sexta-feira, 5 de abril de 2013

DELAÇÃO PREMIADA


A utilização cada vez mais frequente da delação premiada tem permitido a descoberta de como funcionam sofisticados esquemas de corrupção. Por outro lado, tem provocado, como era de se esperar, reações contrárias.
Em declarações recentes à imprensa conhecidos advogados criminais fizeram duras críticas ao uso do instituto da delação premiada, chegando a afirmar que não fariam a defesa de quem dela se utilizasse. De acordo com a posição dos criminalistas, quem faz uso da delação premiada demonstra falta absoluta de senso ético e, para obter benefícios, pode negociar com a polícia e o Ministério Público dando as informações que só interessam aos órgãos acusatórios. Em outras palavras, o delator diria apenas o que fosse útil à acusação. Mais que isso, poderia ser induzido a fazer declarações tendenciosas.
Ainda que o instituto possa merecer críticas e deva ser utilizado com cautela, não há como negar sua importância.
Importante salientar, de início, que a delação premiada não é invenção da legislação brasileira.
O instituto sempre teve larga aplicação nos Estados Unidos onde o Promotor de Justiça tem ampla liberdade para firmar acordo com o acusado (plea bargain).
Na Itália, a delação premiada foi adotada com grande êxito no desmantelamento, ainda que parcial, da máfia. Membros da máfia, temendo represálias pessoais, delataram seus comparsas e obtiveram a redução da pena, ou, até mesmo, a sua extinção. Alguns deles, até hoje, vivem protegidos com nova identidade.
No Brasil, a delação premiada surge na Lei 8.072, de 1990, a chamada Lei dos Crimes Hediondos que, além de definir tratamento mais rigoroso aos crimes que elencou como hediondos, possibilitou ao membro de quadrilha ou bando a redução da pena de um a dois terços em caso de denunciar a organização à autoridade, possibilitando seu desmantelamento.
Assim, o legislador brasileiro, na mesma lei em que deu tratamento mais rigoroso a determinados crimes, possibilitou ao membro de quadrilha a negociação com o aparelho repressivo do Estado.
Posteriormente, a Lei de combate ao crime organizado (1995), a Lei de lavagem de capitais (1998) e a Lei de proteção das vítimas e testemunhas (1999) também trataram do assunto e regulamentaram a matéria.
Não se trata, portanto, de novidade.
O fato de a legislação permitir a delação premiada significa, em primeiro lugar, o reconhecimento da ineficiência do Estado para apurar pelos métodos tradicionais os ilícitos penais praticados por sofisticadas organizações criminosas e a necessidade de utilizar formas não ortodoxas para o combate ao crime organizado.
Trata-se, em verdade, de pragmatismo do Estado que não tem receio em fazer uso de conduta criticável, a traição, para atingir objetivo mais amplo. Não por acaso, a lei condiciona a diminuição da pena à eficácia da delação.
Assim, se por um lado, é aceitável a posição dos ilustres defensores, naturalmente incomodados com o delator, não se pode criticar o instituto em si que, bem utilizado, poderá ajudar, como já tem ajudado, a desvendar crimes gravíssimos.
De outro lado, a questão ética também se coloca às autoridades policiais ou do Ministério Público. Ninguém pode admitir que a investigação seja tendenciosa. A utilização da delação premiada não pode levar a uma acomodação de quem tem o dever de investigar.
A delação, ainda que detalhada, não desobriga a colheita de novas provas.
Ademais, é sabido que nenhuma prova tem valor absoluto pelo que o juiz será sempre quem avaliará o valor probante da delação.
Aliás, embora a delação premiada só tenha chegado ao Brasil em 1990, a delação do correu sempre existiu e sempre foi considerada como elemento de prova.
A delação também é uma confissão e, como tal, circunstância atenuante em favor do réu.
A partir de 1984, o nosso Código Penal passou a distinguir o autor do partícipe com a possibilidade de diminuição de pena para quem tiver participação de menor importância ou a aplicação de pena de crime menos grave se esta foi a intenção de algum dos concorrentes.
Ora, em momento algum, li ou ouvi críticas contra a atitude de quem, no exercício de sua ampla defesa, alega ter tido participação de menor importância em determinado crime.
Em verdade, penso ser razoável que alguém, para se defender, admita que participasse de um delito, mas esclareça qual foi sua exata participação no crime, ainda que tal postura, eventualmente, possa prejudicar outro acusado.
Muitas vezes a negativa de autoria constitui uma tática suicida. Em rumoroso e recente caso de homicídio, envolvendo um casal, é bem possível que a confissão dos acusados, com o detalhamento da exata conduta de cada um, tivesse sido melhor para o exercício da defesa.
A admissão da participação em crime pode ser a melhor defesa para o acusado e, nesta hipótese, ninguém dirá que houve falta de ética.
Da mesma forma, quem faz parte de organização criminosa pode não ter alternativa senão a delação premiada, não só para diminuir a pena, mas também para individualizar sua exata responsabilidade.
Aliás, será razoável falar em ética quando se trata de membro de organização criminosa? A apuração, por exemplo, de casos de fraudes em licitações que trazem enormes prejuízos ao erário muitas vezes só será possível com o depoimento de pessoas ligadas ao esquema. Será razoável, em nome da ética, não se valer da delação premiada?
Admito que o instituto da delação premiada deva ser usado com cautela e não torna o delator um homem de bem.
Mas, daí a se questionar o uso da delação premiada em nome de uma ética, sempre discutível, vai uma enorme distância.
MÁRIO DE MAGALHÃES PAPATERRA LIMONGI É PROCURADOR DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

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