O Estado de S.Paulo
A lentidão da Justiça brasileira causa prejuízos de toda ordem, mas o maior deles é certamente a sensação de impunidade. Que dizer de uma situação em que, graças ao arrastado processo de múltiplos recursos e embargos, criminosos já condenados podem movimentar as contas bancárias onde depositaram o fruto de seus malfeitos? Pois é isso o que pode acontecer em um caso de corrupção envolvendo auditores da Receita Federal e fiscais da Fazenda do Rio de Janeiro.
Em 2002, autoridades da Suíça denunciaram a existência de contas bancárias pertencentes a esses fiscais, chamando a atenção para o fato de que o volume de recursos era incompatível com o salário dos clientes. Em meio às investigações, efetuou-se o bloqueio das contas, no valor de US$ 28 milhões.
No ano seguinte, a Assembleia do Rio de Janeiro instalou uma CPI para investigar o que já estava sendo chamado de "propinoduto". Foram denunciadas 32 pessoas, sob acusação de lavagem de dinheiro, corrupção, formação de quadrilha e evasão de divisas. Dessas, 24 tornaram-se formalmente rés, entre elas o subsecretário de Administração Tributária do Rio no governo de Anthony Garotinho (PSB), Rodrigo Silveirinha, responsável pela fiscalização de 400 empresas. Ele teria enviado US$ 8,9 milhões à Suíça.
Bastaram seis meses para que 22 dos 24 acusados fossem condenados pela Justiça Federal do Rio - Silveirinha foi sentenciado a 15 anos de prisão. O que poderia constituir um grande exemplo de celeridade judicial, no entanto, foi apenas o início de uma excruciante sequência de protelações.
A defesa queixou-se da velocidade com que seus clientes foram condenados e recorreu. Em 2004, os réus ganharam o direito de responder ao processo em liberdade. Três anos depois, em novo julgamento, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região manteve a condenação e ainda aumentou algumas sentenças.
Em 2009, novo recurso chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Desde então, como mostrou reportagem de Josette Goulart e Jamil Chade no Estado, o processo já passou por cinco relatores diferentes, sem que fosse apreciado. O último desses relatores, a ministra Assusete Magalhães, recebeu o caso há apenas dois meses.
Na semana passada, o Ministério Público Federal entrou com um pedido de "prioridade de julgamento" do recurso, o que soa como uma piada de mau gosto ante a lentidão de todo o processo.
A pressa agora se explica pelo fato de que as autoridades suíças alertaram seus pares no Judiciário brasileiro de que era preciso acelerar o julgamento, já que, de acordo com as leis da Suíça, o bloqueio das contas dos réus não pode passar de dez anos. Esse alerta foi feito em 17 de maio.
É difícil de explicar aos suíços por que não se encerra um processo em que os réus tiveram todo o tempo do mundo para se defender e já estão condenados em duas instâncias. O caso ganha contornos ainda mais surreais quando se sabe que os suíços envolvidos no mesmo crime - cinco banqueiros - foram todos condenados e até já cumpriram suas sentenças.
Eis, portanto, um caso paradigmático da concepção de justiça no Brasil, comparada a um país desenvolvido, como a Suíça. Enquanto os suíços puseram seus condenados na cadeia, aqui, em nome da necessidade de conferir "ampla defesa" a acusados de crimes, abriu-se o caminho para uma infinidade de recursos para que o desfecho do processo fosse considerado inteiramente "justo". A lentidão é, assim, uma virtude, e a justiça é entendida apenas como a proteção dos direitos dos réus, e não como forma de proteger a sociedade, punindo os culpados.
Some-se a esse entendimento o fato de que a Justiça brasileira é confusa, com suas tantas instâncias, e precária, com falta crônica de juízes. Como resultado desse estado de coisas, cria-se insegurança econômica, com perdas evidentes para o conjunto do País, e não apenas para os diretamente lesados. Envia-se à sociedade o terrível sinal de que, talvez, o crime compense.
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