O Estado de S.Paulo
Ao tomar posse como suplente de uma cadeira na Câmara dos Deputados, no dia 3, José Genoino foi parcimonioso em declarações aos jornalistas e garantiu que se sentia "confortável" ao assumir mandato parlamentar enquanto aguarda a tramitação em julgado da sentença do Supremo Tribunal Federal que o condenou, no processo do mensalão, a 6 anos e 11 meses de prisão. Na verdade, naquele momento o ex-presidente do PT poderia estar-se sentindo tudo, menos "confortável". Comprovam-no todas as fotos em que aparece durante a rápida e discreta solenidade realizada no gabinete do presidente da Câmara para dar posse a 17 dos quase 30 suplentes de parlamentares que foram eleitos prefeitos ou assumiram secretarias municipais. O flagrante estampado na primeira página do Estado (4/1), de autoria do fotógrafo Beto Barata, tomado no momento em que Genoino prestava declarações à imprensa tendo vários microfones à sua frente, escancara a expressão constrangida de uma pessoa que tem perfeita consciência do extremo incômodo do instante que estava vivendo. Para emoldurar a cena patética, atrás de Genoino três deputados petistas que o acompanhavam - José Mentor, Ricardo Berzoini e José Guimarães, seu irmão - exibem fisionomias carrancudas mais adequadas a um velório do que ao ato presumivelmente jubiloso que testemunhavam. Muito melhor do que palavras, essa foto ilustra o transe doloroso a que a falência dos princípios republicanos está levando o ofício da política, como nunca antes na história deste país.
Nesse quadro, José Genoino é apenas um coadjuvante para o qual se apontam circunstancialmente os holofotes. Um coadjuvante a quem, com alguma indulgência, se pode atribuir o papel de vítima. Uma vítima cujos algozes não são, como querem os petistas, as elites perversas, o judiciário politizado, a mídia monopolista e vendida - enfim, tudo e todos que se recusam a alinhar-se com os planos de poder do partido dito dos trabalhadores. Genoino é, isso sim, vítima das enormes contradições do PT, da falta de escrúpulos com que a liderança da companheirada reescreveu a história de um partido que nasceu com o compromisso de passar o Brasil a limpo.
Não tem faltado quem, indignado com o absurdo ético que representa seu retorno à condição de deputado, não hesite em classificar Genoino como "bandido". Não é justo. Bandidos há muitos na política brasileira em geral e dentro do PT em particular. Especialmente aqueles que ingressaram na vida pública arrostando o perigo de desafiar a ditadura militar e que hoje se refestelam no luxo dos confortos "burgueses" imbuídos da convicção de que fizeram por merecê-lo por serem "do bem". Não é o caso de José Genoino, no que diz respeito ao padrão de vida de classe média que sua família sempre teve. Mas Genoino erra. E da mesma forma como cometeu no passado o erro político de optar pela luta armada para defender a democracia, hoje Genoino erra ao não admitir os crimes em que se viu envolvido e pelos quais foi condenado. Se agisse hoje com a mesma coragem, desassombro e generosidade que há mais de 40 anos o levaram a arriscar a vida no movimento de resistência à ditadura militar, admitiria seus erros no episódio do mensalão, sem precisar quebrar o vínculo de fidelidade a seus companheiros, e teria poupado o País e a si mesmo da cena patética que protagonizou ao trocar o fundamento sólido e permanente da ética pelo oportunismo efêmero da legalidade.
"Estou cumprindo as regras, a Constituição e as normas do País. Fui eleito com 92.326 votos e estou no dever legal, correto e justo de cumprir a Constituição brasileira." Se é de fato o homem probo envolvido em malfeitos por força das circunstâncias, como muitos brasileiros acreditam, José Genoino certamente um dia se arrependerá do cinismo dessa declaração. Pois ninguém contesta o direito que, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, ele tem de assumir uma vaga de suplente na Câmara dos Deputados. Mas nem tudo que é legal e legítimo, é moral e ético.
José Genoino conquistou no passado o respeito até dos brasileiros que dele discordavam porque lutou por aquilo em que acreditava. Hoje procura apenas se agarrar ao que lhe convém. É pena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário