sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O PAÍS DOS ESPECIALISTAS


Ainda contabilizamos 13 milhões de analfabetos e temos Estados como Paraíba, Piauí e Alagoas que superam os 20% - não listarei os analfabetos funcionais para não perdermos a esperança de futuro

Escreveu o Marquês de Maricá em 1837: “A opinião pública é sujeita à moda e tem ordinariamente a mesma consistência e duração que as modas”. Doutor em Filosofia em Coimbra, o marquês – ou Mariano José da Fonseca – traçou a essência do pensamento que se eterniza em nossas terras. Passados mais de 170 anos, o brasileiro mostra a cada dia ser mestre na arte de dizer muito sobre o que nada se sabe.

Ainda contabilizamos 13 milhões de analfabetos e temos Estados como Paraíba, Piauí e Alagoas que superam os 20% (não listarei os analfabetos funcionais para não perdermos a esperança de futuro). Mas quem se importa? Como disse o doutor honoris causa Lula da Silva: “Escola mesmo é a da vida”. E como há quem acredite nisso, não há restrições: de analfabetos a estudiosos, por aqui todos são especialistas em tudo!

Basta uma vinheta de plantão e pronto: o país para e assiste ao assunto dos próximos dias. Entre um feriado e outro, o povo alimenta-se de escândalos, vive à base de repercussão e protagoniza surtos de (des)conhecimento.

Exemplo claro são os períodos de eleição. No país dos especialistas, esse é o momento do surto de militantes e cidadãos politizados. Amparados pelos sólidos argumentos da propaganda gratuita, eleitores colam adesivos, levantam bandeiras e defendem candidatos como se fossem da família. Enchem as redes sociais de lixo e debatem com um ânimo que deixa qualquer sindicalista com inveja.

Esquecem, porém, que a política não dura 3 meses, mas pelo menos 4 anos. O conhecimento é tamanho que alguns não veem problema em coligações de 16 partidos e ainda discutem ideologia. Mas, terminada a eleição, chega a hora de mostrar sabedoria em novos assuntos!

Na falta de um grande evento, recorre-se aos amparos tradicionais, como futebol, música ruim, fim do mundo ou “a novela que parou o país”. Se a novidade demora a surgir, os clássicos servem de balão de oxigênio para quem se sente sufocado pela falta de algo para cheirar. Em 2013, porém, o povo anda alimentado.
Quem sentia fome de tragédia, lamentavelmente, saciou-se com o ocorrido em Santa Maria. No país dos especialistas, deu-se o surto dos peritos e analistas de segurança. Amparados pelas enriquecedoras entrevistas que tomaram as tardes na TV, o grupo especulou, condenou e levantou alardes como se estivesse na boate.

Após terem sido exploradas e saturadas todas as facetas da tragédia, a moda passou. O assunto agora é a renúncia do papa!

No país dos especialistas, aconteceu um incrível surto de doutores em catolicismo e conhecedores dos bastidores do Vaticano. Amparados pelo “Fulano, que disse para Beltrano, que contou para Ciclano”, os teólogos do faz-de-conta apontam conspirações, intrigas e golpes. E alguns, em jornais e revistas, comentam o pontificado de Ratzinger dando claras demonstrações de que nunca leram seus livros ou suas encíclicas, e que acreditam que seis décadas como intelectual valem menos que um diploma de Jornalismo.

A renúncia de Bento XVI é, sobretudo, um ato de lucidez e humildade. Somente com tais virtudes se é capaz de reconhecer que as forças já faltam e que não se tem mais capacidade para exercer o que lhe foi confiado. A lucidez lhe permitiu analisar a si mesmo. A humildade lhe permitiu conceber-se humano e já frágil diante do que dele se espera.

Então alguns questionam: “Mas logo Ratzinger?”. A simples análise da biografia do pontífice torna tal pergunta vã. A vida dos religiosos (de diversas denominações) é marcada por renúncias. Desde a renúncia à família até os desfrutes de uma vida leve. Em seu caso, Bento renunciou até a defender-se contra os que o atacaram. Sua fala sempre foi “Peço perdão pelos meus defeitos”.

Mas no país dos especialistas, cuspir ideias é mais importante que digeri-las, e as reflexões têm a profundidade de um pires de moda. E, como escreveu o romancista francês Honoré de Balzac, “A moda é um ridículo que não teme objeções”. Pensando bem, no país dos especialistas, ser ridículo sempre esteve na moda.

Gabriel Tebaldi,

3 comentários:

  1. Excelente artigo. De fato, abdicar do poder requer muita humildade-qualidade escassa no mundo.

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  2. Excelente texto. Os doutores formados pelo Google pululam quando surgem temas relevantes nas redes sociais

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  3. ótimo artigo, uma triste realidade das opiniões rasas que pululam nas mídias.

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