O Estado de S.Paulo
Quanto vale uma garantia dada pela presidente Dilma Rousseff? Em fevereiro do ano passado, Dilma esteve em Parnamirim (PE) para visitar um trecho das obras da ferrovia Transnordestina. Na ocasião, ela disse aos jornalistas que seu governo exigiria que os prazos da obra fossem cumpridos "sistematicamente" e assegurou que tomaria "todas as medidas" para atingir o objetivo de entregar a obra "até o final de 2014". A presidente foi enfática sobre sua disposição: "Não há limites para o que faremos". Pois bem. Na última quarta-feira, o governo anunciou que o prazo para a entrega da obra, que já havia sido estendido para dezembro de 2015, foi novamente alterado - e a previsão agora é de que a ferrovia seja inaugurada apenas em setembro de 2016, quase dois anos depois do que foi prometido por Dilma.
A Transnordestina é um caso exemplar da desconexão entre discurso e realidade nos governos petistas. A ferrovia, de 1.728 km, que ligará o sertão do Piauí aos litorais do Ceará e de Pernambuco, começou a ser construída em 2006, com a sua conclusão prometida para dezembro de 2010. Logo, se o último prazo anunciado for finalmente cumprido, terão sido quase seis anos de atraso.
Tal vexame não é um fato isolado numa área crucial para o desenvolvimento do País. O próprio ministro dos Transportes, César Borges, admitiu que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) executou apenas R$ 7 bilhões do orçamento de R$ 15 bilhões para este ano.
Borges atribuiu essa situação a uma série de entraves, como projetos mal elaborados, demora na concessão de licenças ambientais, disputas judiciais e exigências do Tribunal de Contas da União, cuja tarefa é apontar indícios de sobrepreço. Para o ministro, esses obstáculos legais afugentam as empreiteiras, que "reclamam que não há segurança jurídica", e "isso faz com que nós fiquemos meses, anos com problemas" - como se esses obstáculos não fossem causados, em primeiro lugar, pelo próprio governo.
As obras da Transnordestina começaram a atrasar em razão da liberação irregular de verbas e graças às dificuldades para realizar desapropriações. Houve casos em que o governo ofereceu entre R$ 6 e R$ 140 de indenização a agricultores que tiveram suas terras cortadas pela ferrovia. O Dnit nega que esses valores pífios estejam errados - o que evidencia os equívocos desse processo.
Enquanto isso, o preço da obra não para de subir. A ferrovia foi inicialmente orçada em R$ 4,5 bilhões. Na época, esse valor foi considerado muito inferior ao real, pois as primeiras projeções indicavam que seria necessário algo em torno de R$ 8 bilhões. Mas o governo exigiu mudanças no projeto, de forma a barateá-lo. Em 2010, no entanto, houve o primeiro reajuste do custo, para R$ 5,4 bilhões.
Quando Dilma visitou as obras, em 2012, ela disse ter "certeza" de que as projeções sobre o valor estavam "bem próximas da realidade" e que seu governo não pretendia "ficar elevando indefinidamente o preço dessa ferrovia". A certeza durou apenas 15 meses: em maio passado, a estimativa para a Transnordestina saltou para R$ 7,5 bilhões. Como o contrato é reajustado pela inflação, especula-se que o custo já tenha superado R$ 8 bilhões.
O ministro Borges defendeu os aumentos nos contratos: "Às vezes parece que os aditivos são uma coisa criminosa, mas os aditivos existem porque existe a realidade". O problema é que a "realidade" à qual o ministro se refere é menos um eventual aumento de custos criado por imprevistos e mais a incapacidade do governo de tirar seus projetos do papel.
A Transnordestina é uma obra estratégica. Com capacidade para transportar cerca de 30 milhões de toneladas por ano, a ferrovia permitirá que os produtores do Nordeste ganhem tempo e economizem recursos, pois evitarão o custoso transporte por caminhão e poderão escoar seus produtos por portos da região, sem depender de terminais do Sudeste. O investimento, portanto, é urgente. O que se espera do governo é que, sem mais delongas, simplesmente cumpra o que prometeu.
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