sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O CHEFE. 1º CAPÍTULO.




O Chefe, por Ivo Patarra


􀀁2006 Ivo Patarra

Este livro é distribuído pela licença Creative Commons

http://www.escandalodomensalao.com.br/



“A democracia é o pior regime, exceto todos os outros.”

Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro inglês



O Chefe, por Ivo Patarra

􀀁2006 Ivo Patarra

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“O que podemos afirmar, com tranqüila segurança, é que fora da democracia e da Constituição qualquer
solução será frágil e transitória. Nosso país, que sofreu tantas vezes sob regimes autoritários de variada
inspiração ideológica, tem aprendido, aos poucos, a lição da democracia. No regime democrático, a solução dos problemas será lenta e difícil, mas virá. As soluções fáceis, na maioria das vezes, são os atalhos do
autoritarismo e do salvacionismo.”

(Do relatório final da CPI dos Correios, em 29/3/2006)


“Nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como esse núcleo petista fez em tão pouco tempo. Na ditadura, apesar de todo sofrimento, perseguições, prisões, assassinatos, saímos de cabeça erguida e certos de que tínhamos contribuído para a redemocratização do país. Agora, não. Esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira.”

(Frei Betto, amigo histórico de Lula, em entrevista ao jornal

O Estado de S. Paulo, em 24/8/2005)



Nas décadas de 60 e 70 do século 20, não foram poucos os brasileiros a desafiar os “donos” do poder e a combater por liberdade e democracia. Muitos tombaram, mas a luta não foi em vão. Hoje o Brasil é um país livre e democrático, como demonstram os serviços prestados pela imprensa na apuração do escândalo do mensalão. Nesse início de século 21, a luta das forças progressistas é por justiça social e distribuição de renda. E a luta passa prioritariamente pelo combate à corrupção. A construção de uma sociedade sem tantas desigualdades pressupõe uma imprensa atuante, sempre pronta a denunciar o clientelismo,o
fisiologismo e o chamado toma-lá-dá-cá. Jornalistas têm a missão de zelar pela transparência das ações do poder constituído e pela boa aplicação do dinheiro público, apontando desvios e demais expedientes que lesem os direitos e os legítimos interesses do povo. Se houver responsabilidade e espírito público, teremos
nas mãos as ferramentas necessárias para assegurar investimentos m projetos sérios, eficientes e de alcance social. Dessa forma, ransformaremos o Brasil num país desenvolvido e em uma rande nação. O escândalo do mensalão confirma, uma vez mais, que a  imprensa livre, pluralista e vigilante é imprescindível à emocracia e ao Estado de Direito. Nada melhor para a sociedade do que jornalistas determinados, incapazes de se curvar a pressões econômicas, chantagens políticas ou ao benefício das sempre generosas verbas publicitárias, em troca da omissão e do silêncio sobre o jogo sujo dos “donos” do poder. Este livro homenageia  dezenas de profissionais de imprensa, aqui citados nominalmente.
São repórteres que não se intimidaram, não abaixaram a cabeça aos poderosos da vez, e contribuíram de forma decisiva para desvendar e elucidar o mais extenso e complexo esquema de corrupção governamental da história brasileira, em todos os tempos.

Ivo Patarra

Julho de 2006



Lula, o chefe

O Palácio do Planalto bem que tentou abafar, mas desde o início o presidente

Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, esteve no centro da crise política. O escândalo

eclodiu em 14 de maio de 2005, com a divulgação de uma gravação clandestina pela

revista Veja. Maurício Marinho, funcionário dos Correios, pôs no bolso do paletó R$ 3

mil. Propina. De cara, a evidente vinculação do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) ao

esquema de corrupção. Os Correios eram área de influência do partido, uma das

agremiações integrantes da base aliada do governo federal, capitaneada pelo PT (Partido

dos Trabalhadores), a legenda de Lula.

Enquanto os telejornais escancaravam a fita com as imagens de Maurício

Marinho enfiando o dinheiro no bolso, Lula apressava-se em defender o deputado

Roberto Jefferson (RJ), o presidente nacional do PTB. Palavras de Lula, alto e bom

som:

– Precisamos ter solidariedade com os parceiros, não se pode condenar ninguém

por antecipação.

Lula se pronunciou durante almoço com aliados. O presidente insistiu:

– Parceria é parceria. Tem de ter solidariedade.

E arrematou, para não deixar dúvidas:

– Essa é a hora em que Roberto Jefferson vai saber quem é amigo dele e quem

não é.

Lula estava preocupado. Recorda-se que, alguns meses antes, dissera a seguinte

frase endereçada a Jefferson, em meio ao noticiário que especulava sobre um

pagamento de R$ 10 milhões do PT ao PTB, com vistas a “comprar” o apoio dos

trabalhistas às eleições municipais de 2004:

– Eu te daria um cheque em branco e dormiria tranqüilo.

A gravação de Maurício Marinho trouxe outras complicações. O funcionário dos

Correios mencionou uma empresa, a Novadata. Pertence a Mauro Dutra, o Maurinho,

amigo de Lula. A Novadata é uma fornecedora de computadores ao governo federal.

Em dois anos e meio de administração Lula, faturou R$ 273,5 milhões. Como se sabe,

Maurício Marinho desandou a conversar com os interlocutores que o subornavam, sem

saber que estava sendo gravado.

Aqui uma pausa, para registrar: Lula passou o réveillon de 2001 na mansão de

Mauro Dutra em Búzios, no badalado litoral do Rio. O mesmo Dutra que fez

contribuições ao PT, arrecadou dinheiro para o partido e emprestou avião a Lula. Na

fita, Marinho fala de “acertos” em licitações. Descreve manobra da Novadata para

superfaturar computadores. A empresa tentou fazer o preço de cada computador

vendido ao governo dar um salto injustificado, de R$ 3.700,00 para R$ 6.000,00.

Logo nos primeiros dias da crise, Lula trabalhou abertamente contra a idéia de se

criar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a corrupção nos

Correios. Foi decisão de governo: a administração federal iria liberar dinheiro de

emendas ao orçamento, a todos os parlamentares que votassem contra a CPI. Faltou

combinar com os jornais.

Jefferson foi destaque no noticiário político. As incursões do presidente do PTB

nos subterrâneos de Brasília revelaram várias suspeitas de corrupção. Lula achou por

bem se afastar do aliado, mas continuou trabalhando contra a instalação da CPI.

Jefferson estava cada vez mais isolado. Os estrategistas do presidente não atentaram

para o erro fatal.

Em 6 de junho de 2005, Jefferson concedeu uma entrevista-bomba ao jornal

Folha de S.Paulo. O Brasil não era mais o mesmo. A manchete, na primeira página, para

não deixar dúvidas: “O PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson”.

Nascia o escândalo do mensalão.

Leal ao presidente que procurou protegê-lo, Jefferson tentou deixar Lula fora da

crise. Mas logo implicou o superministro José Dirceu (PT-SP). A entrevista reproduziu

a reação de Dirceu, assim que ouviu Jefferson falar sobre os repasses. A tarefa de fazer

a distribuição do dinheiro era de responsabilidade do tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

Palavras de Dirceu:

– Eu falei para não fazer.

Ora, se o todo-poderoso ministro da Casa Civil, braço direito de Lula, disse a

Delúbio Soares não fazer, fica implícito que a prática já fora pensada, discutida e era de

conhecimento do chamado “núcleo duro” do governo. Destaca-se que Delúbio tinha

relação histórica com Lula. Jefferson continuou o seu relato à Folha, envolvendo outros

importantes auxiliares do presidente.

Se os mencionados não conheciam os fatos, ficaram com a obrigação de

encaminhar as denúncias a Lula, assim que foram informados. Afinal, o presidente não

poderia permanecer alheio a um esquema de entrega sistemática de dinheiro a

parlamentares. Isso, claro, se já não soubesse muito bem o que acontecia

Jefferson levou informações sobre o mensalão ao ministro da Integração

Nacional, Ciro Gomes. Da mesma forma que Dirceu, deveria contar tudo o que lhe foi

relatado ao presidente. Assim, providências enérgicas impediriam o prosseguimento da

prática de suborno. Independentemente das convicções do ministro. Conforme

Jefferson, Ciro disse que não acreditava na história da transferência de dinheiro de caixa

2 para a base aliada.

Informado por ministros leais, Lula não poderia fugir do seu dever

constitucional de determinar a imediata abertura de investigação, com a finalidade de

punir os eventuais culpados.

Depois foi a vez de Miro Teixeira, o ministro das Comunicações. Os deputados

José Múcio (PTB-PE) e João Lyra (PTB-AL) testemunharam a conversa na qual

Jefferson pediu para Miro contar tudo a Lula. Tem mais. Jefferson também discutiu o

problema com o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), o então líder do governo Lula na

Câmara, e garante que expôs tudo ao ministro Antonio Palocci (PT-SP), outro

integrante do “núcleo duro” do governo. O recado estava dado.

Aparentemente, só Miro tomou a coisa a sério. A prova é a entrevista concedida

por ele em 24 de setembro de 2004 ao Jornal do Brasil, na qual alardeou que havia

pagamentos a parlamentares ligados à base de apoio do governo. Não houve

conseqüências. Miro, no entanto, já havia narrado o caso ao presidente. Aí é que a coisa

pega. Foi em 25 de fevereiro de 2004. Na época, o deputado Miro se transferira ao PT e

assumira a liderança de Lula na Câmara. O episódio aconteceu logo depois do

escândalo que culminou com a saída de Waldomiro Diniz do Ministério da Casa Civil,

no primeiro grande caso de corrupção da era Lula.

Miro era assediado por deputados que temiam pelo fim da “mesada” fornecida

pelo governo, uma hipótese aventada com a saída de Waldomiro. Afinal, o assessor de

Dirceu cuidava justamente da relação da administração federal com o Congresso. Miro

foi duro. Disse ao presidente que deixaria a liderança do governo. Não aceitava os

pagamentos. Com ar de surpresa, Lula garantiu desconhecer o assunto. Mas disse que

iria discuti-lo, sem falta, com Dirceu. Nada. Pouco mais de um mês depois, Miro voltou

ao Palácio do Planalto e pediu para sair da liderança. Substituiu-o o deputado Professor

Luizinho (PT-SP), aparentemente um dos expoentes do mensalão.



Em 5 de janeiro de 2005, Jefferson levou o assunto diretamente a Lula. Quem

testemunhou foi o ministro Walfrido Mares Guia (PTB-MG), do Turismo. Nenhuma

providência tomada. Voltou a Lula novamente, em 23 de março de 2005. Desta vez,

várias pessoas ouviram a conversa sobre as “mesadas do Delúbio”. Jefferson expôs

tudo. Presenciaram José Dirceu, Aldo Rebelo e José Múcio. Todos os três, aliás, já

estavam a par do assunto. Além deles, ouviram o relato o deputado Arlindo Chinaglia

(PT-SP) e o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, que, da mesma forma, não

poderiam mais alegar desconhecimento. Jefferson afirmou:

– Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira.

Reação de Lula:

– Que mensalão?

Houve ainda um outro episódio, dez meses antes. Foi na noite de 25 de maio de

2004. O curioso é que, daquela vez, Lula introduziu o assunto. A comitiva do presidente

estava em viagem oficial à China. Lá pelas tantas, depois do farto jantar, Lula se virou

para o deputado Paulo Rocha (PT-PA) e perguntou se ele já ouvira falar do pagamento

de mesadas a parlamentares. Para entender: durante os desdobramentos do escândalo do

mensalão, Rocha preferiu renunciar ao mandato a correr o risco de ser cassado,

justamente por fazer saques de dinheiro de caixa 2. Rocha negou a história. Mas outros

três deputados que estavam à mesa na China confirmaram a veracidade da conversa à

revista Veja.

Com a explosão do escândalo do mensalão, Aldo Rebelo foi escalado para falar

em nome do Palácio do Planalto. Admitiu que Lula ouvira mesmo o relato de Jefferson

em 23 de março de 2005, mas tratou de blindar o presidente. Para Rebelo, a denúncia

envolvia o PT e outros partidos, não o governo. Ora, o PT é o partido de Lula. E os

outros partidos dão sustentação política ao governo Lula. Estavam sendo pagos para

isso. Como blindá-lo?

O líder de Lula no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), tentou explicar a

reunião de 23 de março:

– Nenhum dos presentes tratou aquilo como denúncia, nem discutiu o assunto na

reunião. Depois, Lula chamou Aldo e Chinaglia e perguntou se havia comentários sobre

isso na Câmara. Não houve denúncia, apenas o relato de boato.

Para Mercadante, portanto, Lula, o grande beneficiário da maioria forjada para

apoiar o seu governo no Congresso, não tinha providências a tomar sobre o assunto.

Pois não havia “comentários” sobre o tema.

A Folha ainda circulava com a denúncia de Jefferson sobre o mensalão naquele

6 de junho de 2005, quando o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), veio a

público revelar que dois deputados receberam propostas para se transferir à base aliada

do governo Lula, em troca de dinheiro.

Pior: em 5 de maio de 2004, Perillo levou o fato diretamente ao conhecimento de

Lula. Na época, o presidente disse que iria apurar. Não fez nada. De qualquer forma,

não faria sentido dizer que não sabia do assunto. Meses depois, fustigado, o Palácio do

Planalto se posicionou sobre o episódio, por meio de nota. Informou que Lula não se

recordava de nenhum comentário do governador a respeito da tentativa de suborno de

deputados.

Em 12 de junho de 2005, nova entrevista de Jefferson à Folha de S.Paulo. O

deputado deu detalhes da conversa com Lula, mantida dentro do gabinete do presidente:

– Ele me pediu que explicasse como funcionava o mensalão. Eu disse. Depois

ele se levantou, me deu um abraço e eu saí.

Na entrevista, a chave para entender por que o escândalo do mensalão não foi

contido nos bastidores da política, e virou um escândalo. Jefferson relatou à repórter

Renata Lo Prete a primeira conversa com Lula para falar dos repasses, em janeiro de

2005. Jefferson esforçou-se em proteger o presidente:

– E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam. Mas o que eu

estranho é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar

arapongas contra o PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa

informação ao presidente.

O “alguém” é o ministro José Dirceu. Foi acionado por Lula. A Abin (Agência

Brasileira de Inteligência) teria entrado em ação. No final das contas, mostrou-se

desastrosa a estratégia de fuçar a vida de Jefferson e descobrir podres do deputado, com

vistas a obter o seu silêncio. Ele não aceitou a chantagem. O tiro saiu pela culatra.

Dia 13 de junho de 2005, o seguinte à entrevista. A assessoria de Dirceu

divulgou informações segundo as quais o relacionamento entre o ministro e Lula era

excelente. Bobagem. O importante do “recado” de Dirceu estava na frase que, segundo

a assessoria, o ministro havia proferido. A fala de Dirceu foi divulgada como sendo

textual, entre aspas, e serviu para definir o seu relacionamento com o presidente:

– Não faço nada que não seja de comum acordo e determinado por ele.

Estava tudo aí. Dirceu, ao travar combate para não ser expelido do governo, fez

ameaça velada a Lula. Como quem diz: “Não ouse me fritar, muito menos me demitir.

Sei demais. Posso e vou comprometê-lo”. Mas ficou nisso. Dirceu jamais fez nada,

apesar de, em outros momentos da crise, ter voltado a insinuar que poderia pôr o dedo

na ferida.

Em 14 de junho de 2005, Jefferson prestou depoimento ao Conselho de Ética da

Câmara dos Deputados. Foi um dia histórico. Jefferson pediu o afastamento de Dirceu

do governo. Na prática, sentenciou à morte o homem mais importante da história do PT,

depois de Lula:

– Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem inocente,

o presidente Lula.

Para complicar as coisas, entrou em cena Fernanda Karina, a ex-secretária de

Marcos Valério. A essa altura, Valério, o empresário dono de agências de publicidade e

principal operador do mensalão, já era uma celebridade. Ela disse em entrevista à

revista Isto É Dinheiro que Valério tinha comunicação direta com Dirceu.

O superministro de Lula também foi acusado de receber dinheiro do esquema de

corrupção montado em Santo André (SP). Quem fez a denúncia foi Francisco Daniel, o

irmão do ex-prefeito Celso Daniel (PT). Aqui, Lula voltou ao centro da crise. Francisco

Daniel disse que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, transportou R$ 1,2

milhão de propina em seu carro. O dinheiro teria sido entregue a Dirceu, na época o

presidente nacional do PT.

Em 16 de junho de 2005, Dirceu foi defenestrado do governo. Fazendo-se de

alheio aos problemas, Lula deu entrevista em Luziânia (GO) para dizer que as

denúncias eram “vazias”. Se assim o fossem, por que afastar o ministro? Entrementes,

nos bastidores de Brasília, o presidente trabalhava para frustrar a CPI dos Bingos, uma

nova fonte de investigações contra o seu governo. Prometeu mundos e fundos para

quem ficasse ao seu lado. Não conseguiu impedir a instalação da CPI dos Bingos.

Um episódio que mostrou Lula como sujeito atuante nos corredores invisíveis de

seu governo, e não alguém sempre por fora dos “detalhes” comprometedores. Foi o caso

da “simples” nomeação do diretor de engenharia de Furnas Centrais Elétricas. O assunto

relatado por Jefferson ocupou páginas e páginas de jornal. Não era para menos. O

diretor, Dimas Toledo, administrava, de acordo com Jefferson, uma “sobra” de R$ 3

milhões ou R$ 4 milhões por mês – dependendo da versão –, dinheiro abocanhado

quase que integralmente pelo PT.

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