sexta-feira, 27 de agosto de 2010

CONHEÇA O PASSADO PARA ENTENDER O PRESENTE.

O SEQÜESTRO DO EMBAIXADOR DOS EUA


Assaltos a bancos e estabelecimentos comerciais, ataques a sentinelas, roubos de armas e explosivos, assassinatos encobertos sob o eufemismo de "justiçamentos", a violência estarrecia porém perdera o ineditismo. A repetição sistemática das ações tirava-lhes o impacto do fato novo gerador de curiosidade. Era necessário imaginar algo que mexesse com a opinião pública.

Com esse pensamento, a direção da Dissidência do PCB na Guanabara (DI/GB) imaginou, em meados de 1969, o seqüestro de um representante diplomático. A ação teria a finalidade de liberar companheiros presos e de chamar a atenção da opinião pública nacional e internacional para a audácia e a determinação do movimento revolucionário comunista no Brasil.

O alvo mais significativo seria o embaixador dos Estados Unidos da América, tachado como representante e defensor dos "interesses imperialistas norte-americanos em nosso País".

O pensamento inicial da DI/GB, em consonância com sua origem universitária, era libertar o seu militante e líder secundarista, Vladimir Gracindo Soares Palmeira ("Marcos"), além dos também dirigentes do movimento estudantil, José Dirceu de Oliveira e Silva ("Daniel") - militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), e Luiz Gonzaga Travassos da Rosa, militante da Ação Popular (AP)

A idéia do seqüestro partiu de Franklin de Souza Martins ("Waldir", "Francisco", "Miguel", "Rogério", "Comprido", "Grande", "Nilson", "Lula") - que havia estado preso junto com os demais líderes até o final de 1968, e foi logo apoiada por Cid de Queiroz Benjamin ("Billy", "Vitor", "Willy", "Miro", "Levi"), integrante da Frente de Trabalho Armado (FTA) da DI/GB.

A direção da DI/GB, liderada por Franklin, concluiu, após os levantamentos preliminares, que a falta de experiência de seus quadros poderia dificultar o sucesso da ação. Seria necessário o apoio de uma equipe mais experiente. A ALN já havia conseguido notoriedade através da intensificação de suas ações armadas, principalmente em São Paulo, e pela constante divulgação de textos de Carlos Marighella, incentivando todo e qualquer tipo de "violência revolucionária". A ALN afigurava-se como o apoio mais confiável e competente.

Em julho de 1969, Claudio Torres da Silva ("Pedro", "Geraldo"), membro da FTA, devidamente autorizado pela direção da DI/GB, foi fazer contato com Joaquim Câmara Ferreira ("Toledo", "Velho", "Valter", "Azevedo"), dirigente nº 2 da ALN. "Toledo", aplicando a autonomia revolucionária permitida pelos princípios da organização, aprovou a ação e, sem o conhecimento de Marighella, prometeu o apoio da ALN à empreitada da DI/GB.

Durante os preparativos, foi alvo de especial atenção a escolha da data da ação. Havia duas opções: a semana de 7 de setembro ou o 8 de outubro. Oito de outubro, significativo pela lembrança da "queda" de Che Guevara na Bolívia, foi preterido pela semana de 7 de setembro em função da urgência em libertar os presos políticos e da intenção de desmoralizar as autoridades e esvaziar as comemorações da Semana da Pátria.

No final de agosto, Cid de Queiroz Benjamin tornou a fazer contato com "Toledo", em São Paulo, pormenorizando detalhes da ação de seqüestro. Da reunião, participou Virgílio Gomes da Silva ("Breno", "Jonas", "Borges"), coordenador do Grupo Tático Armado (GTA) da ALN, que seria o comandante da ação. "Breno", codinome utilizado por Virgílio só para o seqüestro, selecionou os também militantes da ALN, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto ("Francisco", "Sergio", "Benê", "Mauro") e Paulo de Tarso Venceslau ("Rodrigo", "Geraldo", "Machado", "Beto"), para participarem diretamente da ação. "Toledo", pela direção da ALN, deslocar-se-ia para o Rio de Janeiro a fim de coordenar as ações e orientar os contatos com as autoridades.

Os levantamentos, reconhecimentos e providências logísticas da ação, todas sob a responsabilidade da DI/GB, já haviam sido tomadas.

Fernando Paulo Nagle Gabeira ("Mateus", "Honório", "Bento", "João", "Ignácio"), jornalista do "Jornal do Brasil" e responsável pelo setor de imprensa da DI/GB, havia alugado em 5 de agosto, por meio de sua amante Helena Bocayuva Khair (nome de solteira Helena Simões Bocayuva Cunha), a casa nº 1026 da Rua Barão de Petrópolis, no Rio Comprido, perto de Santa Teresa. O casarão, além de servir ao setor de imprensa, imprimindo o jornaleco "Resistência", seria utilizado como local de cativeiro do embaixador.

Franklin, Cláudio Torres e Cid levantaram o itinerário do carro do embaixador que, invariavelmente e sem qualquer segurança, transitava de sua residência oficial - um palacete da Rua São Clemente, em Botafogo - para a embaixada, localizada na Avenida Presidente Wilson, no Centro da então Guanabara. O itinerário, sempre o mesmo, iniciava-se na Rua São Clemente, passava pela tranqüila e descongestionada Rua Marques e atingia a Rua Voluntários da Pátria. A Rua Marques, pelas suas características, foi a escolhida para ser o local da abordagem do carro do embaixador.

Vera Sílvia Araújo de Magalhães ("Marta", "Andréia", "Carmen", "Ângela", "Dadá"), militante da FTA da DI/GB, foi a encarregada de levantar a personalidade e os horários de saída do embaixador. Aproveitando-se de sua aparência física atraente e à semelhança de ações anteriores, apresentou-se na casa do embaixador à procura de emprego como doméstica. Atendida pelo encarregado da segurança, Antonio Jamir, "Marta" envolveu-o emocionalmente, conseguindo os dados necessários à complementação do planejamento. "Marta" não se constrangia em utilizar o sexo como "instrumento de ação revolucionária".

Acertados os detalhes, foi marcada a data de 4 de setembro de 1969 para a ação de seqüestro. Mesmo o derrame cerebral sofrido pelo presidente Costa e Silva e a conseqüente assunção, em 31 de agosto, de uma junta governamental integrada pelos três ministros militares não foram um fato político suficiente para alterar a data prevista.

Em 2 de setembro, Paulo de Tarso Venceslau conduziu para a Guanabara, em seu carro particular, os terroristas Virgílio Gomes da Silva e Manoel Cyrillo de Oliveira Netto. Ao chegarem, foram recebidos por Cid e Cláudio que os conduziram "fechados" para um "aparelho" no bairro do Flamengo, perto do Hotel dos Ingleses. Virgílio, cioso de suas prerrogativas de comandante, iniciou, junto com os outros dois militantes da ALN, os reconhecimentos dos locais e itinerários ainda nesse dia, complementando-os no dia seguinte.

Em 3 de setembro, completado o planejamento, Paulo de Tarso comunicou-se com "Toledo", em São Paulo, por telefone, informando: "Negócio fechado, mande a mercadoria". A senha, enviada para a residência do industrial Jacques Emile Frederic Breyton - integrante da rede de apoio da ALN -, significava que a ação estava preparada, seria desencadeada e que "Toledo" poderia deslocar-se para a Guanabara. Nesse mesmo dia, de avião, "Toledo" chegou no Rio de Janeiro, indo alojar-se no "aparelho" da Rua Petrópolis, onde passou a relacionar os nomes dos comunistas presos que deveriam ser trocados pelo embaixador.

Redigido por Franklin e Gabeira e aprovado por "Toledo", ficou pronto o panfleto que seria deixado no carro do embaixador após a ação. Esse manifesto inseria o seqüestro dentro do contexto das demais ações terroristas, classificando-o como um "ato revolucionário". Fazia propaganda "antiimperialista", acusando o embaixador de representante dos "interesses espoliativos norte-americanos no Brasil". Exigia a libertação de quinze presos políticos - a serem anunciados oportunamente - que deveriam ser conduzidos para a Argélia, Chile ou México, onde lhes deveria ser concedido asilo político. A outra exigência era "a publicação e leitura desta mensagem completa nos principais jornais e estações de rádio e televisão de todo o país". Finalizando o manifesto, um ultimato concedia 48 horas para o governo aceitar as condições impostas e mais 24 horas para que os presos fossem transportados para o exterior em segurança; o não atendimento das condições acarretaria o assassinato - segundo eles, o "justiçamento" - do embaixador. O manifesto era assinado pela ALN e pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), nome adotado pela DI/GB a partir de então.

A manhã do dia 4 de setembro de 1969, uma quinta-feira de sol, foi tensa para os executantes diretos do seqüestro. Com a antecedência necessária foi tomado o dispositivo para a ação.

Na esquina das ruas São Clemente e Marques ficou estacionado um Volks bege com João Lopes Salgado ("Dino", "Murilo", "Xisto", "Ribeiro", "Pagé", "Fio", "Colombo", "Tomé", "Gabriel", "Rivo", "Caramujo", "Zé Mineiro") e Vera Silvia. O motorista era José Sebastião Rios de Moura ("Anibal", "Baixinho"), que se postou em pé na esquina, para anunciar a aproximação do carro do embaixador.

Num Volks azul, com chapa de São Paulo, foram transportados Franklin, Cid e Virgílio, o qual saltou na Rua Marques pois, de acordo com o planejamento, seria um dos que entrariam no carro do embaixador durante a abordagem. Esse Volks azul, estacionado na Rua Marques, deveria realizar uma manobra - aparentando movimento normal de trânsito - que obrigasse o carro do diplomata a parar.

Cláudio Torres, Paulo de Tarso e Manoel Cyrillo chegaram num Volks vermelho, com chapa do Espírito Santo. Os três abordariam a pé, junto com Virgílio, o carro do embaixador. Esse Volks estacionou na Rua Marques, no lado oposto ao Volks azul, a fim de estreitar a rua e de impedir a manobra da viatura diplomática.

Na Rua Caio de Melo Franco, no Jardim Botânico, já havia sido estacionada por Sergio Rubens de Araújo Torres ("Rui", "Gusmão", "Júlio", "Vicente", "Jorge", "Ferreira", "Alfredo", "Pepe"), membro da FTA da DI/GB, a Kombi verde que serviria para o transporte do embaixador.

Tudo pronto. O tempo passava, a tensão aumentava mas o Cadillac do embaixador não aparecia.

Por volta das 1100h, o esquema foi desfeito. Apurara-se que o embaixador, contrariando a rotina, havia saído de casa bem mais cedo. Restava a alternativa do retorno do diplomata para a embaixada, após o almoço em sua residência.

Às 1300h, Virgílio determinou que o dispositivo fosse retomado. Apenas o Volks vermelho não precisou ser utilizado, pois havia vários outros carros estacionados, estreitando naturalmente a rua. O Volks foi abandonado na Rua Capistrano de Abreu.

Pronto o dispositivo, surgiu na Rua Marques um carro semelhante ao do embaixador norte-americano. Os olhares ansiosos convergiram para o José Sebastião que, na esquina, não deu nenhum sinal. Era o carro do embaixador português.

Finalmente, às 1400h, José Sebastião fez o sinal convencionado. Surgiu na esquina da Rua Marques o imponente Cadillac negro chapa CD-3, dirigido por Custódio Abel da Silva. Em marcha moderada, vinha aproximando-se do local da armadilha. No banco traseiro, Charles Burke Elbrick, 61 anos, absorto, refletia sobre os problemas rotineiros que o aguardavam na embaixada. A cerca de 20 metros, um Volks azul deixava lentamente o acostamento e fazia uma manobra em "U". O motorista Custódio freou para aguardar que a rua ficasse desimpedida.

Repentinamente, a calma da tarde foi interrompida. Quase que simultaneamente, as quatro portas do Cadillac foram abertas (surpreendentemente não estavam trancadas) e quatro terroristas armados adentraram no carro. Virgílio entrou pela porta traseira direita, enquanto que Manoel Cyrillo entrava pela traseira esquerda, ladeando o surpreso embaixador. Elbrick, aturdido e sem entender o que estava ocorrendo, foi forçado a colocar-se no assoalho do carro com as mãos na nuca, enquanto que Virgílio anunciava: "Somos revolucionários brasileiros". Pela porta do motorista, entrou Cláudio Torres que, empurrando Custódio e tomando-lhe o boné, colocou-se ao volante. Pela porta dianteira direita entrou Paulo de Tarso, ameaçando Custódio com sua arma.

Claudio Torres arrancou rapidamente com o carro, após Franklin manobrar o Volks, desimpedindo a rua.

O Cadillac, ao arrancar, foi seguido pelo Volks azul que fazia a cobertura na retaguarda. Ao retornar à Rua São Clemente, seguindo para a região de transbordo, o carro diplomático passou a contar com uma cobertura à frente, proporcionada pelo Volks bege, dirigido pelo José Sebastião.

Após rodar por alguns minutos, o Cadillac atingiu a região de transbordo, uma pequena rua sem saída, no Humaitá. Elbrick recebeu a ordem para fechar os olhos e sair do carro. Imaginando que seria morto, tentou segurar a mão de Virgílio que empunhava o revólver. Recebeu violenta coronhada na cabeça desferida por Manoel Cyrillo. Sangrando abundantemente e atordoado pela pancada, foi colocado no chão da Kombi e coberto com uma manta.

Os terroristas haviam, entretanto, cometido um erro grosseiro. O motorista Custódio, previsto para dar o alarme à polícia e divulgar o ocorrido, fora levado ao local do transbordo e viu a Kombi verde que levaria o embaixador. Esta foi uma das valiosas pistas que levaram os órgãos de segurança a descobrir, já no dia seguinte, 5 de setembro, o "aparelho" da Rua Barão de Petrópolis.

Conduzido ao "aparelho", Elbrick, ferido e ensangüentado, ainda permaneceu cerca de quatro horas no interior da Kombi, estacionado dentro da garagem do "aparelho", aguardando o escurecer para ser levado para o interior da casa.

Nesse cativeiro, já lá estavam "Toledo", Gabeira e Antonio de Freitas Silva ("Baiano", "Pedro"), este contratado como serviçal e para, futuramente, prestar serviços como mimeografista na preparação da documentação subversiva.

Imediatamente após o seqüestro, o efetivo do aparelho foi engrossado com as presenças de Virgílio, Manoel, Franklin e João Lopes Salgado. No interior da casa, foi montado um esquema de segurança prevendo-se uma guarda que permaneceria no quarto do embaixador e, do lado de fora, uma vigilância permanente da rua e dos arredores, realizada a partir da varanda. Nos contatos pessoais com o embaixador, os terroristas usavam capuzes, para não serem futuramente reconhecidos.

A equipe de sete terroristas mantinha-se tensa, aguardando o desdobramento da ação. O manifesto, deixado no interior do carro diplomático, exigia a sua divulgação através dos meios de comunicação, como uma das condições para a salvaguarda de Elbrick. Apesar do trunfo representado pelo embaixador, estavam encurralados no "aparelho" os mais importantes quadros da ALN e do novo MR-8.

Nessa primeira noite, os terroristas ouviram, pelas emissoras de rádio, a divulgação do manifesto. Era sinal de que o governo brasileiro resolvera negociar, preservando a vida do diplomata americano.

Nessa mesma noite, elaboraram a seleção dos quinze comunistas a serem libertados. A idéia inicial do MR-8 de libertar três líderes estudantis fora posteriormente ampliada por "Toledo" para quinze, o que exigia uma pesquisa para a qual o bando seqüestrador não estava preparado. Tiveram dificuldades em selecionar nomes de outras organizações, pois desconheciam a importância dos diversos presos no contexto da subversão. Ignoravam, inclusive, o verdadeiro nome de Mario Roberto Galhardo Zanconato, militante da Corrente/MG, colocado na relação com o apelido de "Xuxu".

Paulo de Tarso Venceslau, após o seqüestro, permaneceu ainda mais um dia no Rio de Janeiro, em contato com Claudio Torres. Em seguida, deixou seu carro no Rio e, obedecendo ordens de "Toledo", deslocou-se de avião para São Paulo, a fim de apurar algumas "quedas" da ALN e de levantar dados sobre a explosão de um Volkswagen na Avenida da Consolação, na madrugada de 4 de setembro. Retornou no sábado, dia 6, e, após anunciar a morte de José Wilson Lessa Sabbag ("Nestor") - chefe do Grupo de Ação do GTA/ALN/SP - e a identificação do japonês morto na explosão como sendo Ishiro Nagami, o "Charles" ("Toledo" pensava que pudesse ser Takao Amano, o "Jorge"), voltou a São Paulo em seu próprio carro, que havia ficado com Claudio Torres.

Na manhã de 5 de setembro, Gabeira e Cláudio Torres colocaram na urna de donativos da Igreja do Largo do Machado uma mensagem, informando que divulgariam a lista de quinze nomes e um bilhete manuscrito de Elbrick para a esposa, Eunice. Uma cópia da mensagem foi deixada, como alternativa, na urna de donativos da Igreja Nossa Senhora de Copacabana, na Praça Serzedelo Correia.

Elbrick, intimidado por seus algozes, suplicava, em seu bilhete, que as autoridades não tentassem localizá-lo, informando que "a gente que me prendeu está determinada".

Cláudio Torres, orientado por Gabeira, ligou para o "Jornal do Brasil" e para a "Última Hora" comunicando onde estavam as duas cópias da mensagem e solicitou a sua publicação.

No início da tarde de 5 de setembro, sexta-feira, a relação com os quinze nomes foi colocada pela dupla Gabeira/Cláudio Torres na caixa de seleções do Mercado Disco do Leblon. Foi utilizado o expediente de ligar para a "Rádio Jornal do Brasil", informando o local onde estava a mensagem e pedindo a sua divulgação.

Naquela altura, os órgãos de segurança, graças ao amadorismo dos terroristas, já haviam localizado o "aparelho" da Barão de Petrópolis e o mantinham sob vigilância. Após seguirem Gabeira e Cláudio Torres nas andanças para a colocação das mensagens, resolveram demonstrar aos seqüestradores que já os tinham sob vigilância e que qualquer dano causado ao embaixador seria imediatamente reprimido. Dois agentes bateram à porta do "aparelho" e, sem se preocuparem em disfarçar suas intenções, fizeram perguntas sobre os moradores da casa e outros detalhes típicos de uma investigação. Gabeira, esforçando-se em aparentar naturalidade, respondeu, de forma pouco convincente, as perguntas dos policiais. Enquanto isso, dentro do "aparelho", os terroristas, assustados, preparavam-se para fazer frente a uma ação que não haviam previsto. Virgílio correu para o quarto de Elbrick e, colocando-o sentado no chão, permaneceu com o revólver apontado para a cabeça do apavorado embaixador. O comandante "Breno", justificando o conceito de "desassombrado revolucionário", tomara a iniciativa e queria ter o privilégio de eliminar o "representante do imperialismo".

Para alívio dos terroristas, os policiais retiraram-se. A vigilância foi intensificada e, a partir daquele momento até altas horas da madrugada, o tempo foi consumido em discussões para decidir qual a atitude a tomar. Chegaram à conclusão de que deveriam permanecer no "aparelho" e prosseguir com o planejamento inicial. Enquanto mantivessem Elbrick vivo teriam chances de escapar.

O dia de sábado foi de expectativa. O governo brasileiro, em respeito à vida de um representante diplomático estrangeiro, já havia aceitado as condições dos terroristas. O México, um dos países propostos, havia concordado em receber os presos políticos.

Às 1730h de 6 de setembro, um avião Hércules C-130 da FAB, comandado pelo major Egon Reinisch, decolou da Base Aérea do Galeão para levar os primeiros quinze terroristas banidos do território nacional: treze embarcaram no Rio (Agonalto Pacheco da Silva, Flávio Aristides de Freitas Tavares, Ivens Marchetti de Monte Lima, João Leonardo da Silva Rocha, José Dirceu de Oliveira e Silva, José Ibraim, Luiz Gonzaga Travassos da Rosa, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Onofre Pinto, Ricardo Vilas Boas Sá Rego, Ricardo Zaratini Filho, Rolando Fratti e Vladimir Gracindo Soares Palmeira)

e dois (Gregório Bezerra e Mario Roberto Galhardo Zanconato), em escala no Recife.

Por pouco, o plano do governo, de preservar a vida do embaixador, ia por água abaixo. Tropas da Brigada Pára-quedista, comandadas pelo coronel Dickson Grael, tomaram a Base Aérea para impedir a saída do avião. Ao verificarem que ele já havia decolado, ocuparam, às 2230h, a Rádio Nacional, e lançaram ao ar a seguinte mensagem:

"Atenção para um comunicado à nação brasileira:

A tropa de pára-quedistas e outras tropas, insurgidas contra a decisão da Junta Governamental, de fazer a entrega de presos condenados pela Justiça, numa demonstração de fraqueza e à revelia das Forças Armadas - lança - nesse momento, uma proclamação ao povo brasileiro de repúdio a tal medida impatriótica.

Conclamamos à união e tomada de consciência de que existe, em nosso país, declarada guerra internarevolucionária de comunistas, contra a qual iniciamos, neste momento, ações militares de repressão.

Para o cumprimento desta determinação patriótica, estamos dispostos ao mais alto sacrifício.

Em nome de Deus. Brasil acima de tudo."


Na manhã de 7 de setembro, domingo, foi colocada por Cláudio Torres no monumento em frente à empresa Manchete, na Praia do Russel, a terceira e última mensagem. Os seqüestradores anunciavam o conhecimento da chegada dos quinze subversivos no México e aguardavam apenas uma autenticação, previamente combinada, para libertar o embaixador.

O "aparelho" estava cercado. A vida do seqüestrado valia, então, a vida dos seqüestradores. Os terroristas resolveram contrabalançar o vazio das ruas de um domingo e feriado com a confusão da saída do jogo Fluminense x Cruzeiro, no Maracanã, para libertar o embaixador.

Elbrick foi colocado vendado num Volks dirigido por Cláudio Torres, tendo Virgílio a guardá-lo. Em outro Volks, fazendo a cobertura, deslocaram-se Cid e Manoel.

Helena Bocayuva Khair já havia auxiliado Gabeira a retirar do "aparelho" os dirigentes "Toledo", Franklin e João Lopes Salgado. O "Baiano" também já tinha abandonado o aparelho auxiliado por Helena, tendo sido guardado num outro "aparelho", em São Cristóvão.

Por volta das 1830h, os terroristas trancaram o "aparelho" e iniciaram o deslocamento acompanhados por uma viatura dos órgãos de segurança, cujos integrantes tinham ordens de não intervir. No congestionado trânsito do término do jogo do Maracanã, os terroristas conseguiram distanciar-se e foram perdidos pela viatura.

Elbrick foi abandonado na Rua Eduardo Ramos, próxima do Largo da Segunda Feira, na Tijuca, com ordem de permanecer 15 minutos no local, antes de procurar auxílio. O amedrontado embaixador cumpriu à risca as ordens dos terroristas. Após transcorrido o prazo, tomou um táxi e retornou à sua residência.

Terminava, assim, resguardada a integridade do embaixador, o episódio que serviria de modelo para o seqüestro de mais 3 diplomatas. A exaltada ação subversiva, considerada uma vitória pelas esquerdas, proporcionou, em razão dos erros primários no planejamento e na execução, condições para que fossem desferidos duros golpes na ALN e no MR-8, que culminariam com a "queda" de Marighella em novembro de 1969, em São Paulo.

F. DUMONT

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