sábado, 1 de junho de 2013

FERIADO, SANGUE E JUSTIÇA

O feriado é apenas uma parte do ócio que se estende pelo ano, sobretudo no Legislativo                
                                    

Já disse Jô Soares: “No Brasil, feriado religioso até ateu comemora”. E se até os que “creem na falta de crença” agradecem a Deus pelo descanso, não seria diferente na política, terra distante da santidade. Por lá, os senhores glorificam como as notas do Real: “Deus seja louvado”.


O feriado é apenas uma parte do ócio que se estende pelo ano, sobretudo no Legislativo. O reflexo da negligência é uma sociedade que caminha a passos largos para a barbárie. Nesse rumo, quem não tem ponto facultativo é a violência. Em cinco dias, dois crimes bárbaros lembraram rankings que nem o marketing consegue esconder e revelaram que, se crescer é com a gente, assassinar friamente também é!

Em apenas 90 dias, 432 pessoas foram mortas no Espírito Santo. E somos destaque nacional: Serra é o município mais violento do país, com 97 assassinatos para cada 100 mil habitantes – só em 2012 somou 267 homicídios. Mas nada parece preocupar os vereadores serranos. Enquanto projetos de combate à violência estão na fila para votação, as excelências, simplesmente, não comparecem às sessões.

O serviço na Câmara é pesado: duas sessões por semana, com três horas cada. Para isso, os 23 representantes recebem o maior salário do Estado, R$ 9,2 mil por mês, ou seja, mais de R$ 380,00 por hora de “serviço”. Sem falar dos 15 assessores a R$ 3,5 mil cada. Mesmo assim, é comum não haver quórum para as votações. Mais da metade dos vereadores assina a presença e, minutos depois, vai embora. Saem por aí, gastando os 200 litros de combustível que recebem.

A terceira cidade mais violenta do Brasil também é nossa! Cariacica tem 91 assassinatos para cada 100 mil habitantes e, em 2012, somou 232 homicídios. Para enfrentar os problemas, a Câmara criou três vagas a mais em 2011, totalizando 19 vereadores. Porém, a única diferença percebida foi no orçamento: no ano passado, o salário subiu de R$ 4.740 para R$ 8 mil.

Mas justiça seja feita! Em Cariacica não há clima de feriado nas sessões. Na semana passada, os vereadores aprovaram mais de 20 projetos em um mesmo dia num surto de utilidade: a lei 22/2013, por exemplo, declarou de utilidade pública a Associação de Produtores Rurais e Trabalhadores da Ceasa. Já a 113/2013, declarou de utilidade pública a Congregação Redentorista do bairro Nova Rosa da Penha. Não menos importante, a lei 79/2013 fez o mesmo para a Associação Terapêutica Miguel Arcanjo. Medidas que mudarão o rumo do município! São, realmente, momentos de tensão para o crime organizado.

Já Vila Velha, mesmo sendo considerada a sétima cidade mais violenta do país, com 69 assassinatos para cada 100 mil habitantes e 177 homicídios em 2012, não priorizava o debate da segurança. Somente na última semana a Câmara criou uma comissão para o tema. Detalhe: dias após a população linchar, esfaquear, apedrejar e matar um caminhoneiro.

A realidade mostra que as principais mazelas da população passam distante da prioridade política. Somada a isso, a ineficiência policial gera números igualmente preocupantes: dos 267 homicídios da Serra, apenas 90 inquéritos foram concluídos. Em Cariacica, dos 232, apenas 80 chegaram ao fim. E em Vila Velha, foram apenas 87 dos 177. Nessa estrada, surge o caminho da barbárie: a justiça com as próprias mãos.

Cinco dias após a população assassinar o caminheiro do acidente em Vila Velha, moradores de Vargem Alta fizeram o mesmo com um estuprador que matou Kevilin, de 10 anos. Longe de justificar tais horrores, uma equação traça algumas explicações: o total descaso político, somado à cegueira judicial e à certeza da impunidade, faz-nos, após quase quatro mil anos, retornar à Lei de Talião, o famoso “Olho por olho, dente por dente”.

O fato é que a irresponsabilidade e o eterno feriado dos que deveriam conduzir o Estado criarão, cada vez mais, o sentimento expresso no velório de Kevilin. Lá, um cartaz trazia os dizeres: “Você é um anjo e vai para céu. Já fizemos justiça. Ele vai para o inferno, de onde nunca deveria ter saído”. E nós, para onde iremos?

Gabriel Tebaldi, 20 anos, é estudante de História da Ufes

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