sábado, 14 de dezembro de 2013

NADA É TÃO RUIM ...( A REALIDADE DO ESPIRITO SANTO )

João é um cidadão comum, desses que trabalham de janeiro a junho só para pagar impostos ao governo


João é um cidadão comum, desses que trabalham de janeiro a junho só para pagar impostos ao governo. Em 2010, João ouviu Tiririca dizendo “Pior que tá, não fica”. Crendo nisso, nosso cidadão mudou-se para o Espírito Santo, para ver se crescer era mesmo com a gente.

Logo de cara João percebeu que nossa política era uma eterna eleição. Os vencedores de 2010 elegeram seus comparsas em 2012 e já planejam 2014. Para se apossar da Prefeitura de Vitória, valeu até renascer das cinzas, como Luiz Paulo (PSDB), capixaba de quatro em quatro anos. Desde 2012, nunca mais se ouviu o LP.

Na Capital, João ouviu dizer que o tal gesto da mudança acabaria com o caos que o xará, Coser (PT), levou para o trânsito. Porém, veio a desilusão: em Vitória, 3 km podem levar até 45 minutos de carro. Na Avenida Leitão da Silva, o mesmo trajeto 
consome 30 minutos... A pé!

Em nossa terra, João ouviu falar do Minha Casa, Minha Vida, que facilitava a compra de imóveis para a população de baixa renda. Criado em 2009, o programa ainda aceita parcelas de R$ 50,00 mensais, o que gerou uma dúvida para nosso rapaz: “E se as pessoas não pagarem? Como o governo cobrirá o investimento de R$ 71,1 bilhões?”. O governo respondeu dizendo que o coitado do João era contra o povo brasileiro. Mas sua pergunta é necessária, pois, enquanto a média de inadimplência no país é de 5%, o Minha Casa, Minha Vida já passou de 30%.

O pouco tempo no Estado foi suficiente para João acompanhar o futebol local e, como bom capixaba, passar a torcer por um time do Rio de Janeiro. Ainda acreditando em Tiririca, o jovem escolheu o Vasco e foi a Joinville (SC) no último domingo. Lá presenciou a barbárie das torcidas organizadas enquanto a PM aguardava do lado de fora. Vítimas caíram desacordadas e os agressores assistiram ao jogo normalmente. E o fato está longe de ser isolado: só em 2013, foram 30 mortes ligadas ao futebol!

Atingido sem culpa, João foi a um hospital de Santa Catarina. Se estivesse por aqui, o novo capixaba veria o déficit de mais de 2.600 leitos e a carência de camas e medidores de pressão. Se fosse atendido no São Lucas, seu destino 
poderia ser o mesmo do instalador Washington Luís, que, após chegar desacordado de Piúma, retomou a consciência, ficou três dias no corredor e fugiu do hospital. O paciente retirou seu soro e saiu caminhando. Seu relato resume a saúde pública: “Se contar toda a realidade, só Nossa Senhora para acudir”.

De volta ao Espírito Santo, João desembarcou e foi ao Terminal de Campo Grande, onde presenciou um arrastão de sete bandidos, que levaram armas, coletes e documentos dos vigilantes. No dia seguinte, dois adolescentes promoveram outro arrastão, dentro de um Transcol. Mas João saiu de Campo Grande sem denunciar o crime, pois, por aqui, denunciar arrastão, seja no Terminal seja no Shopping, é receita certa para ser acusado de racismo.

Cansado de nossos absurdos diários, o migrante buscou refúgio na Ufes, suposto berço de intelectuais. Aí deparou com os cursos de Comunicação Social e Publicidade e Propaganda, que tiveram seus vestibulares suspensos. Os ungidos da universidade praticaram o boicote à prova repetidas vezes, gerando baixas notas e o congelamento do ingresso. Sobrou para os vestibulandos: 659 candidatos ficaram sem rumo.

Diante de nossa crua e porca realidade, João desabafou num grito: “Está tudo tão ruim que só falta chover!”. Dito e feito: na última quinta-feira, o Estado ficou debaixo d’água em mais uma cena vergonhosa de incapacidade pública. Em meio à enchente, finalmente foi possível compreender a propaganda que alerta para a segurança no mar: “Os carros são como as lanchas. As motos são como os jet-skis. E os pedestres são os banhistas”.

Quando se mudou para o Espírito Santo, João achava que o poço tinha fundo, mas descobriu que não há limites para o absurdo. Hoje, conhecendo a terra capixaba, ele segue outro dito popular, certo de que novas surpresas o aguardam em questão de dias: “Nada é tão ruim que não possa piorar”. Alguém aí duvida?

Gabriel Tebaldi, 20 anos, é estudante de História da Ufes

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