A Gazeta
Angelo Passos
As reservas internacionais do Brasil somam US$ 283,3 bilhões (posição de 27 de outubro de 2010) e, além disso, há o estoque de recursos do Tesouro. E está liberando dinheiro do Fundo Soberano para a compra de dólares, ao mesmo tempo que espera efeito mais forte da elevação do IOF para tolher o investimento estrangeiro de curto prazo. Enfim, tem suas armas para não deixar sobrar dólares no mercado - o que poderia causar mais estragos ao setor exportador. Afinal, estamos em plena guerra cambial.
As perdas já são grandes. Pesquisa realizada pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria) mostra que o déficit comercial da indústria brasileira já se faz presente até nos segmentos considerados de média-baixa tecnologia. Isso nunca tinha acontecido desde o Plano Real - mesmo quando o câmbio esteve engessado nos últimos anos da década de 90. Mas, agora, o buraco existe. Somou US$ 6,3 bilhões neste ano, até setembro. Significa perda de quase US$ 11 bilhões em apenas dois anos, pois, em 2008, esse setor industrial teve superávit de US$ 4,6 bilhões no acumulado até setembro. O real supervalorizado não é 100% culpado por esse revés, mas sua contribuição é forte, principalmente em cenário de guerra cambial.
Ora, se até produtos de média-baixa tecnologia tropeçam no mercado externo, os de maior valor agregado não têm como escapar do escorregão. Números pertencentes ao estudo do Iedi indicam que o déficit comercial dos bens de média-alta tecnologia já atinge US$ 28,1 bilhões neste ano, até setembro. É 20% mais do que em igual período de 2008, na pré-crise. Até então era o pior resultado do setor. Naquela época, as empresas exportadoras já alertavam para a valorização do real e para o custo-Brasil, que representa pesado ônus à produção. Já a área de alta tecnologia (que abrange aviões, computadores, instrumentos médicos, produtos farmacêuticos, eletroeletrônicos, etc.) amarga déficit comercial de US$ 19,9 bilhões neste ano, até setembro.
Quem conhece a frase "além da queda, coice", se sente tentado a aplicá-la na situação atual. Além do real supervalorizado, o Brasil continua a praticar os juros reais mais altos do mundo - o que obviamente é uma incoerência com os sacos de areia que o governo está empilhando para conter o avanço da maré de dólares. Veja, caro leitor, o que diz o primeiro parágrafo do release que recebi há dois dias da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq): "Sem a adoção de medidas antidumping e de uma flexibilização da política cambial por parte do governo federal, além da insistência e conservação da taxa Selic em 10,75% ao ano, medida tomada pelo Copom em reunião no dia 20/10, o setor de máquinas e equipamentos registrou em setembro queda de 0,5% na comparação com o mês de agosto de 2010". O mesmo texto informa que a balança comercial do setor acumula saldo negativo de US$ 11,7 bilhões, de janeiro a setembro, e que o rombo deverá continuar a crescer e ultrapassar US$ 15 bilhões até o fim do ano.
Esse é apenas o caso de um segmento, entre vários. Conforme publicado neste espaço, no artigo do dia 1º deste mês, a balança comercial do setor de manufaturados deverá encerrar 2010 com déficit da ordem de US$ 59 bilhões, buraco que deve se expandir e chegar a US$ 80 bilhões em 2011, conforme projeções feitas pela Fiesp.
Dizem que a sequência de aumentos do IOF assustou investidores estrangeiros, pelo receio de que possa estar apenas começando uma escalada de restrições. Ou seja, a sensação de ameaça de que surgirão outras medidas representa fator de inibição ao ingresso de capitais. A incerteza regulatória funciona, sim. Mas também sofre pressões. E todo mundo sabe da tendência - aliás, muito forte -, de aumento da entrada de dinheiro externo para projetos do pré-sal e obras visando à Copa do Mundo e à Olimpíada. É por essa perspectiva que a apreciação cambial poderá ser uma das dificuldades que esperam, logo nos primeiros meses de mandato, o governo que suceder o de Lula.
E então, o que se imagina que deve ser feito? Bem, a primeira coisa que o bom-senso recomenda é que o novo governo firme o compromisso sério de que criará uma situação fiscal que permita reduzir a taxa interna de juros. É fundamental para aliviar o inchaço do valor do real. O câmbio respirará menos pressionado. Nem é necessário lembrar que se isso tivesse sido feito há muito tempo, a situação cambial e de vários itens das contas da União (formação de superávit primário, dívida interna, etc.) estariam atravessando momento mais confortável. Além disso, sem a diminuição do aloprado custo-Brasil (menos imposto, melhor infraestrutura, etc.), continuará difícil o país avançar em competitividade.
Angelo Passos, jornalista e economista, escreve às sextas-feiras.
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