segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A ANGÚSTIA DAS GESTANTES

O exame para detectar o mal de Chagas ainda não está incluído no Sistema Único de Saúde, um risco tanto para a saúde das mães quanto dos bebês

Goiânia e Aparecida de Goiânia (GO) — A dona de casa Sônia Lopes de Oliveira, de 38 anos, recebeu a reportagem do Correio em sua casa, em Aparecida de Goiânia (GO), com um choro nervoso. Ela imaginou que a equipe do jornal fosse do Laboratório de Chagas do Hospital das Clínicas, em Goiânia. Sônia tem a doença de Chagas e espera há um ano, desde o nascimento do filho, Marco Paulo, o resultado do exame ao qual o bebê foi submetido. "Eu nem sabia que tinha isso. Descobri quando engravidei. O teste do Marco Paulo foi feito e refeito, e ainda não tenho o resultado", diz Sônia.

Exames laboratoriais durante a gravidez têm sido uma das principais formas de descoberta do mal de Chagas por mulheres mais jovens. Somente em Goiás, estado que adotou há oito anos o chamado teste da mamãe, 2,2 mil mulheres receberam o diagnóstico da doença. Mais de 1,5 mil delas passaram por exames e foram triadas para acompanhamento médico no ambulatório de Chagas do Hospital das Clínicas.

O estado pioneiro foi Mato Grosso do Sul, com mais de 500 mães diagnosticadas com a doença em quatro anos. O teste existe também em Alagoas e Rio Grande do Sul, com subsídio do Sistema Único da Saúde (SUS), mas não é preconizado pelo Ministério da Saúde. No pré-natal, o SUS custeia espontaneamente apenas exames para HIV e sífilis.

Na maior parte do território brasileiro, portanto, as mulheres grávidas não se submetem a exames para detectar Chagas e outras doenças, como toxoplasmose e hepatite C. É um risco evidente tanto para a saúde da mãe quanto do bebê. A possibilidade de gestantes infectadas transmitirem o Trypanosoma cruzi aos fetos, pela placenta, é de 0,5% a 3%, principalmente no terceiro mês de gestação. E as chances de cura dos bebês, que precisam ser monitorados por seis meses, são muito altas. Quanto maior a demora para o diagnóstico, menores são essas chances.

A família de Sônia é de Correntina (BA), uma cidade com alta incidência da doença de Chagas. A existência de outros casos na família preocupa a mãe de Marco Paulo. Um irmão morreu aos 19 anos. "De repente, ele caiu e morreu. Hoje a gente pensa que pode ter sido Chagas", afirma Olinda Maria de Oliveira, 66, mãe de Sônia. A morte súbita, por parada cardíaca, é característica da doença. "Morávamos todos na roça. Lá tinha muito "bicudo". Dormia muita gente no chão, do lado dos "bicudos"." Bicudo é como o barbeiro é conhecido em cidades da Bahia.

Monitoramento

No quarto mês de gestação, a também baiana Beatriz Rocha da Silva, 28, descobriu ter a doença de Chagas há três anos, quando estava grávida do terceiro filho. "Fiquei assustada quando me deram o resultado." Os três filhos de Beatriz já fizeram os testes e o resultado foi negativo. "Como essa doença ataca mais o coração, sinto um pouco de medo. Já ouvi falar de muita gente que morreu." Beatriz mora em Maurilândia (GO), no sul do estado, e vai a Goiânia para a realização dos exames do pré-natal. Quando seu quarto filho nascer, precisará se monitorado por seis meses. "Não posso parar com o tratamento. Sei que a possibilidade é pouca de passar para a criança."
Nascida na comunidade quilombola dos calungas, em Cavalcante (GO), Adeuzenira Pereira da Cunha, 35 anos, foi infectada pelo Trypanosoma cruzi. A mãe morreu com "problemas no coração". O pai e uma tia têm a doença de Chagas. Adeuzenira não sabe se a infecção ocorreu pela picada do barbeiro ou se foi transmitida pela mãe. A angústia agora é com a saúde dos filhos. Kawã, 7, faria os exames ainda em janeiro. A filha que espera — Adeuzenira está grávida de cinco meses — será submetida ao teste após o nascimento. "Tenho medo de morrer e deixar eles aí sofrendo."

Adeuzenira, o marido, que é carpinteiro, e o filho moram há 13 anos num bairro periférico de Aparecida de Goiânia. Construíram uma casa espaçosa, conquistaram conforto. O pai da dona de casa ainda vive na comunidade quilombola, em Cavalcante. A casa é de barro e o teto da cozinha anexa é feito de palha, ambientes propícios ao barbeiro. "Antes tinha muito barbeiro, mas ainda encontro o inseto quando passo um mês lá. Tenho muito medo."

Cinco pesquisadores do mal de Chagas, que estudam o assunto há décadas, concluíram no ano passado um inquérito sobre a prevalência da doença em crianças, entre 2001 e 2008. Amostras de sangue de 104,9 mil crianças, de quase toda a zona rural brasileira (com exceção do estado do Rio de Janeiro), foram coletadas pelos estudiosos. Em 104 casos, os testes foram positivos, com confirmação da infecção para 32 casos.

Vinte crianças contraíram das mães a infecção — 60% delas no Rio Grande do Sul. Onze foram infectadas por barbeiros no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Amazonas e Paraná. Como, no momento da pesquisa, a mãe de uma das crianças já havia morrido, não foi possível detectar a causa dessa última infecção. Os resultados "reforçam a necessidade de manutenção de um programa de controle que garanta a consolidação" do combate à doença, concluem os pesquisadores.

Fonte Ucho.Info

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