segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O ESTADO DESIGUAL


Os números do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios na década passada mostram que o caminho para desconcentrar a riqueza do Espírito Santo ainda é bastante longo. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na semana retrasada, revelam, apesar da tão propagada política de interiorização de investimentos tocada pelos governos Paulo Hartung e Renato Casagrande, uma Grande Vitória cada vez mais rica e um interior com cada vez menos espaço na divisão do bolo.

O levantamento, que compila dados de 1999 a 2010, mostra que a Região Metropolitana (Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória) responde por 63,2% de todas as riquezas do Espírito Santo. Em 1999, a Grande Vitória contribuia com 60,3% do PIB capixaba. Os outros 71 municípios, consequentemente, que há 12 anos englobavam 39,7% do PIB, ficaram, em 2010, com apenas 36,8%.

De acordo com dados levantados pelo professor aposentado do Departamento de Economia da Ufes, ex-secretário de Planejamento do Estado e diretor do Instituto Futura, Orlando Caliman, que assina o artigo da página ao lado, o processo de urbanização do PIB, iniciado logo após a erradicação dos cafezais, na década de 60, ainda não foi estancado, pelo contrário. Em 1970, a Região Metropolitana era responsável pela geração de 55% do PIB estadual. Percentual que passou para 56%, em 1980, chegando a 60%, em 2000, e a 63,2% agora.

Quando reunimos os cinco municípios mais ricos do Estado – Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica e Anchieta –, o avanço se repete. Em 1999 – com Aracruz no lugar de Anchieta –, eles respondiam por 58,41% do total das riquezas do Espírito Santo, agora, contribuem com 65,45%. Também chama atenção o fato de apenas duas – Metropolitana e Litoral Sul – das dez microrregiões do Estado, terem avançado percentualmente em cima do PIB. Todas as outras, incluindo Rio Doce, com as ilustres presenças de Linhares e Aracruz, perderam espaço.

Sem preocupação
Na avaliação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento, responsável por capitanear esse processo de interiorização, trata-se de um trabalho de longo prazo e que ainda está no meio do caminho. "O primeiro passo, que era levar os investimentos para o interior, foi dado. Ainda tem muita coisa para acontecer tanto no Sul como no Norte do Estado, mais do que na Grande Vitória. A partir do momento que essas âncoras estiverem estabelecidas, esse quadro proporcional do PIB certamente será outro", assinala a chefe em exercício da pasta, Cristina Santos.

O segundo passo, segundo ela, é dar infraestrutura logística e educacional para sedimentar a renda e incentivar o surgimento de novos empreendedores no interior. "Depois de estabelecido, por exemplo, o estaleiro da Jurong, vamos trabalhar para que o fornecimento de bens, serviços e mão de obra seja, em sua maioria, contratado naquela região. Para isso, temos de qualificar o pessoal e dar a infraestrutura necessária. No início do ano que vem, o Estado põe na rua um plano para melhorar as rodovias estaduais. Na educação, o objetivo é que cada um dos 78 municípios tenha uma escola profissionalizante, seja ela do Sistema S, federal ou do Estado".

Motivos e saídas

Ana Paula Vescovi, economista e ex-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, concorda com a linha traçada pelo governo, mas se mostrou surpresa, negativamente, com o desempenho de determinadas regiões.

"São números que até me surpreendem, esperava por uma desempenho melhor principalmente de Linhares e Aracruz. Quando olhamos para trás, observamos uma importante desconcentração dos investimentos nesta última década, pressupúnhamos que a desconcentração de riquezas viria junto, mas não é o que acontece. Isso deixa claro que só os investimentos não são o suficiente para adicionar valor a essas regiões, a renda e, consequentemente, a riqueza não está ficando ali".

Para Ana Paula, a falta de um setor terciário (comércio e serviços) mais pujante dificulta a já complexa tarefa. "É preciso criar uma rede de fornecedores locais que atendam tanto a indústria como os trabalhadores dessas grandes plantas. O dinheiro tem de circular no interior. Caso contrário, o industrial trará os insumos de fora e venderá também para fora. Os trabalhadores desta indústria, por sua vez, suprirão suas necessidades de compras e lazer também fora".

Este, na opinião dela, é um dos motivos da Grande Vitória permanecer desgarrando-se economicamente das demais regiões. "Além de ter uma economia bastante dinâmica, praticamente toda a prestação de serviços e o comércio de qualidade do Estado concentra-se na Região Metropolitana. O interior do Estado precisa dar esse passo além para que a renda gerada lá fique por lá".

Na avaliação de José Edil Benedito, presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, apesar das tentativas governamentais de induzir o crescimento para regiões menos desenvolvidas, é complicado alterar essa proporção. "Há investimentos para todas as regiões, mas determinados locais, por conta do petróleo, por exemplo, atraem mais dinheiro com mais facilidade. Não tem jeito".

Para Edil, infraestrutura e educação de qualidade são essenciais para tornar o interior mais forte. "Vivemos num Estado geograficamente pequeno, com rodovias duplicadas e seguras o trânsito de bens e serviços e, consequentemente, a oferta deles fica facilitada. Isso tende a beneficiar o interior. A qualificação também é essencial, essas escolas de ensino profissionalizante devem dar um salto de qualidade, com gente instruída, é mais fácil segurar a renda no local, além do fato de aumentar as chances do surgimento de empreendedores e novas ideias".

Ainda com relação à educação, o presidente do Instituto Jones chama atenção para a necessidade que o Estado tem de explorar a indústria criativa. "Ainda temos muito para crescer nessa área. Regiões como o Caparaó, por exemplo, têm grande possibilidade de desenvolver o turismo, a culinária, um café de excelência. Trata-se de uma indústria que não é tradicional, mas que também faz girar muito dinheiro".

Per Capita
O avanço da Grande Vitória também foi observado pelo Brasil Metro, relatório produzido pelo Global Cities Initiative sobre a economia das 300 maiores metrópoles do mundo, sendo 13 no Brasil. Entre essas 13, a Região Metropolitana de Vitória foi a que apresentou o maior avanço de PIB per capita entre 1990 e 2012, 55%. Enquanto isso, a média das demais metrópoles foi de 42%.

O relatório dá números parecidos com o do IBGE para a concentração de riquezas. De acordo com o Brasil Metro, 66% do PIB do Estado está concentrado na Grande Vitória. Na avaliação de Jill Wilson, um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, o percentual é normal. "Para começar, a Grande Vitória é o lar de cerca de metade da população do Estado. Além disso, as áreas metropolitanas são centros de atividade econômica. Como o Espírito Santo é um Estado pequeno, não é de surpreender que a Grande Vitória seja parte tão importante de seu PIB".

Eles investem aqui

"É mais fácil crescer numa cidade como Vitória do que no Rio de Janeiro ou São paulo"

Aposta foi na boa comida

Há quatro anos, o chef argentino Ivan Di Cesare, natural de Mendoza, veio para Vitória com a intenção de ficar um ano num intercâmbio gastronômico e cultural. Três meses depois, percebeu o tamanho da oportunidade que tinha pela frente e decidiu ficar de vez. "A cidade não é tão grande, mas tem uma economia muito forte e dinâmica. Há muita gente querendo bons restaurantes, boa comida". Ele é um bom exemplo das muitas pessoas, daqui ou de fora, que se veem incentivadas a investirem na Grande Vitória, região que cresce acima da média estadual e nacional. Alguns meses depois, Ivan chamou o amigo de infância Emilio Recchia para ajudá-lo na empreitada. Eles começaram nas cozinhas dos restaurantes argentinos que começaram a surgir na Grande Vitória. Há dois meses abriram o próprio negócio. "Apesar da demanda, Vitória é uma cidade praticamente virgem no que nos propomos a fazer", analisa Recchia. O último do trio a chegar foi Marcos Palomar. Veio para suprir o grande problema enfrentado pelos empreendedores argentinos no Estado, a falta de mão de obra. "Ele é especialista em carnes. Veio para ajudar, mão de obra por aqui é muito complicado. As pessoas somem sem avisar", reclama Ivan, já sentindo o peso dos entraves brasileiros.



Análise
Tudo começou com crise dos cafezais

Esse processo de concentração da produção da riqueza não é novidade no Espírito Santo. Em 1970, a Região Metropolitana foi responsável pela geração de 55% do PIB estadual. Percentual que passou para 56% em 1980, chegando a 60% em 2000 e 63% em 2010. Isso nos leva a avaliação de que a velocidade desse processo de concentração foi maior em anos anteriores a 1970. Mas, especialmente na década de 60, quando do desmantelamento da cultura do café, que provocou uma avalanche de urbanização; e que também aconteceu concomitantemente ao início do processo de industrialização. O porto de Tubarão começou a operar em meados da década de 70 e começa a dar o tom de uma economia em outra escala de operação. Ao analisarmos os dados recentes do PIB regional vamos perceber que a concentração agora contempla também as regiões litorâneas Sul e Norte. No Sul, o foco central está em Anchieta, mas também inclui Presidente Kennedy. Este último pelo simples fato de ter à sua frente plataformas de exploração de petróleo. No litoral Norte, temos dois focos: Linhares e Aracruz. Essa região foi responsável por 9,1% do PIB em 2008. A queda subsequente – em 2012, foi de 8% – deu-se principalmente por conta da crise mundial que afetou a produção de celulose. A explicação mais simples para essa concentração maior do PIB no litoral está na escala dos investimentos em relação a dimensão da economia estadual, mas, mais especificamente do interior. Esses investimentos, pelas suas características nunca aconteceriam na Região de Caparaó, por exemplo. A estratégia é fazer com que Caparaó posso também usufruir desse crescimento maior do litoral, como todo o restante do interior do Estado. E para isso é preciso qualificar o interior, facilitando a sua integração, inclusive logística, com os polos de maior crescimento. Uma coisa tem que estar clara: o interior não pode concorrer com o litoral pela via da escala. A saída está na via do escopo, dos nichos de mercado, nas franjas da economia de escala.

Orlando Caliman
Economista

 
 
Fonte: A Gazeta

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