domingo, 1 de agosto de 2010

A DISTÂNCIA ENTRE OS EXCLUÍDOS E SEUS DIREITOS.

O acento na fala das pessoas, algumas marcas de expressão oral (“Painho já faleceu”), a culinária e, principalmente, o clima da região não deixam dúvidas: estamos a um passo do Nordeste. Tão perto do Sul da Bahia e seu clima semiárido, tão longe da metrópole e do centro de decisões do Estado. São 334 quilômetros separando o município de Montanha do Palácio Anchieta, distância que se eleva a 357 quilômetros no caso da vizinha (e recentíssima) cidade de Ponto Belo. Situados no Extremo Norte capixaba, os dois municípios ocupam, respectivamente, as inglórias 3ª e 1ª posições no ranking da pobreza no Estado, calculado a partir de dados do IBGE. Por isso, são os municípios abordados hoje na série “Desafios do Espírito Santo”.


E eles não estão sozinhos. Dos dez municípios capixabas com maior índice de incidência da pobreza, outros quatro se situam na mesma região – claramente, portanto, a mais carente do Estado. Se a distância geográfica é grande, na prática esse afastamento se traduz na dificuldade de acesso da população local a serviços públicos essenciais, sendo a Saúde o “melhor” exemplo em Montanha e Ponto Belo.

No saldo dos depoimentos, a população se queixa da falta de hospitais regionais de qualidade, que atendam às demandas mais complexas. Os que existem só dão conta de atendimentos primários. Sempre que necessário fazer um exame ou tratamento mais sério, os cidadãos precisam se deslocar para cidades maiores, como Vitória, São Mateus ou até Nanuque (MG), dependendo, ainda, da disponibilidade de veículos da prefeitura que possam transportá-los.

O caso mais emblemático é o do Hospital Sagrado Coração de Jesus, em Ponto Belo, construído nos anos de 1990. Sem condições de mantê-lo com recursos próprios, a prefeitura privatizou o hospital – hoje, para muitos, um “elefante branco”. Segundo relatos de moradores, há pouquíssimos médicos, e só funciona o pronto-atendimento. “O hospital só abre de manhã, de segunda a sexta-feira”, disse a dona de casa Marcela da Silva.

Fachada

A pequena agricultora Clemilda de Jesus Souza, 36 anos, confirma a história. Nascida em Ponto Belo, ela trabalhou como auxiliar de enfermagem na prefeitura por nove anos. “O hospital ali é só aparência. Não funciona e foi vendido. Sinceramente, os governantes não estão olhando para Ponto Belo”, lamenta.

A dificuldade da distância entre a Saúde Pública e o paciente também é vivida por Carlos e Orlinda Procópio, casal que vive há duas décadas no Córrego do Balão, em Montanha. Ela nasceu em Lajedão (BA), mudando-se para lá aos dois anos; ele é de Cachoeiro de Itapemirim e foi para lá aos 14. Trabalhava na sua roça e na dos outros, como diarista, mas está inativo há um ano, desde que sofreu um acidente de bicicleta.

Na ocasião, precisou ser transferido para um hospital de São Mateus, a 120 quilômetros de distância, onde ficou em coma por 18 dias. “Um médico vem aqui uma vez por mês. Se adoecer, tem que correr para Montanha. Se o problema for mais sério, tem que ir para São Mateus ou Vitória”, conta Orlinda, que também sofre com um sério problema de vista.

Ponto Belo: transporte escolar precário

As dificuldades educacionais das crianças e adolescentes de Ponto Belo não estão necessariamente dentro da sala de aula. Aliás, nem necessariamente estão dentro da escola, mas no transporte que os leva até ela. Na zona rural do distrito de Itamira, enquanto esperava o filho retornar das aulas pela manhã, Clemilda de Jesus Souza fez a denúncia: “Os meninos voltam em um ônibus todo quebrado, correndo o risco de sofrer um acidente no meio do caminho”. De fato, para chegar à casa dela, o ônibus teria que passar por uma estrada asfaltada – mas sinuosa e estreita – e por estradas vicinais sem calçamento. Chegando à escola no horário da saída, a reportagem pôde constatar a existência de três veículos em péssimas condições, aguardando a “correria” dos alunos – conforme revela a foto acima. A escola de ensino fundamental é municipal, mas, segundo informações de servidores, também funciona como escola estadual de ensino médio à noite, usando o mesmo sistema de transporte escolar.

Gado e cana em meio aos bolsões de pobreza

O Extremo Norte sempre se escorou quase exclusivamente na pecuária extensiva, mas, nos últimos anos, a monocultura de cana de açúcar começou a se expandir fortemente. Em volume e divisas, o produto é o que mais cresce na balança de exportações do agronegócio capixaba.

Ocorre que, à medida que cresce na região a cultura canavieira e a dependência de atividades econômicas concentradas em latifúndios, também cresce um padrão de ocupação territorial verificado nas seis cidades que a reportagem visitou para esta série: os bolsões de pobreza formados pelos trabalhadores rurais que se instalam na área urbana e engrossados pela população sazonal que deságua nessas localidades para a colheita ou corte da cana, mas que, durante as entressafras, acaba ficando por lá sem ocupação.

Em Montanha, o bairro que melhor caracteriza essa situação é Lajedo, erguido desordenadamente sobre a pedra que circunda um rio. Ali encontramos Maria Neuza Santos, 46. No instante da conversa, ela lavava louça com a água do rio, mesmo destino da que é usada pelos moradores. Não há água encanada em casa. Em breve, aliás, talvez nem casa haja mais, pois todas no bairro estão condenadas. “Medo nós temos, mas que jeito?”, diz ela, cuja primeira moradia desmoronou com a enchente.

Como tantos moradores no Extremo Norte, Neuza nasceu em outro município – Nanuque (MG) –, mudando-se com a família aos seis anos para tentar vida nova. Hoje ela mora com o marido, um típico agricultor da região, que, por ocasião da visita, trabalhava na colheita do café. “Mas, quando não tem café, ele vai para a cana, mais forte durante o ano todo”, confirma Neuza.

Alheia à política enquanto busca sobreviver, a moradora não nutre grandes expectativas em torno das eleições. O contato mais direto que ela já teve com os candidatos foi em outro subemprego sazonal: distribuir santinhos no período de campanha.

Vitor Vogas.

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