Orlando Caliman
Para começar, vamos estabelecer o que entendemos por burocratismo. Uma "doença" da qual nosso Brasil não consegue escapar. Burocratismo é a expressão mais apurada do lado pejorativo de burocracia. Evoca, assim, idéias como perda de tempo, estorvo, excesso e conflitos de normas. No senso comum, representa tudo o que o cidadão não gostaria de encontrar no quotidiano dos seus relacionamentos, em especial com instituições públicas. Pode também estar associado ao excesso de burocracia, mas, principalmente à irracionalidade. Burocratismo é, portanto, uma anomalia do conceito moderno de burocracia.
O conceito moderno de burocracia nasceu na perspectiva do Estado moderno para lhe proporcionar, sobretudo, sustentabilidade institucional. Faz parte do processo de regramento de uma sociedade na medida em que racionaliza, estabelece limites e ordena - no sentido de organizar e normatizar - as interações políticas, econômicas e sociais. É a ordem enquanto contraponto do caos, do irracional. Portanto, é justificável, necessário e fundamental para desenvolvimento dos países. Ou seja, instituições e burocracia, que são coisas inseparáveis, funcionam como referenciais temporais para o bom funcionamento da economia e o desenvolvimento da sociedade; como também ajudam as pessoas a organizarem suas vidas e suas narrativas de longo prazo.
A boa burocracia, ou a burocracia no sentido weberiano - segundo Max Weber - preza pela racionalidade, impessoalidade, competência técnica e meritocracia. Infelizmente não é bem isso que encontramos no Brasil. A tendência no caso brasileiro está mais para o burocratismo, isto é, para o irracional, para o confuso e para o relacional. Aliás, talvez a explicação para esse viés esteja exatamente no fato de sermos essencialmente uma sociedade de natureza relacional, onde o pessoal prevalece na maioria das vezes. Nessa perspectiva, o burocratismo, visto enquanto má burocracia, faz todo sentido.
No seu artigo semanal para o jornal Valor - edição de 27 de julho - Delfim Netto chamou a atenção para o que ele denominou de "Tragédia Burocrática" ao abordar o "estado da arte" da burocracia brasileira, ou melhor, do burocratismo brasileiro. Inicialmente ele faz referência ao posicionamento não honroso do Brasil no contexto internacional quando a questão é facilidade em se fazer negócios. O Brasil está situado na posição 129 dentre 183 países. E isso tem ligação com a qualidade das instituições e ambiente geral de negócios, que faz reduzir a capacidade de atrair investimentos. Também faz aumentar os custos dos produtos e dos serviços, e consequentemente os preços cobrados dos cidadãos. Em suma, o excesso de burocracia e/ou a burocracia irracional impõem custos à sociedade; portanto, devem ser de alguma forma combatidos.
Burocratismo está relacionado, por exemplo, ao comportamento obsessivo dos nossos legisladores em produzir normas e leis, muitas das quais ineficazes em suas aplicações, ou mesmo superpostas a um emaranhado confuso de outras. Deveria merecer elogios aqueles que produzissem boas leis, modernas e contemporâneas, que assim reduziriam o número daquelas inócuas. E execrados fossem aqueles que produzissem leis e normas ruins, de benefícios duvidosos, tal como a recente determinação de se usar impressoras de ponto para controle de entrada e saída de empregados. Serão cerca de mil comprovantes para cada empregado por ano. Isso é burocratismo.
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