quarta-feira, 21 de março de 2012

FOGO AMIGO: A CRISE QUE VEM DA BASE

O sossego da presidente Dilma Rousseff (PT) com a ampla base partidária que a ajudou a chegar ao Palácio do Planalto em outubro de 2010 durou pouco. Depois de enfrentar um primeiro ano de governo com sucessivas quedas de ministros e ruídos de que sua gestão estava tomada por esquemas de corrupção – o que a levou a tomar medidas pouco simpáticas com aliados, na chamada "faxina ética" –, a petista ingressou 2012 vendo a base aliada ruir e seus principais interlocutores serem rechaçados no Congresso.
foto: Abr
Ideli Salvati, senadora - Editoria: Política - Foto: Abr
A ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, é considerada inflexível pela oposição e por parte da base aliada

Alguns espinhos de Dilma
Nordeste:
A bancada dos parlamentares do Nordeste, sob coordenação do pernambucano Gonzaga Patriota (PSB), está em crise com o governo Dilma por considerar que ficou de fora de negociações importantes, como a Lei Geral da Copa. Reclamam, ainda, da liquidação de dívidas com produtores rurais nordestinos.

Emenda: O corte de R$ 18 bilhões do Orçamento 2012, anunciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, também causou mal-estar na base.

Sem pasta: O PR, liderado pelo senador Blairo Maggi (MT), deixou a base aliada de Dilma Rousseff depois de perder espaço no Ministério dos Transportes. Na última semana, a sigla declarou oposição ao Palácio do Planalto e ameaça assinar um pedido de CPI para investigar irregularidades na Casa da Moeda.

PT X PT: A nomeação de Arlindo Chinaglia para liderança na Câmara causou estranheza no PT. Petistas dizem que ele representa uma minoria.

Ideli: Deputados e senadores torcem o nariz para a ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais. Acusam-na de
ser inflexível e intransigente.
A instabilidade vem de muito perto. Por não ser uma figura de longa trajetória política e considerada "durona" em suas posições, a presidente enfrenta críticas até do PT. Durante a votação para criar o Fundo de Previdência do Servidor Público (Funpresp), há cerca de 15 dias, oito dos 32 senadores petistas votaram contra a matéria defendida pelo Planalto. Foi um recado velado à presidente: as relações com o parlamento vão mal.

As queixas não se restringem ao Partido dos Trabalhadores. Em 2011, o PMDB, que tem o vice-presidente Michel Temer como maior liderança, passou o ano cobrando mais atenção, interlocução e participação nas decisões centrais do poder. Agora reclama de cortes do orçamento e enxerga nas movimentações eleitorais do PT, neste ano de pleito municipal, ameaça a acordos já firmados no Congresso, como por exemplo o rodízio PMDB-PT na liderança da Câmara.

"A inquietação é permanente. Lula tinha desenvoltura e fazia interlocução com os partidos muito bem. Os problemas existiam, mas eram tratados. Com Dilma, os problemas não são diferentes, mas há falta de habilidade. Nada do que é dito vai adiante. O governo quer mostrar que é ele quem manda e alguns compromissos são tratados de forma errada", apontou o deputado Lelo Coimbra (PMDB).

Um dos motivos das falhas na interlocução seria o relacionamento intransigente da ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, com deputados e senadores.

O caso mais explícito de insatisfação recente é o do PR. O partido, que desde 2002 mantinha o controle do Ministério dos Transportes, viu seu poder encolher depois da queda do ex-ministro Alfredo Nascimento e da nomeação de Paulo Sérgio Passos. Embora o novo ministro seja da sigla, não foi acolhido por não ter "DNA republicano". Com Dilma irredutível aos apelos, o partido zarpou da base.
foto: Divulgação
Sessão deliberativa. Terceira sessão de discussão, em primeiro turno, da PEC 87/2011, que prorroga até 2015 a Desvinculação das Receitas da União (DRU). Na bancada senador Romero Jucá (PMDB-RR) - Editoria: Política - Foto: Divulgação
Após seis anos, Jucá passou de líder a algoz
Destituído do posto de líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB/RR) será o relator do Orçamento 2013 na Casa. O peemedebista já declarou que vai trabalhar a favor da emenda que obriga o governo a cumprir a peça orçamentária exatamente como ela for aprovada no Congresso. Atualmente não é assim, tanto que, este ano, para reduzir despesas, o Ministério da Fazenda cortou R$ 18 bilhões que eram de emendas parlamentares – algo que agravou ainda mais a crise entre aliados.
Lei Geral da Copa
No início desta semana, após denúncias do programa "Fantástico", da TV Globo, sobre esquemas de corrupção envolvendo licitações e compras em hospitais do país, a oposição armou-se em Brasília para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O PR, que até duas semanas atrás fazia parte da aliança governista, ameaça assinar o pedido.

A dor de cabeça para o governo não para por aí. Por força da bancada evangélica, o projeto da Lei Geral da Copa já teve sua votação adiada por diversas vezes – há esforço para que seja votado esta semana. Os parlamentares queriam barrar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante o campeonato de 2014. A autorização é uma das exigências da Fifa.

"Essa liberação vai contra meus princípios éticos, morais e religiosos. O governo não tem o direito de me cobrar apoio a algo dessa natureza", reclamou o deputado Carlos Manato (PDT).

Apesar das resistências dos evangélicos, ontem, lideranças partidárias entraram em acordo e decidiram apenas suprimir do texto o artigo que liberava a venda de bebida. Com isso, fica valendo o texto original do Planalto, mantendo o acordo feito em 2007 com a Fifa.

Não bastassem esses pontos contra o diálogo, no início do mês Dilma decidiu trocar as lideranças da Câmara e do Senado. Na ala dos deputados, saiu Cândido Vacarezza e entrou Arlindo Chinaglia, ambos do PT. No Senado, Romero Jucá (PMDB), no posto há 12 anos, caiu para dar espaço a Eduardo Braga, do mesmo partido.

A crise chegou a tais contornos que até o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB/AL) decidiu aconselhar Dilma. "É fundamental que o Planalto ouça a Casa. O desconhecimento resultou no meu impeachment", disse ele, que em 1992 deixou a presidência sob acusações de corrupção.

Na tarde de ontem, o próprio PT agiu como oposição e derrubou a sessão que votaria a PEC para obrigar a passar pelo Congresso a demarcação de terra indígenas, de reconhecimento de terras quilombolas e aprovação de áreas de proteção ambiental. Na tentativa de acalmar os ânimos dos congressistas, o ministro da Educação Aloizio Mercadante (PT) vai amanhã ao Senado conversar com lideranças. A presidente Dilma, por sua vez, anunciou ontem à tarde a suspensão das reuniões semanais com as bancadas aliadas.
Análise
“A crise ainda vai duarar quatro décadas”

Antonio Fábio Testa, antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB)
Há muito jogo de cena no Congresso. Apesar dos apelos e da aparente crise, a presidente Dilma Rousseff ainda tem muito poder, pois é dela a caneta e a chave do cofre da União. Ela está, de certo modo, sabendo calcular bem o jogo, convocando lideranças que são aliadas a ela e mantendo o PMDB em uma situação de crise interna, que num segundo momento terá que contornar. Todos sabem que o PMDB jamais deixará de ser governo. O PR, apesar da postura de agora, vive uma situação de crise interna e regional e, no máximo, adotará uma posição de independência. O governo tem o PR nas mãos, porque pode simplesmente abrir uma investigação profunda no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e pegar seus caciques. O Brasil não tem oposição; é mais fácil os partidos que se elegeram na oposição buscarem o governo para se viabilizarem. Todos vão buscar Dilma de agora em diante, por causa da proximidade das eleições. Essa crise ainda vai durar muitos anos, talvez três ou quatro décadas, simplesmente porque são questões que afloram pelo calor das emoções e dos interesses que se aguçam com períodos eleitorais. Passado esse tempo, a crise some. Há muitos interesses em jogo, afinal de contas, todos os partidos e líderes estão de olho em 2014.

Eduardo Fachetti - A Gazeta
 

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