quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

AMARGO DE DOER


A economia continua a negar as melhores expectativas. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre foi o pior desde 2009, com o IBGE informando queda na margem maior que a esperada, de 0,5%, além de frustrar a presidente Dilma Rousseff com a revisão das contas nacionais de 2012. Ela dissera, em entrevista na semana passada, que o PIB de 2012 teria crescido 1,5%, e não 0,9%.

“Nós sabíamos que não era 0,9%, que estava subestimado o PIB”, ela afirmou ao El País, da Espanha, sem revelar a fonte de sua certeza. Foi mal. Na série revisada pelo IBGE (com inclusão da nova Pesquisa Mensal de Serviços, além de atualizações da produção industrial e agrícola e do consumo de famílias), os ajustes foram cosméticos nos dois últimos trimestres de 2012 e os dois primeiros de 2013. A alta do PIB de 2012, com isso, passou de +0,9% para apenas +1%.

A gafe narra alguma coisa sobre a formulação da política economia e as decisões embasadas nessas concepções. Foi assim, por exemplo, com o consumo movido a crédito, desonerações tributárias e expansão do gasto público como pule de dez para o empresariado impulsionar o investimento, mas que serviu para endividar o consumidor, corroer o superavit primário e alargar o deficit em conta corrente, sem gerar o crescimento econômico anual esperado por Brasília — 3% a 3,5%.

O mapa do PIB divulgado pelo IBGE continua a mostrar uma economia sem viés definido. Pelo lado da oferta, comparando o 3º trimestre ao 2º, chamou a atenção a queda de 3,5% da agropecuária, enquanto a indústria (+0,1%) e serviços (também +0,1%) se mantiveram estáveis. Pela ótica da demanda, o investimento, ou formação bruta de capital fixo (FBCF) recuou 2,2%, não compensado pelo aumento do consumo das famílias (+1%) e do governo (+1,2%). A demanda externa voltou a ter contribuição negativa para o resultado do PIB, com as exportações (-1,4% intertrimestres) cedendo mais que as importações (-0,1%).

Sobre o 3º trimestre de 2012, o PIB cresceu 2,2%, desacelerando em relação à alta de 3,3% no período anterior. Em 12 meses, o PIB está rodando a 2,3%, com viés de baixa para o ano inteiro. No cenário da consultoria LCA, a perspectiva é de alta moderada no 4º trimestre e aumento no ano entre 2,1% e 2,5%. O diretor da Nomura Securities, Tony Volpon, prevê 2,1% em 2013 e 1,7% em 2014. É por aí.

Selic põe o PIB de dieta

Com o Banco Central apertando a política monetária, estranho é que o PIB esbanjasse saúde. Com parte do consumo interno vazando para o mercado externo — uma das razões do deficit em conta corrente em 12 meses já chegar a 3,6% do PIB, financiado não mais só pelo fluxo de investimento direto estrangeiro, mas com fundos financeiros, o tal do hot money —, até a visão de recuperação moderada do crescimento, conforme previsão do ministro Guido Mantega, não parece razoável.

Aliás, a um dia do anúncio das contas nacionais, Mantega não tinha de anunciar que esperava expansão trimestral de 2,5% sobre 2012. O resultado certo foi menor, 2,2%. Tais coisas revelam açodamento.

Ligeireza com os números
Mantega é ligeiro com os números. O ministro agora diz que a taxa de investimento em relação ao PIB se elevará a 24% em 10 anos graças às concessões. É mesmo? Pelo Plano Plurianual de 2012-2015, o investimento chegaria em 23,2% do PIB em 2015. Está longe disso. Em quatro trimestres até setembro, a taxa de investimento bruto (que inclui estoques) avançou para 18% do PIB, vindo de 17,7% em igual período até junho. A taxa de poupança doméstica fez caminho inverso, de 14% para 13,9% do PIB. A diferença foi bancada com 4,1% de “poupança externa” — isto é, os deficits em conta corrente.

A questão, como ressalta o economista Fernando Montero, é que, para o investimento confirmar o cenário de Mantega, o consumo doméstico, que se expande há 40 trimestres seguidos, não poderia crescer além de 1,4% ao ano, cerca de metade do que tem sido, supondo-se deficit externo nos níveis atuais e crescimento potencial de 3%.

Entre a versão e o fato
A economia idealizada, que cresce impelida pelos investimentos sem ameaçar as contas externas, contraria, segundo Montero, o modelo de “um governo que vê no consumo seu fundamento mais precioso”. É mais polêmica entre versão e fato. No caso da austeridade que o governo jura praticar com a execução orçamentária, as manobras para simular superavit primário sem corte de gastos já não convencem ninguém. A última desse tipo, ainda sem confirmação oficial, envolveria um empréstimo da Caixa Econômica Federal à Eletrobras, com aval do Tesouro, para cobrir o custo das usinas termelétricas. O estranho é acharem que tais coisas não geram sequelas. Deve ser da mesma fonte que fez Dilma acreditar que o PIB estivesse subestimado. 

O labirinto das metas

Seria divertido se, como se diz, não fosse trágico o desvio entre as metas oficiais e os resultados efetivos, embora negados, tal como o viciado que se julga no controle de seus hábitos. A meta de 4,5% de variação anual da inflação, como diz Volpon, virou um “objeto de desejo inatingível” do BC. A poupança fiscal é outro labirinto.

Na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a meta é de R$ 156 bilhões, ou R$ 108 bilhões para a União, que pode abater até R$ 65 bilhões, mas teria de cobrir qualquer frustração da parte de estados municípios. Isso não vale mais, o que significa, diz Montero, que a meta legal é de apenas 0,9% do PIB (R$ 43 bilhões). O ministro Mantega diz que trabalha com superávit de R$ 73 bilhões em 2014. Não informa em que termos — se com dinheiro sonante ou se com a cartola do Tesouro.

Parece-se com a fórmula de aumento da gasolina que a Petrobras foi impedida de revelar. Talvez porque seja como a meta fiscal, sujeita a intempéries, à base do vamos que vamos.


Antônio Machado - Correio Brasiliense

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