sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

MEIA-NOITE EM HAVANA - Yoani Sánchez


 Fora da igreja de Nuestra Senora de Regia, em Havana, uma vidente joga búzios para pedestres por dinheiro. Dia após dia, recebe as mesmas perguntas: Encontrarão o amor? Conseguirão comprar uma casa? Conseguirão viajar no futuro próximo? E, sobretudo, quando "isso" terminará? Com um simples pronome demonstrativo, os clientes se referem ao que alguns chamam de "a revolução", outros de "a ditadura", masa maioria trata simplesmente como "o sistema".

É uma pergunta difícil para a mulher de turbante branco e unhas de um vermelho intenso responder com alguma especificidade, em parte porque ela não pode saber ao certo se o inquiridor não é um agente da segurança do Estado à paisana. Ela observa, então, a posição de cada concha e diz, num quase sussurro: "Logo. Terminará logo". Está cada vez mais evidente que o relógio biológico do governo cubano - uma lenta e agonizante jornada que durou 54 anos - está se aproximando da meia-noite. Cada minuto que passa traz a obsolescência um pouco mais perto. A existência de um sistema político não deveria estar tão estreitamente ligada à juventude ou decrepitude de seus líderes, mas, no caso de nossa ilha, as duas idades vieram a dar no mesmo.

Como uma criatura feita à imagem e semelhança de um homem - que se acredita Deus -, o modelo político atual de Cuba não sobreviverá a seus criadores. Cada decisão formada nas últimas cinco décadas, cada passo dado numa direção ou outra, foram marcados pelas personalidades e decisões de um punhado de seres humanos - dois deles em particular. Um, Fidel Castro, de 86 anos, vem convalescendo há seis longos anos num lugar que poucos cubanos poderiam encontrar num mapa.

Apesar de nos últimos cinco anos o irmão de Fidel, Raúl, de 81 anos, ter instalado rostos mais jovens no aparelho administrativo, as decisões mais importantes continuam nas mãos de octogenários (o sucessor de Raúl, José Ramón Machado, tem 82 anos). Como um Saturno devorando seus filhos, os principais líderes da revolução não permitiram que seus filhos prediletos lhes fizessem sombra.

Os últimos a serem ejetados em razão da paranóia dos irmãos Castro foram o vice-presidente Carlos Lage, uma figura que gozava de simpatia popular, e o chanceler Felipe Pérez Roque. Ambos teriam sido sucessores promissores, mas foram acusados pelo próprio Fidel Castro de terem se "viciado no mel do poder" e foram removidos de seus cargos em 2009. Seu egoísmo deixou os líderes cubanos sem um plano de sucessão e esgotou-se o tempo para desenvolvê-lo, ao menos um não sinceramente comprometido com a continuidade do caminho estabelecido pelos velhos em trajes verde-oliva.

Para Raúl, o quadro é preocupante, e ele declarou que o "tempo é curto" para preparar a geração que o substituirá e a seus camaradas. Em 2013, ele será obrigado a acelerar esse processo, e seu desespero óbvio sobre o futuro está contribuindo para o enfraquecimento ideológico e a perda do apoio popular que o regime de Castro porventura ainda possua.

Enquanto isso, as tentativas de reformas econômicas de Castro também contribuem para a perda de controle sobre a população. Juntos, a expansão do setor privado, a imposição de impostos, a distribuição de terras públicas aos agricultores e a autorização de cooperativas empresariais em áreas não usadas pela agricultura estão reduzindo gradualmente a influência do Estado na vida dos cubanos.

Raúl pode ver essas coisas como medidas desesperadas para reanimar a economia cubana, mas uma consequência será o compromisso ideológico diminuído do povo comum governo que provê cada vez menos subsídios e benefícios. Cada passo que as autoridades dão na direção de uma maior flexibilidade é como apontar uma arma carregada para as próprias têmporas. Um sistema que mantém cada mínimo aspecto da vida nacional sob controle restrito não pode se manter quando alguns desses laços são afrouxados. A reforma é a morte do status quo e as manobras para garantir a sobrevivência financeira abrindo o sistema ao capital privado são uma sentença de morte escrita com antecedência.

O ano de 2013 será decisivo no movi­mento de Cuba do centralismo econômi­co para a fragmentação da produção, da absoluta verticalidade para seu desman­telamento. Os que deixarem de receber seus salários de uma instituição estatal e vierem a sustentar suas famílias traba­lhando como autônomos ganharão in­questionavelmente mais autonomia.

Apesar dos melhores esforços da polícia política, a oposição está hoje mais revigorada do que esteve desde a chamada Primavera Negra de 2003 - quando 75 adversários do regime foram presos, e a maioria deles sentenciada a longas penas de prisão. Apesar de 2012 ter fechado com a lamentável perda de Oswaldo Paya, a principal figura do Movimento de Libertação Cristão, outros rostos começam a se destacar. O número de ativistas está crescendo - e eles estão trazendo ideias frescas e modernas para a luta.

Uma comunidade nascente de blogueiros alternativos e artistas performáticos está misturando crítica social em suas criações, e cada vez mais músicos corajosos estão usando as letras de hip hop e reaggaeton para narrar uma realidade muito diferente do discurso oficial. En­quanto isso, redes alternativas de informação, incluindo o Twitter e outras redes sociais via aparelhos móveis, estão ajudando a romper o monopólio do Estado sobre a opinião pública e a comunicar a verdade sobre o que está havendo em nossa ilha para o restante do mundo.

O envelhecimento da nomenclatura, a oposição crescente e a expansão do setor privado não são as únicas influências que enfraquecerão 0 sistema em 2013.0 agravamento da saúde do líder venezuelano, Hugo Chávez, é um catalisador do colapso. Na falta de seu grande cliente - e provedor de petróleo subsidiado - em Caracas, Raúl terá de acelerar as reformas econômicas para estimular o crescimento, enfraquecendo a autoridade do Partido Comunista. O surgimento de seu acólito venezuelano foi uma dádiva divina para os Castros, que perderam seu benfeitor original com o colapso do comunismo soviético. Mas não parece haver outro país no horizonte disposto a carregar nos ombros a ilha e seus 11 milhões de habitantes.

Embargo. O presidente americano, Barack Obama, também terá um papel a jogar. Se os EUA finalmente levantarem - ou abrandarem - seu embargo de décadas, isso poderá dar ao governo um alívio financeiro temporário. Mas, por outro lado, essa medida também tirará a desculpa política favorita do regime de Castro para seus fracassos econômicos. O triste estado do país não poderia mais ser atribuído a nosso vizinho do norte. Isso seria um duro golpe ideológico.

Dados todos esses fatores, é difícil perceber como "o sistema" poderá sobreviver neste ano e muito menos garantir sua viabilidade no longo prazo. Mas vale notar que o regime em Havana há muito demonstrou sua capacidade de sobreviver às mais desfavoráveis previsões. Afinal, a economia cubana está em crise nos últimos 20 anos. Seria até possível dizer que nossos líderes consideram as tensões calmantes e têm desempenho melhor em condições de emergência do que de prosperidade. As necessidades materiais também podem servir para paralisar pessoas que precisam passar horas aguardando um ônibus ou paradas numa fila para comprar alguns quilos de frango em vez de se organizar.

Os que esperam ver uma Praça Tahrir surgir no centro de Havana em 2013 provavelmente ficarão desapontados. Uma explosão social em Cuba pode terminar parecendo uma explosão de emigração. Se tivessem a escolha entre ganhar as ruas para derrubar o governo ou atirar-se ao mar numa jangada frágil para chegar à Flórida, milhões de cubanos prefeririam a última. Nossa frustração pode ser mais bem observada nas filas do lado de fora das embaixadas à espera de obter vistos do que em manifestações em massa.

Claro, "o sistema" com frequência parece estar desmoronando sozinho, sem ajuda das multidões nas ruas. Com um fedor nauseante, a corrupção penetra cada aspecto da Cuba atual. Funcionários públicos estão enchendo cada vez mais os bolsos em empresas estatais - sem isso, a maioria das famílias cubanas não conseguiria chegar ao fim do mês. O dinheiro está constantemente vazando "pela porta dos fundos" via contas adulteradas, números de produção falsificados e o enriquecimento ilícito de quadros administrativos.

Após décadas negando a existência de corrupção no país, o governo reconheceu que ela atingiu níveis insustentáveis. Raúl lançou uma cruzada contra todas essas práticas, embora obviamente ela não inclua uma auditoria da corrup­ção nos altos escalões.

Mesmo assim, as campanhas para eliminar a corrupção estão começan­do a chegar em "chefes" poderosos - pessoas que tiveram uma vida de luxo por muito tempo. Com isso, o general- presidente está ganhando novos inimigos em suas fileiras, inimigos que incluem aqueles em uniformes militares. Será que as medidas de Raúl poderiam provocar uma reação? Até a numerologia parece estar contra o regime. Um fator menos tangível sobre o qual raramente se lê na imprensa, mas que está muito presente no pensamento dos clientes da vidente é aquele maldito número 13 - identificado por muitos com momentos-chave na vida de Fidel, da data do seu nascimento, 13 de agosto de 1926, ao mesmo dia em 1993 quando ele foi obrigado a dolarizar a economia cubana. Em razão de sua saúde delicada, pode-se esperar que os próximos anos tragam aos cubanos a notícia de seu "grandioso funeral" - um evento, a essa altura, com conotações mais simbólicas do que políticas.

Por enquanto, nós cubanos estamos aferrados a nossas previsões sobrenaturais, buscando saber o que car­tomantes evidentes conseguem adivinhar com seus baralhos e búzios jogados. Mas os clientes estão começando a ficar impacientes.

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