sábado, 19 de março de 2011

UMA COMISSÃO "CHAPA BRANCA"


A mídia divulgou, há algum tempo, declaração do ministro da Defesa que os militares contra a Comissão da Verdade (CV) são da reserva, do grupo que discorda das mudanças no âmbito da Defesa e em número menor do que os favoráveis à apuração dos fatos. O Ministério da Defesa, posteriormente, emitiu nota afirmando estar superada a manifestação das Forças Armadas contrária à criação da Comissão.

Não seria politicamente correto reconhecer que a quase unanimidade dos militares da reserva e da ativa, em todos os escalões, vêem a Comissão facciosa e revanchista na forma como está sendo criada. O Projeto de Lei 7.376/2010, que cria a CV, estabelece sua composição por sete membros indicados pela presidente da República, cujo conceito do que seja democracia e liberdade está em seu discurso de posse ao dizer: “Minha geração veio para a política em busca da liberdade, num tempo de escuridão e medo --- Aos companheiros que tombaram nesta caminhada, minha comovida homenagem e minha eterna lembrança”.

No Manual do Guerrilheiro Urbano (bíblia da esquerda revolucionária), Marighella orientava a guerrilha a lutar contra a redemocratização no Brasil, escrevendo: “o guerrilheiro urbano tem que se fazer mais agressivo e violento, girando em torno da sabotagem, terrorismo, expropriações, assaltos, seqüestros e execuções”. Seria ele um dos companheiros homenageados no discurso? Vítimas indiretas e agentes da lei mortos ou mutilados no cumprimento do dever pelos grupos guerrilheiros mereceriam, também, a “comovida homenagem e eterna lembrança” de quem se declarou sem rancor e presidente de todos os brasileiros. Ao contrário de muitos de seus companheiros, a presidente não reconhece que o objetivo da luta armada era implantar uma ditadura nos moldes da soviética, chinesa e cubana. Foi ciente desse propósito que a imensa maioria de sua geração e do povo não optou pela luta armada, apoiou o Estado e, ao mesmo tempo, os segmentos políticos e sociais que buscavam a redemocratização pela via legal.

A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, ao tomar posse, declarou, com relação à CV: “devemos dar seguimento ao processo de reconhecimento da responsabilidade do Estado por graves violações de Direitos Humanos, com vistas à sua não repetição, com ênfase no período 1964-1985--- devemos aos que viveram aquele período e empenharam suas vidas generosamente, porque acreditavam na liberdade e na democracia”. Por que enfatizar o período 1964-1985, quando o Projeto determina 1946-1988? Parece explícita a disposição para se apurar, de fato, apenas as violações cometidas pelos agentes do Estado, pois guerrilheiros e terroristas que mataram e mutilaram em ações criminosas, muitas ainda não esclarecidas, são vistos pela ministra como credores e heróis “porque acreditavam na liberdade e na democracia”.

Os discursos sinalizam a parcialidade do Executivo onde a expressiva influência e presença de ex-guerrilheiros comprometem o processo de criação e a condução da CV. Cabe ao Legislativo corrigir as distorções do Projeto de Lei, a fim de assegurar autonomia e equilíbrio na Comissão, compondo-a com pessoas de pensamento distinto em relação aos setores por ela afetados, de preferência por historiadores. Uma Comissão facciosa alçará ex-guerrilheiros e ex-terroristas a heróis e vítimas inocentes, justificando, omitindo ou pintando seus crimes como ações de admirável idealismo democrático. Isso, por si só, levará à satanização de ex-agentes da lei, não importando, aos propósitos revanchistas, quem tenha violado direitos humanos. Muitos cidadãos defenderam o Estado por missão e idealismo, atributo não exclusivo da esquerda como alguns hipócritas propagam. Com base num quadro maniqueísta haverá intensa campanha para rever a Lei de Anistia, prevalecendo a corrente de maior poder político, pois o direito é filho do poder.

Por que não fazer o dever de casa, para o Brasil não ser denunciado constantemente, pela ONU, por desrespeito aos direitos humanos por agentes do Estado? Este problema ocorre hoje. Em mais de duas décadas de plenas liberdades democráticas, houve muito mais vítimas da omissão ou da violência do Estado, legítima ou não, e de criminosos do que nos vinte anos do regime militar. Entre elas, estão cidadãos honestos e suas famílias, que são massacrados por quadrilhas de bandidos ante a inépcia do Estado em prestar-lhes segurança. Estão as vítimas em episódios como os do Carandiru, de Eldorado de Carajás e das zonas periféricas das grandes cidades. Estão seres humanos, inclusive menores, em nossos presídios e instituições de recuperação onde são tratados como escória.

Diferente de muitos que se envolveram na luta armada, essas vítimas não são das classes favorecidas, não têm sobrenome, não defendem a ideologia marxista e, assim, não contam com a solidariedade da esquerda radical – revanchista, incoerente e hipócrita – encastelada nos Poderes da União, nem são indenizadas pelas violações que vêm sofrendo. Por outro lado, a fonte dos recursos do crime organizado – os senhores de colarinho branco – permanece intacta, pois galgou os mais altos escalões da sociedade e tem assegurada a impunidade. Se no regime militar tínhamos os anos de chumbo, como denominar os últimos 25 anos?

A Nação não anseia por esta Comissão, pois a história da luta armada será conhecida por pesquisas em arquivos já abertos e relatos voluntários de participantes dos eventos. A história não reflete verdades absolutas, mas sim versões de eventos, cabendo a cada um formar sua ideia. Portanto, o pensamento de quem apoiou o Estado não deve continuar sob patrulhamento. A propalada necessidade de reconciliação nacional é uma falácia, pois não há cisão social remanescente do regime militar ou as Forças Armadas não seriam instituições da mais alta reputação no País.

Luiz Eduardo Rocha Paiva (*)


Professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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