio Silva, 33, no Romão, também na Capital. Em comum, as duas mães de família dividem um pouco de drama e muito do sonho de dias melhores. Enquanto eles não chegam, permanecem dependendo, assim como fazem há oito anos, da ajuda financeira do governo para sobreviver, cuidar da casa e dos três filhos que têm.

Os números do Bolsa-Família no Estado escancaram a dificuldade de sair do programa: desde 2003, quando foi criado, 124.436 famílias pararam de receber a bolsa, sendo menos da metade - 50.912 - por terem melhorado de renda. Para se ter uma ideia do que o número representa, em apenas um ano, de 2010 para 2011, 58.145 famílias fizeram o movimento inverso: passaram a contar com a ajuda do governo para viver.

foto: Fábio Vicentini
Fernanda Custódio Silva, 33 anos e seus filhos Matheus, 13, Richard, 06 e Thayane, 03, entrevistados sobre o Bolsa Família - Editoria: Cidades AG - Foto: Fábio Vicentini
"Sem o programa, eu e meu marido não teríamos tempo para estudar. Não haveria outra escolha para a minha vida além de ser uma empregada doméstica", Fernanda Custódio Silva, 33
Tanto Eliete quanto Fernanda fazem parte desse universo de famílias que saíram da miséria, mas ainda não conseguem andar com as próprias pernas. Fernanda foi incluída no cadastro quando ele mal era conhecido, em seu primeiro ano de funcionamento. Para isso, ela nem precisou sair de casa, já que foi achada por um agente comunitário da Prefeitura de Vitória.

À época, aos 25 anos e desempregada, a moça morava com o marido nos fundos do barraco de sua mãe, no Morro do Jaburu, também em Vitória. Matheus - então com cinco anos - o filho mais velho, estava fora da escola. E a família esperava o nascimento de Richard, hoje com 7.

Oito anos depois, a família mudou-se para uma casa humilde, com quarto, sala e cozinha, no Romão. Ao invés de um emprego, Fernanda ganhou mais uma filha, a pequena Thayane, de 3 anos.

Toda a renda é a soma da quantia próxima a um salário mínimo que o marido, o pedreiro Alexandre Quadro, recebe, com o benefício de R$ 32 por filho - excluindo Thayane, ainda sem idade para estudar. A cada mês, o casal desafia a matemática para pagar o aluguel de R$ 200.

A vida é melhor: a sala minúscula da casa tem computador, TV e DVD, que fazem brilhar os olhos das crianças. Os pequenos estão na escola e a família não passa fome; mas a perspectiva de deixar o programa é remota.

"Assim que eu conseguir um salário compatível, saio", promete Fernanda, que nesses oito anos concluiu o ensino médio e começou um curso técnico em administração. Seu marido, que só tinha o ensino fundamental, hoje está no segundo módulo de técnico em mecânica.

Falta avançar
Para a presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Ana Paula Vescovi, é inegável que o Bolsa-Família - que no Estado, hoje, atende a 740.390 pessoas, ou 21% da população - contribui para retirar famílias da pobreza, e por isso deve ter seu mérito reconhecido. O programa é considerado o principal responsável por uma redução de 54% do número de pessoas pobres que vivem no Espírito Santo, entre 2003 e 2009.

Mas ela concorda que ainda é preciso avançar. Ana Paula lembra que o Bolsa-Família é fundamentado em três princípios: a transferência de renda para aliviar a pobreza, a implantação de condicionalidades referentes à saúde e educação e a emancipação das família por meio de programas de capacitação.

"O programa está desenhado de forma que os dois primeiros itens sejam bem marcantes, algo que o faz ser elogiado por academias do todo o mundo. Mas no terceiro ponto ainda há espaço para se avançar muito no Brasil", salienta.

foto: Fábio Vicentini
Eliete Barreto dos Anjos, 42 anos e seus filhos Ana Carolina, 14 anos, Lorena, 09 anos e Wander, 11 anos, entrevistados sobre o Bolsa Família - Editoria: Cidades AG - Foto: Fábio Vicentini
"Com o programa me senti capaz e meus filhos terão um futuro melhor. Só não saí ainda por causa do curso de secretária executiva", Eliete Barreto, 42
Riscos

Entre os motivos para muitos permanecerem dependentes do programa, segundo Ana Paula, podem estar o risco que ele oferece de desestimular o trabalho, a dificuldade de se identificar quem é, de fato, pobre e a pouca eficácia dos programas de capacitação para o mercado de trabalho.

O economista e professor da Ufes Arlindo Vilaschi aponta outro problema: a dificuldade dessas famílias saírem do programa pode estar relacionada com a falta de planejamento familiar para lidar com o dinheiro repassado.

Para o sociólogo Erly dos Anjos, Fernanda é um exemplo de como o Bolsa Família ainda é um projeto que não alcançou a perfeição. "Essa política faria mais sentido se atendesse apenas pessoas em extremo estado de miséria. Ao se abrir o leque de beneficiários, ela se torna míope, sem garantias de benefícios concretos para o futuro".

Sem emprego
Embora tenha feito dois cursos - um de inclusão produtiva através do qual se especializou em artesanato com tecido e outro de secretária escolar - Eliete Barreto, mãe de Ana Caroline, de 14 anos, Wander, de 11 e Lorena, 9, ainda não tem um emprego fixo.

Em 2003, com três filhos pequenos e marido desempregado, ela viu no Bolsa-Família um fôlego que lhe daria tempo para retirar a corda do pescoço. Hoje, a moça diz que só larga o benefício quando tiver a segurança de saber que pode deixar a comida pronta, e as crianças poderão esquentar sozinhas.

Com o trabalho de artesã, Eliete diz completar o benefício de R$ 32 por filho com cerca de R$ 300 por mês. Seu marido, o ajudante de estofador Waldir Rosa Pereira, 44, ganha algo perto de um salário mínimo. A filha mais velha, Ana Caroline, já soma cinco freguesas na rua, resultado de um curso de manicure que também fez com a ajuda da bolsa.

Bolsa- Família no Brasil
Bolsa-Família no Estado

Planejamento


Rodrigo Coelho, secretário de Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos, garante que a porta de saída para essas pessoas existe, através de cursos de capacitação que são oferecidos em parceria com os municípios.

"A partir de janeiro, o Incluir - programa de combate à pobreza do governo do Estado - fará um acompanhamento mais específico com cada uma dessas famílias, estabelecendo prioridades", promete.

No Espírito Santo - 17º na lista dos estados que mais gastam com o programa - a média investida por mês é de R$ 20 milhões. Dividindo entre as famílias, esse montante não ultrapassa os R$ 112,21.

Para alguns, um valor que não faz diferença. Mas, para as Fernandas e Elietes que existem aos montes, representa o sonho, mesmo que distante, de um futuro melhor. Só falta garantir que ele vire realidade.

Público
54% de redução - Foi a queda no número de pobres no Estado entre 2003 e 2009. Hoje, 21% da população recebe o Bolsa-Família


Benefício é ampliado no país
A partir de novembro, gestantes e mulheres em fase de amamentação terão direito a um benefício extra de R$ 32 mensais do Bolsa-Família. Além disso, desde a semana passada começou a acontecer o pagamento de benefícios para filhos de até 15 anos. Antes, eles eram pagos para no máximo três filhos. Agora, esse número passou para cinco.

O governo divulgou também a criação do chamado "retorno garantido": beneficiários que se desligarem voluntariamente do programa - por ter renda acima do permitido - poderão solicitar reingresso imediato no prazo de 36 meses, caso voltem à condição de pobreza.

Até então, quem deixava o Bolsa Família só poderia retornar após novo cadastramento. As três iniciativas elevarão o custo anual do Bolsa-Família em pelo menos R$ 797 milhões.

Fonte: A Gazeta

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