quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

IMPUNIDADE: POLITICO PRESO É EXCEÇÃO NO PAÍS


 Brechas na lei, foro privilegiado e imunidade parlamentar facilitam que políticos acusados de crimes escapem da cadeia

No país da impunidade, chama a atenção no Estado as últimas prisões envolvendo prefeito, ex-prefeitos e até um ex-financiador de campanha política. Ver político ir parar na cadeia é fato pouco comum. O motivo principal, apontam especialistas, está na legislação, cheia de brechas, e na existência do foro privilegiado e da imunidade parlamentar.

Das prisões recentes, apenas um, o ex-prefeito de Aracruz Luiz Carlos Cacá Gonçalves, foi parar atrás das grades por uso indevido de verba pública quando comandou o município. A pena dele, que coleciona outros processos, é de cinco anos.

A corrupção, vale lembrar, tem um custo médio de R$ 85,5 bilhões por ano para o país. E a maior parte do dinheiro desviado nunca volta para os cofres públicos. Dados da Advocacia Geral da União (AGU) apontam o retorno de R$ 23 mil para cada R$ 1 milhão desviado.

A AGU cobra na Justiça o retorno de R$ 67,9 bilhões aos cofres da União, desde 2003. Desse montante, entretanto, apenas R$ 1,5 bilhão voltou para o erário.

Com um vasto currículo de processos envolvendo acusações de desvios e fraudes, o ex-prefeito de Pedro Canário Mateusão Vasconcelos (PTB) está preso por ter omitido informações e ter prestado falsas declarações ao Fisco. Condenado pela Justiça Federal em fevereiro de 2007, Mateusão perdeu prazo do recurso e, desde o final de janeiro, passou a cumprir quase seis anos de prisão.

Um dos principais personagens do pior escândalo político do Espírito Santo, o ex-tesoureiro de campanha do ex-governador José Ignácio Ferreira, Raimundo Benedito de Souza Filho, o Bené, também está preso por crime tributário. Seu currículo inclui ainda outra condenação anterior, em 2009, por desvios de verbas da Fábrica de Sopas, que nunca funcionou.

Já o prefeito de Conceição da Barra, Jorge Donati (PSDB), estava preso desde o dia 31 de janeiro sob acusação de ameaçar testemunhas num processo em que é acusado de mandar matar um sindicalista. Ontem ele conseguiu uma decisão que o liberava da prisão.

Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, a estrutura do Judiciário "privilegia" que processos envolvendo políticos se arrastem nos Tribunais sem que se veja resultado efetivo. "É questão de gestão que falta ao Judiciário. A Ordem propôs a todos os Tribunais do país dar ênfase a esses processos. As corregedorias deveriam cobrar isso".
foto: Vitor Jubini
Jorge Donati (PSDB), prefeito de Conceiçãoo da Barra, detido após ter prisão preventiva decretada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo por ter envolvimento no assassinato do sindicalista Edson dos Santos Barcelos morto em 2010 - Editoria: Política - Foto: Vitor Jubini
Prefeito de Conceição da Barra: Jorge Donati consegue decisão para sair da prisão
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu ontem, por volta das 20 horas, liminar pela soltura imediata do prefeito de Conceição da Barra, Jorge Donati (PSDB). Ele é acusado de ser o mandante do assassinato do secretário do Sindicato dos Servidores Municipais de Conceição da Barra (Sindisbarra), Edson José Barcelos.

O advogado de Donati, José Thomaz Gonçalves, declarou que estava trabalhando para que a decisão fosse cumprida ainda ontem à noite.

“Como a decisão foi pela soltura imediata, estamos fazendo o possível para que ele seja solto hoje (ontem) mesmo. Mas sabemos que pode ocorrer só amanhã (hoje) de manhã”, explicou Gonçalves.

Até o fechamento desta edição, às 22h45, Donati ainda estava preso no Quartel do Comando Geral (QCG) da Polícia Militar, em Vitória. Os comandantes responsáveis ainda não haviam recebido a decisão por fax do STJ pela Central de Alvará.

O prefeito foi preso no dia 31 de janeiro por determinação do desembargador Sérgio Bizzotto, do Tribunal de Justiça do Estado, por supostamente estar ameaçando testemunhas. Donati foi denunciado após ter o nome citado por um dos executores do sindicalista, morto com um tiro na testa em julho de 2010.
Foro privilegiado

Ele critica também a existência do foro privilegiado e da imunidade parlamentar – membro do Congresso Nacional não pode ser preso exceto em flagrante de crime inafiançável e, ainda assim, com autorização dos colegas. Cavalcante diz que o foro privilegiado só deveria existir para algumas situações restritas ao mandato, para que o parlamentar "não sofra perseguição".

O promotor do Ministério Público Estadual (MPES) Gustavo Senna também defende o fim do foro privilegiado e da imunidade parlamentar. "Isso é um grande obstáculo para ter efetividade nos processos criminais contra a classe política".

Mas o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo, avalia de forma diferente a questão. "O privilégio de foro não me parece o principal motivo de político se safar de problemas".

Contribui para a morosidade dos julgamentos, segundo Abramo, o número "absurdo" de recursos permitidos pela legislação – advogados usam brechas nas leis para impedir a condenação ou retardar seu cumprimento.

Mesmo após condenação em segundo grau, o condenado aciona a Justiça e só cumpre pena depois de transitado em julgado do processo – quando não cabe mais nenhum recurso –, o que costuma levar anos, lembra Abramo.

Por isso, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, é um dos defensores da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com o recurso extraordinário e o especial, fazendo com que a sentença transite em julgado depois da decisão de segundo grau e o réu possa ir para a cadeia.

A PEC dos Recursos está em análise no Senado. "No Brasil o sistema é muito ineficiente", diz Abramo.

Senna afirma também que o volume de ações de improbidade administrativa não se repercute em ações penais nos Tribunais porque as Cortes "não estão vocacionadas para essas demandas de processar e julgar pessoas com foro privilegiado".

Para Senna, casos de corrupção merecem atenção especial. "Mais preparo de grupos especializados dentro da polícia e interagindo mais com o Ministério Público, aparelhar o MP e a polícia com setores técnicos para a investigação ser mais rápida".
foto: Gildo Loyola
Mateus Vasconcelos, conhecido como Mateusão. Editoria: Política - Foto: Gildo Loyola
Preso por fraude tributária
Condenado pela Justiça Federal em fevereiro de 2007, o ex-prefeito de Pedro Canário Mateusão Vasconcelos (PTB) está preso por ter omitido informações e ter prestado falsas declarações ao Fisco. Ele perdeu prazo do recurso e, desde o final de janeiro, passou a cumprir quase seis anos de prisão no Complexo Penitenciário de Xuri, em Vila Velha. Mateusão carrega vasto currículo de processos envolvendo acusações de desvios e fraudes. Gildo Loyola
Ameaça
O promotor, entretanto, lembra que um projeto em discussão na Câmara dos Deputados esvazia o poder de investigação do Ministério Público. Aprovada no final do ano passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, a PEC 37/2011 restringe às polícias Civil e Federal as investigações criminais e impede o Ministério Público, em todas as suas esferas, de fazer esse tipo de investigação.

Senna destaca ainda que a maioria dos crimes ligados à corrupção tem pena de até quatro anos, que é o período de duração de um mandato. Para o promotor, é preciso melhorar a legislação - o Código Penal, lembra ele, é da década de 1940. "Não é só buscar a prisão. Temos que garantir o retorno do que foi desviado dos cofres públicos".

Cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo é categórico: "Prisão no Brasil é para pé de chinelo. É difícil prender gente graúda". Para Ranulfo, só quem não pode pagar bons advogados fica preso.

"O político hoje é mais punido com perdas de direito político e cassação do que com prisão", afirma.

Por isso, Carlos Ranulfo avalia de forma positiva a Lei da Ficha Limpa, que impede que políticos com condenação de órgão colegiado participem de disputa eleitoral.

Para o doutor em Direito Constitucional e professor da Universidade de Brasília (UnB) Cristiano Paixão, "cadeia não é remédio". Ele defende controle mais rápido e eficaz da gestão pública para evitar desvios e a "confusão entre público e privado" por parte de agentes políticos. "O sistema de controle interno tem que ser mais eficaz na administração pública".

Análise
"Diminuição do número de recursos"
Leonardo Barreto, promotor do Ministério Público Estadual (MPES)

Em função das informações recorrentes divulgadas na mídia nacional, quase todos sabem que um criminoso condenado no Brasil a dezenas de anos de reclusão só cumprirá no máximo 30 anos, na forma estipulada pelo artigo 75 do Código Penal de 1940. Embora a violência urbana e a expectativa de vida do brasileiro apontem em direção crescente, ainda assim, o limite de cumprimento da pena privativa de liberdade continua o mesmo. É de conhecimento público que nossa legislação penal confere aos condenados uma série de benefícios e concessões (mudança de regime prisional, unificações, remições, indultos, substituições de penas, aplicação de pena alternativa, etc...), o que faz diminuir o cumprimento da pena ou evitar o encarceramento do condenado. Por outra via, os que constituem bons advogados são na maioria das vezes mais bem defendidos, manejando os mais variados recursos legais existentes, travando a marcha processual e levando em muitos casos a prescrição, o que nos dá a sensação de impunidade. Apesar de algumas modificações ocorridas nos últimos tempos, há de se considerar ainda que as penas dos crimes contra a administração pública são muito pequenas, ou possuem penas mínimas baixas, o que contribui para que a pena de reclusão não seja aplicada. Por isso é que não há notícias fartas de que políticos que cometeram crimes foram condenados e presos. É de se registrar que existem outros tipos de punições quando não há crime, conforme os relacionados à lei de improbidade administrativa. Para reverter tal incidência, necessário se faz diminuir o número de recursos, celeridade processual, aumentar as penas mínimas em alguns casos, aumentar as penas em outros ou, exigirmos o cumprimento das mesmas na integra, sem os benefícios.

Vera Ferraço - A Gazeta
 

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