domingo, 20 de novembro de 2011

QUANDO A CORRUPÇÃO VEM DA SOCIEDADE

Roberto Abdenur diplomata aposentado e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Foto: Divulgação

Educação
Diplomata aposentado, Roberto Abdenur acredita que, em alguns anos, será possível vencer as pequenas transgressões do dia a dia. O caminho, aponta, é ensinar às crianças, desde cedo, a diferença entre o certo e o errado.
"As pessoas sabem o certo e o errado, mas pensam: também posso fazer"
ROBERTO ABDENUR Presidente do
Instituo Etco


O ministro do Trabalho pegou carona num avião, mas "esqueceu-se". Outros membros do primeiro escalão federal caíram porque tentaram ocultar relações que os colocavam em xeque. Nas ruas, protestos mostram que a população revoltou-se e quer rigor contra a corrupção.

Mas, no fim das contas, será que esse mal está distante de nós, enraizado no Planalto Central? Não é difícil encontrar, perto da gente, quem critique a corrupção em Brasília, mas peça um comprovante de consulta odontológica para abater no imposto de renda - uma forma de sonegação. Ou, então, um vizinho que reclama dos políticos, mas faz gato de energia elétrica em casa ou no seu comércio.

Especialistas ouvidos por A GAZETA avaliam que a corrupção que ronda a Esplanada dos Ministérios é a mesma que permite que as pessoas, no dia a dia, desrespeitem a faixa de pedestres, comprem CDs pirata ou finjam dormir quando ocupam um banco do ônibus, negando assento a idosos ou gestantes - que muitas vezes ficam de pé no lotação.

"Existe no Brasil uma cultura de leniência a transgressões. As pessoas sabem o que é certo e errado, mas pensam 'se os outros fazem, por que eu também não posso?' Os pequenos delitos geram a corrupção e formam um círculo vicioso", aponta o diplomata aposentado Roberto Abdenur, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).

O que Abdenur chama de transgressão nem sempre está visível nas ruas. Possivelmente você conhece alguém que costuma "baixar" músicas ou filmes da internet sem respeitar o direito autoral. Ou vai dizer que nenhum amigo tem aquela "seleção especial" de músicas em CD pirata? São casos comuns, mas que burlam leis.

"A corrupção vem do fato de você colocar sua vontade sobre as regras sociais vigentes. Quem se preocupa com a corrupção deveria se preocupar com a manutenção de toda e qualquer regra, até as mais simples", aponta o mestre em Direitos Constitucional Júlio Pompeu, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

No ano passado, o Brasil perdeu cerca de R$ 35 bilhões com pirataria (incluindo a venda de CDs pirata), em impostos não arrecadados e prejuízos para as empresas, de acordo com a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Um levantamento do Instituto Etco aponta que o comércio ilegal chega a movimentar R$ 850 bilhões por ano, ou 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

JulgamentoPara Pompeu, um dos motivos de a sociedade criticar o governo mas não enxergar os maus exemplos do dia a dia é
foto: Edson Chagas
ES - Vitória - Pedestre passa em frente a banca de venda de DVDs piratas na Rua General Osório. Foto: Edson Chagas
"Esperteza" é sinônimo de prejuízoDados da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) apontam que entre 2006 e 2009, os brasileiros compraram o equivalente a 47,4 mil quilômetros de CDs e DVDs piratas (como os da foto ao lado). Essa "quilometragem" seria alcançada se as mídias fossem postas lado a lado. No Estado, chama a atenção o rombo gerado pelos chamados "gatos" de energia elétrica. Dados da EDP Escelsa, concessionária que atende a 67 municípios capixabas, sinalizam que o roubo de energia elétrica por meio de ligações clandestinas absorveu, no ano passado, mais de 54 milhões de quilowatts-hora. Seria o suficiente para abastecer uma cidade com 300 mil lares, como Vila Velha, por exemplo. Para combater o problema, a empresa deve gastar R$ 35 milhões.
justamente o juízo passional de valores. "O modo com que julgamos a nós mesmos é muito diferente daquele com que julgamos quem está distante. Quando julgamos nossa conduta, somos condescendentes com erros; quando avaliamos o erro do outro, somos mais exigentes".

Na internet, não é difícil constatar a comparação. Quantos não se sentem tentados a, ao avistar uma blitz, recorrer às redes sociais para avisar aos amigos que vão sair para o bar? Parece bobo, mas a decisão pode mudar (literalmente) os rumos de outras vidas.

Robson Loureiro, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Filosofia da Ufes, vê esses casos do seguinte modo: "Se cada um escolher fazer o que bem entende, apenas para satisfação de uma vontade particular, dificilmente conseguiríamos viver em sociedade. A ética exige paciência, critério e comparação", destacou.

Ainda no trânsito, há exemplos práticos de pessoas que não se comparam às demais. Da clássica "paradinha" em frente à escola dos filhos em fila dupla, ao estacionamento na vaga de idosos e deficientes, ou, então, na vaga para ambulâncias (como na foto acima), tudo é "possível" pelas ruas.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, essas faltas são consideradas graves. Por isso, os motoristas devem ser multados em R$ 127,69 e perder cinco pontos na carteira de habilitação. Não é incomum que, quando flagrados, esses infratores apelem para a velha desculpa de que o erro "foi só por cinco minutinhos".

Para Abdenur, em casos como esses, há uma explicação clara: as pessoas têm certeza de que vão burlar as regras e não serão punidas. "A sensação de impunidade alimenta a corrupção e as pequenas transgressões. Em situações limite, você vê gente que bebe, atropela pessoas e é solta com pagamento de fiança", critica.

O caso é diferente, mas no início do mês um empresário de Vitória foi para trás das grades depois que a polícia constatou irregularidades na ligação de luz em seu restaurante. Pior: ele já havia sido preso antes por furto de energia. Da última vez, pagou R$ 1 mil de fiança e foi solto.

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Falta Reflexão

A percepção do professor Robson Loureiro é de que as pessoas não parecem dispostas a pensar sobre o mal que elas mesmas podem causar aos outros ou ao convívio social quando cometem delitos.

"Há hoje em dia certa facilidade em fragilizar a capacidade de conduzir escolhas a partir de uma reflexão. A sociedade tem dificuldade em lidar com a liberdade", diz Loureiro.

O professor Júlio Pompeu faz outra ponderação: as manifestações contra a corrupção levantaram a bandeira da moralidade, mas tendem a ser passageiras, pois falta, segundo ele, base ideológica a elas.

"Essas manifestações me parecem mais contra a classe política que com a corrupção. Dos erros cotidianos, como furar a fila do banco, ninguém reclama. E quem reclama é visto como chato", finalizou.


Eduardo Fachetti - A Gazeta
Análise
"Perdemos a noção de limites"
Existe uma crise ética no Brasil. Nós perdemos a noção de que o que é público não pertence apenas ao indivíduo, e sim a todos. Há quem acredite que, por deter um poder político, não se está sujeito ao julgamento ético. O pensamento individualista é o que predomina, o que acaba gerando um sentimento grave de impunidade. Estamos perdendo o senso da coletividade; a sociedade pensa muito em satisfazer os próprios desejos sem pensar no que é coletivo. Ao dizer que simplesmente se esqueceu do avião que lhe deu uma carona no Maranhão, o ministro do Trabalho, Paulo Lupi, tripudia da inteligência alheia na certeza de que não será punido. A classe política se acha no direito de fazer e desfazer o que quiser, mas a corrupção não é algo restrito a ela. A corrupção está presente na religião, nas ações familiares, no dia a dia. Estamos perdendo o respeito pelo outro e, com isso, a nossa dignidade. Houve uma corrente, na Filosofia, que afirmou que o ser humano nasce bom. Mas, ultimamente, há dúvidas quanto a isso. Na luta desenfreada por ter, o homem esqueceu-se de conviver em sociedade. Não podemos ter tudo o que queremos e, por isso, perdemos a noção dos nossos limites.
Paulo César Delboni, mestre em filosofia e Coordenador do curso de filosofia da faculdade salesiana de vitória.

 

3 comentários:

  1. Não é fácil agir corretamente num pais que agi torto, muitas vezes aqueles que são corretos ficam sem opção para agir corretamente, é uma questão de CONSCIÊNCIA mas ás vezes somos obrigados a agir de forma incorreta pois quem criou a lei era incorreto e aí a gente agi de acorco com nosso coração e CONCIÊNCIA sem sentir culpado mas sempre fazendo e pensando no bem de todos

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  2. Quanto a compra de produtos ilegais,os originais sao muito caros entao o poder publico ja deveria ter tomado uma providencia para diminuir o preço dos originais.seria uma boa alternativa

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  3. Excelente artigo, meu amigo. A questão não está nos atos mas na formação. Nada justifica um ato ilegal. Mas, infelizmente,o ego procura colocar a culpa nos outros, nas circunstâncias. Todos têm medo de ser corretos, diferentes. O egoísmo impera, atualmente. E Jesus veio para denunciar, justamente, isso.

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